sábado, 7 de abril de 2012

A Grande Guerra da Moral: de que lado você está?


Embora muitos desprezem ou desvalorizem como inútil a discussão que se travará a seguir, resolvemos tecer algumas linhas sobre um assunto da máxima importância. Acreditamos dever uma manifestação a respeito de tão delicado tema.

Pensamos que vivemos uma época de guerra. Um conflito de escala global, onde dois exércitos trucidam-se interminavelmente, sob o signo de suas respectivas bandeiras. Um confronto oriundo da Grécia antiga, quando um rapaz atlético desafiou os padrões sociais vigentes em seu tempo: enquanto seus pares acreditavam que os valores morais de uma sociedade eram mero fruto de convenção, e assim, não tinham validade por si mesmos, ele afirmou que "coisas'' como a Justiça. o belo e o amor existiam por si mesmos, ou melhor, de forma independente da humanidade e, mais ainda, que esses valores constituíam a verdadeira realidade. Os valores morais tinham uma existência a priori, que determinavam a própria matéria, a própria sociedade, e mesmo o homem era uma sombra de seu verdadeiro eu, uma amálgama abstrata de valores. Em suma, se a Moral tem existência própria, ela se torna absoluta: só há uma moral, imutável, eternamente igual a si, o fruto do verdadeiro conhecimento, da epistemé. O rapaz acima mencionado era Platão e suas ideias, ao lado do cristianismo, moldaram o primeiro dos exércitos em combate atualmente: aqueles que creem em valores morais absolutos, válidos para todo tempo e lugar, e com um conteúdo cognoscível e ontologicamente real. Equivale a dizer que valores como moralidade, castidade, família, amor, honestidade, ética e outros assumem um conteúdo determinado e inquestionável.

Por outro lado, a bandeira dos cristãos platonistas e moralistas em geral perde cada vez mais terreno para uma hoste infernal. Seus primeiros líderes foram os adversários de Platão, os sofistas, que viam a moral como convenção; mais, uma convenção onde os ricos impunham sua vontade aos mais fracos, um amálgama de expressões que apenas os tolos deveriam cumprir. Como defendia que o conhecimento provinha somente das sensações empíricas, o sofismo acabou embasando a teoria filosófica que preconizou ser a satisfação dos prazeres do corpo o fim da existência humana. Assim, Protágoras e Epicuro, expoentes do sofismo e do hedonismo, opuseram à moral platônica o relativismo moral e o prazer físico prefeririam ao idealismo abstrato. 


                   Um bom exemplo das implicações do conflito entre morais diversas: caos contra ordem, romanos contra bárbaros, platonistas contra relativistas. Olhe ao redor e encontrará muitos outros exemplos

Com uma ou outra variações, o confronto continuou. Em Roma, os cristãos digladiaram-se com os pagãos hedonistas; na idade média, Tomás de Aquino enfrentou as heresias materialistas de Fiori; na Renascença, a renovação do platonismo foi alvo de dura crítica do ceticismo; na modernidade em diante, tanto Kant como Hegel absolutizaram, como Platão, a moral, mas retirando desta um conteúdo específico. "Moral'' passou a ser a síntese da autonomia humana: aquelas leis que o homem dá a si mesmo, por estas realizarem sua liberdade e prescreverem condutas racionalmente desejáveis; Por outro lado, a moral era necessária para limitar a conduta humana. Nietzsche, revoltado contra Platão, enunciou que a Moral humana nada mais é do um vazio, inchaço metafísico, que contraria a própria natureza humana: no mais entender, o filósofo da pós-modernidade acreditava que a moral autêntica só se daria quando o homem se libertasse dos ídolos e valores absolutos por ele criados e que os oprimia. O super-homem, é, segundo ele, o homem que, após negar todos os valores vazios, constrói outros, a partir do nada e tendo em vista sua natureza. Basicamente, devemos construir uma moral inteiramente nova, que seja correlata à nossa natureza: nada de castidade, idealismo, casamentos, família, ética ou honestidade, externalizemos tudo o que o homem é de fato, a ganância, o ódio, a sexualidade extremada...

  O General Platão contra Nietzsche: objetividade versus subjetivismo, moral imutável e universal contra a moral individual única, razão contra irracionalidade

Esse conflito titânico continua até hoje. De um lado, aqueles que lutam sob comando do General Platão,defensores aguerridos de conteúdos axiológicos absolutos. Do outro, uma horda sem comando ou organização, mas tremendamente poderosa, sedutora e bem armada, que defende a pluralidade moral, o relativismo, a satisfação dos prazeres do corpo... pode-se perguntar que polêmica isso traz. A resposta é óbvia: evangélicos , funkeiros, socialistas, consumistas, católicos, islâmicos, LGBT´s, políticos, ONG´s e, claro, você e eu combatemos nessa guerra diariamente. Vejamos um exemplo.

           Imagine uma moça simples, recatada. Oriunda de uma família classe C, ela frequentou o catecismo ou o culto desde pequena; sua família é estruturada; seu primeiro beijo foi aos 18 anos com o namorado previamente aprovado pelos pais; jamais roubou ou prejudicou ninguém; sempre auxiliou pobres e necessitados; casou aos 25 anos, onde perdeu a virgindade, e por aí vai. Eis um bom exemplo de uma pessoa pautada por valores absolutos, que, vale dizer, o são porque os próprios valores existem a priori, independentemente da moça. Eles se impõem como governantes de sua vida. Agora, imagine um rapaz ousado. Seus pais são divorciados; foi algumas vezes ao culto ou missa, mas deixou de frequentar quando ficou mais velho; sai com todas as garotas que quer; embriaga-se em festins constantes; não tem recatos em buscar o prazer; perdeu a virgindade aos 11 anos; divorciou-se, posteriormente, ou nunca casou; busca mais as vantagens pessoais do que o bem-estar alheio. Eis um bom hedonista, guiada pelos desejos carnais e cujos valores são relativos e mutáveis. São exemplos do dia-a-dia que enumeram como a discursão sobre a Moral é importante: porque, sendo absoluta ou não, a moral de um indivíduo é parâmetro pela qual ela guia sua vida, suas escolhas, e a lente pela qual vê, julga e age no mundo, ou mesmo o constrói.

Nesse ponto, cabe perguntar: hedonismo materialista, sexo desenfreado e consumismo são superiores à Moral cristã, a solidariedade e a valorização das virtudes espirituais? Quem deve prevalecer, quem deve ceder, ou melhor, o que é certo, o que é errado? Uma moral que contrarie as inclinações do corpo é correta? A resposta depende de sua posição filosófica: ou seja, cada indivíduo tem uma filosofia por meio da qual pauta suas valorações. Vou expor a minha, rapidamente.

O ser humano tem uma tendência natural pela satisfação dos interesses do corpo. Seja qual for sua finalidade e ordem de materialização. Todavia, a satisfação desses desejos o leva a entrar em conflito com os demais homens: não há meios de satisfação para todos. Mas, diante das limitações do ambiente, os grupos humanos passaram a, contendo seus desejos, trabalhar de forma coletiva para proporcionar a subsistência de todos; ou seja, o homem fica diante do caminho bifurcado desejo/sobrevivência. A última limita o primeiro, mas, todavia, com o desenvolvimento social, os recursos abundam de tal forma que a satisfação dos prazeres corporais pode ser atendida novamente. Porém, os recursos materiais de sobrevivência ficam concentrados nas mãos de poucos, que se satisfazem ao custo do trabalho coletivo. Em suma, só alguns satisfazem o prazer, de forma extremada, enquanto a maioria padece em busca da sobrevivência. Penso que, se tais recursos pudessem ser distribuídos de forma equânime, todos poderiam encontrar o equilíbrio adequado entre sobrevivência e desejo; uma terceira via, vale dizer. 


Assim, a moral legítima é aquela que proporciona um equilíbrio entre prazer e dever, entre eu e o outro, entre corpo e ideia, que é absoluta por ser relativa à autonomia e ao coletivismo humanos. Nosso erro é ver os extremos como absolutos, quando deveríamos nos pautar por um caminho do meio (nesse sentido, o capitalismo é o regime do prazer; o socialismo, o regime da sobrevivência): se é certo que devemos conter nossos desejos em prol do bem social e alheio, é igualmente certo que a moral deve proporcionar ao homem meios de realizar sua própria humanidade. E mais: essa moral deve envolver, necessariamente, a distribuição dos recursos naturais da sociedade entre seus membros, para que cada um sobreviva e tenha condições de alcançar a satisfação pessoal, da qual os desejos carnais são via direta. Conter alguns desejos é uma forma de permitir que os outros e eu mesmo possamos realizar aqueles que são essenciais à humanidade, garantindo assim a sobrevivência humana.

E você? Estou certo de que, se leu este texto até aqui, apesar da falta de habilidade intelectual do autor, você deve ter refletido o suficiente para realizar sua própria escolha... por que, sim, a moral é fruto de uma escolha humana. Se é absoluta ou não, deixo com você... em qual do dois exércitos combates, soldado?

3 comentários:

  1. A moral vive dentro de cada um, não há nada de absoluto. NADA. Como se pode admitir a existência de uma moralidade pré-determinada e eterna num mundo tão plural, tão heterogêneo?

    O homem vive sua busca incessante pela verdade, caminhando diariamente em direção a sua utopia. Determinar tais caminhos, ditá-los eternos e imutáveis é, pra mim, um crime. Não há nada de mais temível do que o poder de uma religião num ser humano, determinando suas crenças, suas vontades e pensamentos. Liberdade não é ir aos céus após uma vida de cabresto.

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  2. Concordo com JV.

    Jorge, aconselho que ao final de cada texto sejam acrescentadas duas informações:

    1ª: O nome do autor do texto

    2º: >>> "Obs: Os demais colaboradores não necessariamente concordam com as opiniões emitidas acima."

    Faz isso nos textos já postados também.
    Abraços

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  3. Agradeço os comentários. Meu objetivo aqui foi apenas suscitar a discussão e apresentar meu conceito de Moral que, como disse, é uma terceira opção entre absolutismo e imobilismo, relativismo e dinamismo morais.

    Bruno, eu vou adicionar todos que possuírem uma conta do google como colaboradores. Assim, vocês publicam com seus próprios nomes e respondem diretamente pelo que postarem. Claro que vou me incluir também como colaborador.

    Continuem acompanhando os próximos capítulos dessa "novela'' filosófica.

    Um abraço.

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