domingo, 8 de abril de 2012

Vamos falar sobre sexo?


Isso mesmo. Nesta noite, o assunto é a prática que todos querem efetuar, mas por motivos de pudor fingem não querer. Sexo, essa manifestação humana considerada sublime e, paralelamente, pecaminosa pela sociedade.

No que consiste, todos sabem. Mas poucos realmente refletiram sobre sexo, e os que fizeram não conseguiram divulgar suas conclusões de forma satisfatória e acessível. Vamos, rapidamente, à três concepções sobre o ato sexual humano, seus efeitos psicológicos, implicações filosóficas e, principalmente, o impacto que redundaram na sociedade ocidental. 

Ocupando um lugar central na reflexão sobre o sexo, e gozando do apoio da maiorias das pessoas, estão as concepções cristãs, divididas em duas vertentes. A primeira, oriunda de Santo Agostinho, considera o sexo algo sujo e baixo, que prende o homem à matéria (a "Cidade dos homens''), o impedindo de transceder e adentrar à "Cidade de Deus''. E mais: o órgão genital é um castigo pelo pecado original, um meio de corrupção e conexão ao mal. As pessoas deveriam, então, evitar ao máximo a prática de atos sexuais, limitadas a certos dias (jamais em dias santos, vale lembrar), dentro, é claro, do casamento realizado por um sacerdote, com fins estritamente reprodutivos, em obediência ao "crescei e multiplicai-vos''. Agostinho segue, então, a linha de Platão, emulando seu desprezo pelo ato sexual (que era associado ao mundo das sombras, das ilusões, ocultando a verdadeira realidade, que no caso se resume ao amor, Eros, um valor abstrato que une irresistivelmente duas almas, jamais dois corpos), visto também pelo mestre da Academia como meio de reprodução. Platão considerava ainda a atração entre homem e mulher algo inerente à matéria e, por isso, algo negativo (a matéria é o "Mal''), e, por fim, considerava possível o amor apenas entre os homens. Amor ideal, sem manifestações físicas (ama-se a beleza do outro, por si mesma, jamais ele enquanto pessoa). Sexo é uma necessidade a ser controlada e que, potencialmente, pode corromper o homem, segundo o cristianismo mais conservador e seu diretor, Platão.

A segunda vertente, a qual me filio, possui uma tradição aristotélica, e mais moderna, vem sendo adotada pela Igreja Católica. Deus, dizem os neotomistas, é a fonte de todo o amor que o homem pode sentir, e sua ascese a tal sentimento é um meio de conecção entre homem e Divindade. Um dos meios de realização do amor, em seu sentido "Erótico'' (e não Ágape, que é o amor divino), congrega homem e mulher que, amando-se, serão um só: o valor amor produz uma união de espíritos que repercute na união de corpos. Essa união, porém, tem como fruto um descendente, uma só carne e um só sangue de seus pais. Ou seja, o sexo realiza o amor, um valor abstrato que liga o homem a Deus. Não se considera o ato sexual em si, como nas doutrinas pagãs, um meio de ligação com Deus, mas o valor, o sentimento, do amor, que apenas se manifesta na matéria, culminando na união sexual. O sexo é, então, sacramental, regulado pelo matrimônio e não apenas destinado à reprodução.


                                                                   Freud

Por outro lado, pensadores e pesquisadores não ligados ao cristianismo refletiram sobre o sexo. O mais importante deles, com certeza, foi o psicanalista austríaco Sigmund Freud, que revolucionou as Ciências humanas com suas teorias. É comum que alguns adversários de Freud digam que ele "simplesmente afirmou que tudo é sexo''. Não é bem assim.

Freud realizou uma tripla divisão da mente humana. Nosso consciente, diz ele em "A interpretação dos sonhos'', é nosso eu (ego), uma faixa mental exprimida entre o super-ego (que são os valores sociais, instituições repressoras da sexualidade, captadas da sociedade e reproduzidas na mente do sujeito; são nossa visão dos valores externos), chamado de "Pré-consciente'', e o inconsciente, o Id. Neste último, está a raiz da personalidade individual humana: trata-se da libido, dos desejos sexuais, que procuram a todo tempo serem satisfeitos. Como essa satisfação contínua tornaria a convivência social impossível, e por repressão da sociedade (através do super-ego), os desejos sexuais, que conduziriam a autodestruição do indivíduo, são satisfeitos por vias diversas das sexuais: através do gosto musical, por certas cores, esportes, artes, atividades profissionais etc. Ou seja, a raiz de nossos gostos e caracteres psicológicos individuais está nesses desejos sexuais que, dessexualizados, são satisfeitos por condutas simples. Esses meios de realização, que formam nossa personalidade, são o próprio ego do sujeito (o ego é apenas um meio não destrutivo de realização dos desejos íntimos): o processo dialético entre Id e Pré-consciente engendra o Ego, um pêndulo entre os desejos sexuais e a repressão social sobre eles. Os problemas psicológicos adviriam desses desejos não realizados que se manifestam por fobias, psicoses etc. Por outro lado, a sexualidade inicia-se logo após o nascimento, e a criança sente desejo pelo pai (se menina), ou pela mãe (se menino), em fases (através dessas áreas sente o pimpolho o prazer sexual) "orais'', "anais'', "genitais'' etc., constituindo o chamado "Complexo de Édipo''. Nossas escolhas sexuais futuras são substituições do objeto de prazer original, nossos pais, daí resultarem o parâmetro de escolha de nossos parceiros (a semelhança com nossos pais). O homossexualismo é um "defeito'' no processo e uma inversão do complexo de Édipo. O sexo, ou a satisfação sexual, algo irracional e natural, é o verdadeiro fundamento da personalidade humana e, vale dizer, o ato sexual é o Clímax de realização da "natureza humana'' voltada para a satisfação do prazer.  Concluindo: o sexo determina o homem, que não é livre em suas opções morais ou afetivas. O homem é uma máquina biológica, governada pelo sexo...


                     Kinsey foi glorificado nos EUA como um dos maiores cientistas do século XX. Dá para acreditar?

Também vendo o sexo como algo essencial ao homem, o biólogo Alfred Kinsey propugnou que a sexualidade humana possuía diversas possibilidades de materialização. O fato de desvalorizar-se uma prática em detrimento da outra- valorizar positivamento o heterossexualismo e desvalorizar o homossexualismo- é apenas uma questão cultural convencional que impede o homem de realizar todas as potencialidades de sua libido. Libido essa que se volta para o prazer, sem ter relação com a reprodução, já que o homem consciente livrou-se a muito da unicidade sexual e abstrativizou, como defendeu Freud, o ato sexual. Ou seja, poucas pessoas são unicamente hetero ou homossexual, mas possuem um grau a mais ou a menos entre os dois extremos: pode-se ser um heterossexual ocasionalmente homossexual, entre outras coisas E mais: Kinsey acreditava que a orientação sexual dos indivíduos muda com o decorrer da vida: por meio da repressão sexual inicial, todos tendem a ser heterossexuais e, com o posterior envelhecimento, acabam liberando os desejos contidos, mudando a própria sexualidade. Kinsey chegou a essas conclusões realizando um levantamento experimental entre entrevistados sexualmente ativos. Chegou a concluir que quase 37% dos americanos da década de 1950 tinham tido um orgasmo em uma relação homossexual. Descreveu práticas sexuais desde a pedofilia ao zoofilismo, sendo altamente criticado por isso. Por fim, as pesquisas de Kinsey e seus livros, com suas conclusões sobre a sexualidade dos homens e mulheres norte-americanos, permitiram a refutação da moral dominante e o embasamento científico da Revolução sexual dos anos 1960, onde o ato sexual foi liberado moralmente. Sexo pelo sexo, sem sentimento, com vista a apenas realizar desejos, que mudam de forma fluída. Nada mais Kinseyniano. Vale lembrar que as pesquisas de Kinsey foram pautadas por erros metodológicos (alteração de dados; espaço amostral único, a classe média branca americana; obstinação em naturalizar o homossexualismo, baseado no bissexualismo de Kinsey) e éticos (a pesquisa com pedófilos e crianças, filmadas em plena atividade sexual).

Enfim, essas são as principais correntes que versam sobre o sexo. Ato pecaminoso, só permitido em certas ocasiões e condições; origem da personalidade humana; possibilidade de satisfação dos desejos corporais e potencialmente realizável em diversas modalidades, igualmente válidas. Ou seja, trata-se de uma gradual liberação da ato sexual e desvinculação deste e da atividade reprodutiva, ou de qualquer espécie de sentimento abstrato que é pelo sexo realizado.

Me lancei nos braços do cristianismo neotomista e de sua concepção sobre o sexo. E você?  Sexo talvez seja apenas um ato físico sem relevância, natural e necessário. Ou pode ser a materialização do amor (deveria ser, atesto). Mas é inegável que Kinsey acabou vencendo seus concorrentes e impôs sua concepção do sexo à sociedade moderna: o que vimos com sua Revolução sexual foi o aumento dramático do número de abortos, o surgimento de DST´s (como a AIDS, cujo resultado de 40 milhões de mortes ainda não foi relevado pelos liberalistas sexuais) e dissolução da instituição familiar. O aumento da violência, a crise dos valores fundamentais da sociedade e o aumento das crises psicológicas parece estar diretamente relacionados ao sexo livre que se pratica hoje em dia. Fluído, líquido, fulgaz, que apenas realiza o desejo, proporcionando alguns minutos de bem-estar, seguidos por toda uma vida de sombras, depressão e dor. Talvez por isso Freud tenha idealizado o "desejo por Thânatos'', a morte: o fim da vida é o único meio de verdadeira libertação da ditadura do desejo sexual. Daí o indivíduo buscá-la, como uma espécie de volta ao ventre materno, onde a dor, os desejos sexuais irreprimíveis e a dor de realizá-los e ser por eles governados não mais existem. Semelhante, paradoxalmente, à visão da matéria (e Freud era um materialista) como algo negativo por Platão e Santo Agostinho, da qual o homem deveria libertar-se; idêntica, diria, ao cristianismo que propõe a morte da matéria ("corpo'') para a efetuação da verdadeira liberdade humana em Cristo e da Vida Eterna. No fim, Freud, Platão, Santo Agostinho e eu mesmo procuramos um único objetivo: a libertação da matéria, o fim da ditadura do sexo. Porque um amor real e eterno há de libertar-se do sexo e viver por si mesmo. O valor superará a matéria e duas almas serão uma só, unidas ao Salvador, para todo o glorioso sempre.


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