terça-feira, 25 de setembro de 2018

O CORONEL CONTRA O LOBISOMEM: CIRO GOMES E O DRAGÃO DA MALDADE


Definir um voto vem sendo cada vez mais difícil. Mas, diante de tudo o que estamos passando hoje, vou me socorrer na história, a quem atribuo algum sentido: nos últimos 30 anos, reconquistamos nossa redemocratização, vivemos a estabilização econômica, festejamos a redução da pobreza e, por fim, caímos em um precipício onde todas essas conquistas estão ameaçadas. É o momento em que ou passamos para a fase de desenvolvimento seguinte ou vamos ter que iniciar tudo de novo, se é que me entendem.

Por isso, é fundamental o voto em alguém (ou em um “projeto’’) que se comprometa a conservar tudo o que foi realizado. Isso exclui o apoio a quaisquer aventuras antidemocráticas que, sob uma falsa promessa do retorno de uma época onde o “parecer’’ ser honesto, limpo e organizado era mais importante do sê-los de fato, atiçam o que há de pior na alma humana, como o velho desejo de que poucos devem comandar muitos e, o que é pior, de que algumas categorias de seres humanos são naturalmente “degenerados’’, verdadeiros cidadãos de segunda classe; por isso, merecem ganhar menos dinheiro, merecem sofrer com a pobreza da qual não são culpados, merecem ser surrados por sua orientação sexual, merecem a mordaça cultural, social e existencial. 

Tal discurso, apesar de usar a máscara da disputa eleitoral, já declaradamente proclamou a possibilidade de destruir a democracia e pôs em cheque o processo eleitoral – mas somente se perder nas urnas. É a fera que chega à meia-noite, meio homem, meio besta. 

Esse mesmo projeto autoritário busca aumentar os impostos sobre os mais pobres e a classe média, aliviando os mais ricos, onde a taxa de poupança é maior, acabando com o motor do crescimento nacional, que é o consumo das famílias; tenta realizar uma abertura indiscriminada da nossa economia, por puro fanatismo ideológico; almeja, por uma mistificação de uma suposta superioridade do setor privado sobre o público, privatizar o patrimônio nacional com uma voracidade que deixaria o príncipe das privatarias tucanas corado de vergonha – e aqueles que andam, há décadas, de olho nas riquezas do Brasil, finalmente satisfeitos.

Trata-se do projeto que, além de assumir seu compromisso com a concentração de renda e a desigualdade social, arrisca destruir, em poucos meses, quase que a totalidade da estrutura produtiva brasileira – ou alguém acha que o agronegócio brasileiro, que incrivelmente apoia essa proposta suicida, vai resistir quantos meses contra o agronegócio subsidiado norte-americano, se perder os subsídios que o governo brasileiro lhe concede?

Por isso, meu voto é destinado ao único candidato que tem o compromisso de preservar o estado de direito e, ao mesmo tempo, combater a loucura do elitismo econômico no Brasil. Tudo isso realizando um necessário ajuste nas finanças do país, detendo a escalada da dívida pública mudando a natureza da mesma para títulos com maior prazo de resgate e menores juros; isso se fará aumentando receitas, tributando quem nunca foi tributado no Brasil (lucros e dividendos das grandes empresas, e heranças multimilionárias, hoje subtaxadas) e reduzindo desonerações tributárias insanas, que custam mais de R$ 300 bilhões ao ano, permitindo espaço para revogar a insana “emenda’’ que congela os gatos públicos por 20 anos. Com isso, temos nossa “normalidade’’ fiscal de volta. E assim será possível os “capitalistas’’ voltarem a ver algum futuro no Brasil.

E país que acena ter um bom futuro é país onde as taxas de emprego e consumo sobem. Não é a toa que uma puxa a outra, e não é insanidade alguma lançar um programa que permita a 63 milhões de endividados voltarem a serem inseridos na roda da economia, consumindo como antes, gerando demanda e emprego, restaurando o patamar produtivo pré-crise, só que dessa vez beneficiado por uma desregulamentação maior do setor bancário, permitindo que as cooperativas de crédito possam competir com os grandes bancos para oferecer o crédito necessário ao crescimento do país. Um programa emergencial de empregos, reativando pequenas obras públicas, ajuda a dar o gatilho.

Nada disso é possível sem um governo que tenha algum planejamento econômico.

Nenhum país dos nossos tempos deixa de influenciar em setores estratégicos para a economia nacional, e não seremos nós a sermos os diferentes: a riqueza em petróleo, o potencial na área de defesa, o antigo título de maior produtor de biocombustíveis do mundo e a necessidade de redução da dependência do setor fármaco-médico são de atuação vital para a sobrevivência do país.

Tudo isso possibilita uma necessária reforma tributária, finalmente instituindo o IVA (imposto sobre valor agregado), substituindo quase uma dezena de outros impostos e reduzindo a burocracia, consequentemente, aumenta a arrecadação da Previdência e, assim, possibilita uma reforma do atual e insustentável modelo para o regime de capitalização misto para os futuros segurados – onde você só tira, quando se aposentar, o que poupou, mas o governo banca os desassistidos não mais com o dinheiro que o trabalhador entrega à Previdência, mas com seu próprio orçamento.

E, claro, ao lado da reforma trabalhista (revogando-se a atual e propondo uma nova, onde o poder de negociação individual entre empregado e empregador não frature direitos trabalhistas básicos) e de uma nova forma de atuação do Banco Central, com a implantação, paralela à meta de inflação, de uma meta de redução do desemprego (como o BC norte-americano faz), temos a receita de uma recuperação econômica racional e possível – e que se assemelha à receita econômica aplicada por Getúlio Vargas para superar, em três anos, a maior crise da história do capitalismo brasileiro, a de 1929.

Veja, nós tentamos a saída ortodoxa, com corte de gastos sociais, limitação de gastos públicos, elevação dos juros e aprovação de uma “reforma trabalhista’’ que deu em menos 900 mil empregos... e tentar fingir que é possível voltar à fase do crescimento dos anos 2000 usando as mesmas ferramentas – ignorando que o partido que as utilizou sujou-se na lama da corrupção, mesmo que não tenha criado o “mecanismo’’, e insistiu em políticas econômicas alucinadas, como controle de preços a la Sarney, que levaram à crise – é mero fanatismo partidário.

Um país entra em suas crises pelo fato do projeto anterior de país ter se esgotado; e não sai de sua pior crise por saudosismo, mas com um novo projeto de nação. Fingir que o relógio vai voltar dez anos no tempo é um estelionato eleitoral tão grave quanto o que foi aplicado na última eleição; fingir que o controle de preços e, após as eleições, o ajuste fiscal insano não quebrou o país é maldizer a inteligência do eleitor; fingir que é pura vítima de um golpe e ao mesmo tempo se aliar e confraternizar com os golpistas é fazer o país dançar à beira de uma nova mentira – nem todas as soluções passam pela máxima de Fernando Henrique Cardoso, “mais quatro anos’’.

Sobre o PT, por falar em "quatro anos'', basta um olhar para o último quadriênio. Venceram uma eleição prometendo manter o status quo, mas aplicaram uma receita de governo própria da coligação derrota, cortando gastos sociais e fortalecendo a crise que se esforçaram para esconder; não satisfeitos em levar à cabo um estelionato eleitoral contra o povo, ainda quedaram-se mudos diante das revelações da lava-jato. Sejamos sensatos: apesar de não ter montado o "maior esquema de corrupção do mundo'', os companheiros dele se beneficiaram. Pior: não fizeram qualquer tipo de autocrítica nem pelas propinas e "doações'' via caixa dois, nem pelas pérfidas alianças com quadrilhas políticas. Pior ainda: já estão aliados a eles de novo, depois do "golpe''!

Solução perfeita, no entanto, não há. A história nos leva a ver em um político proveniente de uma família tradicional, com trejeitos mais broncos e as vezes deselegantes (embora saiba ser humildade para reconhecer seus erros), como o único capacitado a levar o Brasil à sua quarta fase de desenvolvimento: a do alicerçamento do crescimento econômico condizente com nossas potencialidades mediante algo que não mencionei antes e que deixei por último por sua importância. A educação. Dela, ele entende: o Estado que já foi por ele governado é o campeão nacional nesse quesito. Professores não são sub-remunerados lá, nem espancados ou vítimas de deboche. E ele é o único candidato que tem um projeto firme e geral para mudar a educação brasileira, apostando nela todas as suas fichas. É o "coronel'' que gosta de colocar o professor como prioridade de suas gestões.

Não é preciso citar, também, a longa experiência política imune a processos de corrupção, os êxitos como prefeito, governador e duas vezes ministro de Estado.


Chegou a hora e a vez de Ciro Gomes, porque, como disse um conterrâneo seu, autor de "O guarani'': "o poder nasce do querer. Sempre que o homem aplicar a veemência e perseverante energia de sua alma a um fim, vencerá os obstáculos, e, se não atingir o alvo fará, pelo menos, coisas admiráveis.“ Temos diante de nós o "dragão da maldade'' suspirando por uma chance de devorar nossa democracia.

Chegou a hora de fazer o admirável pelo Brasil. Meu voto é seu!

Catilina à brasileira



Lúcio nunca foi levado a sério. Em muitos anos como político, não fez nada demais a não ser acumular patrimônio. Até que, oportunista como era, viu seu país entrar na pior crise da sua história, com antigos líderes presos e uma polarização cada vez maior entre ricos e pobres, “gente do campo’’ e “gente da cidade’’, “partido popular’’ e “partido aristocrático’’. Chegara a sua hora, pensou: defendendo a morte dos corruptos, “mudando tudo o que está aí’’, “ cobrando menos impostos para o cidadão’’ e erguendo a bandeira da “volta aos bons tempos em que o exército mandava’’, Lúcio, tendo como guru um antigo ditador, se lançou candidato ao maior posto político de seu país. E perdeu.

Mas não desistiu. Tentou por fogo (metaforicamente, espalhando notícias falsas e apocalípticas sobre os adversários; e literalmente, com muito óleo inflamável) na capital para, em meio ao caos, tomar o poder. Muitos dos que queriam “o retorno dos bons tempos’’ o apoiaram. E ele terminou morto na primeira das muitas guerras civis que dilaceraram Roma e a transformaram, afinal, numa ditadura imperial por quatro séculos.

Ao longo da história, muitos pretensos líderes tentaram reeditar a trajetória de Lúcio Sérgio Catilina. Quase todos ex-militares, cujo pensamento político variava da pura grosseria intelectual até sofisticadas construções teóricas. Nesses fluxos e refluxos da história, um padrão parece se repetir: um louco sempre “abre as alas’’ de uma fase política autoritária para um verdadeiro tirano, que se assenta no poder com base no rescaldo deixado pelo “homem-bomba’’.

Hoje, nós infelizes tetranetos tropicais dos romanos vivemos essa fase. Não é mais o nosso Catilina (cujo nome não me permito pronunciar) que é uma ameaça. É o incêndio que ele causou. O maior medo não é Catilina triunfar, já que seu próprio estilo tosco faz muita gente concordar com a velha denúncia de Cícero (“até quando abusarás da nossa paciência?’’).

É que, 20 anos depois das loucuras catilinárias, veio César e acabou com a democracia romana. Sempre existe coisa pior esperando no futuro, depois que os arautos do autoritarismo tem sucesso. 

Ó tempos, ó costumes!