domingo, 15 de abril de 2012

Fatos pitorescos sobre a História da Inglaterra: sexo, anarquia, derrotas e sombras nos bastidores do "Império Britânico''

Henrique VIII e Ana Bolena em The Tudors: sexo, ambição e lama formam a história inglesa

Acho interessante o modo como aprendemos História. Para começar, temos de decorar algumas páginas com nomes e datas, além de acontecimentos cuja compreensão nos é totalmente alienígena, sem conexão com nossa realidade. Nem mesmo as estátuas de pedra e os bustos mal-feitos que enfeitam nossas praças parecem nos indicar que aqueles fatos realmente pesaram sobre nossas vidas...

Por outro lado, acabamos estudando de forma mais aprofundada a História da Europa do que a nossa própria.   Como nossos fatos históricos acham suas causas (ou melhor, relacionam-se...) na História Europeia, somos obrigados a entender o desenrolar da história gringa e "suas consequências'' para o Brasil. Note que, como as ondas quebrando na areia, nunca geramos nada, sempre recebemos de um centro. A Europa parece nos arrastar pelo túnel da história e, mesmo que não queiramos, somos levados pelo "progresso'' dos nossos tutores. Ou seja, somos mais um país sem identidade firmada, cujas principais matrizes ideológicas e econômicas continuam a provir dos centros do capitalismo e da "cultura civilizada''.

Dentre esses centros, e certamente o país que mais influenciou, política  e culturalmente o Brasil, pelo menos até a década de 1930, está o Velho Reino da Inglaterra. Um país nublado, verde, pacífico, ao menos internamente, há mais de 300 anos. Dizem os livros de história inglesa, é claro... hoje, todo bom inglês é aficcionado pelos símbolos nacionais, hinos, pela monarquia e pela história do país que construiu o maior império da história. O patriotismo e saudosismo pelas glórias do passado fazem parte do cotidiano do britânico atual e, infelizmente, consomem muitas páginas dos nossos livros de História. Mas os próprios britânicos muitas vezes ignoram que sua apoteótica história não é lá tão dourada assim... vamos aos fatos mais hilariantes, com vistas à descontração e, em seguida, aos acontecimentos mais tristes da gloriosa história da Inglaterra. 

1- Guerra de todos contra todos (559-1066 d.C.)

Essa época é a mais turbulenta da velha Inglaterra. Pequenos reinos saxões dividiam a minúscula ilha, travando uma guerra perpétua entre si, após lutarem contra os bretões e conquistarem a ilha. Nesse momento, um general remanescente de Roma, Ambrosius Artorianus, comandou a cavalaria dos bretões e venceu os exércitos saxões, garantindo a paz por uns 20 anos. Após sua morte, os invasores germânicos dominaram a ilha inteira; mesmo morto e com o país conquistado, Ambrosius foi lembrado por mais de um milênio - e até hoje- como um grande heroi, e as histórias populares o transformaram em um herói de conto de fadas, o Rei Arthur da mítica Camelot. O feito do grande herói que inspirou a lenda foi apenas atrasar a conquista saxã por alguns anos, fornecendo aos inimigos, antes desunidos a mal-organizados, a justificativa de uma união militar. Os saxões, assim, apreenderam técnicas de guerra romana e venceram os nativos, facilmente. Sem as vitórias fulminantes de Ambrosius e seus cavaleiros, talvez os saxões tivessem sido igualmente expulsos, paulatinamente; a ideia de Arthur de tentar concentrar todas as forças militares visando grandes batalhas decisivas, e não dividir os inimigos e derrota-los um por um (já que os invasores agiam em pequenos exércitos), acabou gerando, após sua morte, o efeito diverso: organizados, os saxões aniquilaram os bretões em grandes batalhas, já que eram mais numerosos. Em suma: o grande herói Arthur, dos contos de cavalaria, acabou arquitetando a derrota da Grã-Bretanha e sua ocupação pelos saxões...

O mito de Arthur permaneceu como um dos pilares da nacionalidade britânica, apesar de seu fracasso. A própria monarquia fundou seu poder, posteriormente, nas lendas do rei cavaleiro. A vitória saxã, contudo, retalhou a ilha em pequenos reinos inimigos entre si, e, dentro desses reinos, grandes senhores, os Earl, lutavam entre si e contra o rei. Saques, pestes, técnicas agrícolas defasadas e o crescimento de exércitos mercenários transformaram a Inglaterra na região mais caótica da Europa. Esse cenário, contudo, foi superado pelo reino de Wessex que, com a liderança de Alfredo, o Grande, derrotou os outros reinos e pode reunir as forças dispersas contra a invasão viking do século VIII: grandes levas de dinamarqueses, ou danos, atacavam as costas da Europa em saques arrasadores. Sem um poder central que lhes resistisse, fizeram uma bela festa na ilha Britânica, destruindo principalmente dos mosteiros cristãos. A Inglaterra inteira mergulhava no paganismo sádico, com direito até mesmo à rituais de sacrifícios humanos e pedofilia generalizada. Ante a esse caos, Alfredo, rei de Wessex, conseguiu reunir tropas e esmagar, seguidamente, os danos e os seus próprios Earl, num nos eventos decisivos da história inglesa: no dia do Witan, a reunião dos Earl (condes) de Wessex com o rei Alfredo, os dinamarqueses invadiram o país, com mais de 6 mil homens, comandados pelo rei pagão Gutan, que, derrotado no último ano, firmara trégua com Wessex, e fazia questão de rasgá-la. E aí vai o segundo escândalo da história inglesa, após as "vitórias'' de Arthur: os próprios nobres, os Earl, apoiaram secretamente a invasão, acordando com Gutan o ganho de mais terras e garantindo as que já possuíam. A primeira nobreza da Inglaterra, literalmente, vendeu o país aos invasores estrangeiros... lembra alguma elite latino-americana, não?

Pois bem: Alfredo derrotou todos, com a ajuda da Igreja e de nobres menores, já que os grande senhores o traíram. Assim, Alfredo foi considerado o fundador do Reino da Inglaterra, herdado de Arthur, e iniciador do império britânico, por ter organizado o reino, construindo estradas, escolas, um exército permanente, moeda única, fomentado o comércio. Foi considerado o oitavo maior britânico da história. Seu neto, Altestan, finalmente expulsou os danos e se tornou o primeiro rei a se proclamar "senhor de todas as Bretanhas''. A alegria da dinastia de Wessex não durou muito: os danos voltaram, sob a liderança de Canuto, mais de 120 anos após a derrota ante Alfredo e conquistaram o trono inglês. O bisneto de Alfredo, Eduardo, o Confessor, canonizado pela Igreja, conseguiu reconquistar o reino com a ajuda nos normandos, dinamarqueses "civilizados'', estabelecidos no norte da França. Só que prometeu dar seu trono em troca, após sua morte, ao duque normando, Guilherme... o sobrinho de Eduardo, Harold, foi proclamado rei e derrotou os noruegueses, que invadiram o norte, mas não venceu as tropas de Guilherme. Este, autorizado pelo Papa e pelo rei francês, conquistou o reino e fundou a primeira dinastia a se proclamar senhora da Inglaterra. Os normandos, porém, implantaram uma espécie de Apharteid na nova possessão: os saxões eram proibidos de se organizarem, casarem com normandos, falar francês, possuir em grandes extensões de terra e até mesmo tinham o dever de "dar passagem'' aos normandos nas estradas e hospedá-los em suas peregrinações e viagens- de graça, é claro; haviam vilas só de saxões, guetos exclusivos para eles nas cidades e divisões separadas no exército, e nem mesmo nos torneios de cavalaria podiam competir contra normandos. Desnecessário dizer que os saxões eram os únicos punidos pelos xerifes e demais autoridades repressoras (xerifes eram autoridades políticas, jurídicas e fiscais, subordinados e nomeados pelo rei, responsáveis pela cobrança de impostos e pelo governo de regiões administrativas; muitos enriqueciam roubando os impostos, participando de chantagens, explorando os pobres ou associando-se a ladrões ou grandes comerciantes). Apesar desse regime segregacionista, Guilherme reorganizou o país, centralizando-o e terminando com a guerra geral e com o caos, que já duravam mais de 500 anos (a exceção do período de Alfredo, claro).

2- Monarquia Rosa-Choque e os ladrões dos pobres

Os sucessores de Guilherme, definitivamente, não estavam à sua altura, com poucas exceções. Após ser assassinado, em 1085 (por saxões, dizem...), o rei foi sucedido pelo filho, Guilherme, o ruivo. Esse indivíduo adorava caçar com seus amigos nas floretas nevoentas e escuras, enquanto os bispos e nobres davam as cartas na política inglesa. Nessas "caçadas'', os "amigos'' do rei adentravam na floresta e o o rei metia-se a procurá-los em um jogo de gato-e-rato... bem, já deu para entender porque Guilherme adorava rapazes musculosos. O governo inconsequente, destrato com a nobreza e altos impostos cobrados, além de uma conduta amoral, levaram ao assassinato do rei. Seus irmãos brigaram pelo trono, e  Henrique I, o mais novo, levou a melhor, com um ardil. O derrotado, Roberto, também homossexual (...), foi para as cruzadas e, quando voltou, Henrique estava instalado no trono, dando as ordens... o único "homem'' entre os irmãos conseguiu reverter as políticas malucas do Ruivo e dar alguma estabilidade ao reino. Depois de matar o irmão Roberto, é claro. Henrique morreu sem deixar herdeiros homens, já que seu filho morreu em um naufrágio. Sua filha, Matilde, não poderia assumir; mas o filho dela, neto do rei, também chamado Henrique, foi indicado para sucedê-lo. Todavia, Estevão, sobrinho do rei, tomou o trono, fazendo Matilde declarar guerra ao usurpador. Seguiram-se 20 anos de luta, em um período chamado de a "anarquia'': sem um poder central para assegurar a paz, senhores, comerciantes, camponeses, bispos e monges pegaram em armas numa luta sanguinolenta em torno da briga pelo trono...

No fim, Henrique venceu e governou a Inglaterra por muitas décadas. Desenvolveu o reino, criou uma moeda única, centralizou o poder, eliminou a criminalidade, fundou instituições políticas e, principalmente, o Common Law, o direito costumeiro e judicial que continua a viger no Reino Unido de hoje. Mas, claro, seu filho e sucessor fez o grande favor de destruir tudo: Ricardo Coração de Leão, que tentou derrubar o pai diversas vezes para assumir o trono. Sanguinário, violento e ambicioso, Ricardo participou da terceira cruzada e, em dez anos de reinado, passou meros 6 meses na Inglaterra, lugar que detestava. Adorava conquistar terras e dinheiro, além da companhia de rapazes musculosos... o grande guerreiro, temido pelos sarracenos e respeitado por Saladino, sofria do mesmo mal que o tio-avô ruivo. Confessou, várias vezes, nas missas em que participava, seu "gosto pervertido'' por homens... e do púlpito das Igrejas, como penitência. Seu governo destruiu as finanças do reino e desorganizou o país, enfraquecendo a monarquia e fazendo proliferar os crimes: todavia, ainda hoje é adorado como um grande herói inglês, sendo o eterno patrono de Robin Hood nas histórias da cavalaria.

Aliás, Robin Hood jamais existiu, sendo inspirado em um criminoso, Robert Hood, líder de um bando de assaltantes que não poupavam nem camponeses pobres e mesmo eram estupradores de damas e freiras. Roubar para os pobres? Não aqui... na verdade, Robert e seus amigos roubavam de quem quer que fosse e revendiam aos grandes comerciantes, que assim não precisavam comprar as mercadorias pelos preços reais. Foi montado todo um esquema de roubos de mercadorias na estradas, comandado por Robert e pelos burgueses de York: se nosso "Robin Hood'' roubava de alguém, era dos comerciantes pobres e padres desprotegidos, para revender aos ricos... sabe o mal rei João, visto como vilão nos contos de Robin? Ele combateu os roubos e o esquema de contrabando... mas foi tão incompetente, militarmente, que jamais venceu uma batalha, perdendo a Normandia para os franceses e, humilhantemente, acabou assinando a Magna Carta, um documento pelo qual ficava impedido de levantar impostos sem autorização dos nobres feudais. Acabou como o vilão da história.

Rodando um pouco a fita, essa situação de pobreza, roubos e contrabandos, além de guerras externas perpétuas, continuou até o século XIV. Eduardo I acabara de morrer, tendo conquistado a Escócia e conseguido reorganizar o reino. Mas sempre existe um filho gay, na história inglesa, para destruir a obra do pai: dessa vez, foi Eduardo II. Considerado bonito, loiro, forte e alto, Eduardo casou-se com Isabel da França, a mulher mais bela da Europa (embora se diga que Margarida de Borgonha fosse ainda mais bela), mas raramente visitava a mulher; só para usar suas jóias ou roubá-las para dá-las aos seus amantes. Estes passaram a governar o reino, nomeando as principais autoridades, comandantes do exército e mesmo membros da Igreja. A Escócia revoltou-se, diante do rei hedonista, e, com a liderança de Robert the Bruce,venceu os ingleses em 1314, dez anos após a morte de Willian Wallace, o verdadeiro herói dessa luta, vivido por Mel Gibson em "Coração Valente''. Após a derrota, a nobreza, diante dos altos impostos e do desinteresse do rei pelo governo, entregue às mãos dos seus favoritos, e com o apoio da traída rainha Isabel, conseguiu enforcar o amante do monarca, o cavaleiro de Gaveston. Alguns nobres, sob o comando de Roger Mortimer, levantaram armas contra o rei e foram derrotados. O país desorganizava-se, com os aliados dos amantes do rei roubando o Tesouro Real, vendendo licenças de comércio e iniciando uma repressão brutal contra os opositores. Enquanto isso, Eduardo divertia-se em tocar as obras do Palácio, admirando aqueles homens suados... uma obra que jamais terminava, pois o rei mudava radicalmente os projetos para permanecer empregando os trabalhadores. Costumava ir às docas do porto de Londres aliciar os marujos, além de beber com vagabundos e bandidos. Seu favorito de então, Hugo Despenser, adorava usar as jóias da rainha e maltratava-a em público, roubando suas roupas, mandando os guardas a prenderem no quarto ou mesmo reduzindo suas refeições a farrapos de comida. Nesse período, os comerciantes enchiam os cofres de dinheiro e a nobreza conspirava dia-a-dia para derrubar o rei.

 No fim, após mais uma derrota na Escócia, a Rainha fugiu com o príncipe herdeiro para a França, onde levantou um exército com a ajuda do irmão, o rei Carlos, de Roberto D´Artois (uma figura... vou postar algo sobre ele em breve, aguardem!) e do conde da Holanda, e invadiu o reino, sob a liderança de Mortimer, agora amante da rainha. Entrando gloriosamente em Londres, perseguiram o rei Eduardo e o prenderam em um Mosteiro, onde este havia se escondido. Como tinham de livrar-se do rei para consolidar o poder, Mortimer e Isabel ordenaram que matassem Eduardo, sem deixar vestígios. Os carrascos, então, lembrando dos vícios do rei, bolaram um modo engenhoso de matá-lo: esquentaram um chifre no fogo em brasa, preso em uma barra de ferro, seguraram o monarca e introduziram o chifre em brasa no reto real. O grito de dor de Eduardo pode ser ouvido por camponeses à quilômetros de distância...

Sucedendo o pai, Eduardo III reorganizou (de novo...) o reino, e iniciou guerras contra a Escócia e, como ficou na nossa mente desde a sétima série, contra a França, na famosa Guerra dos Cem Anos. O rei queria o trono francês e, de quebra, garantir o mercado consumidor da lã inglesa, a região de Flandres, norte da França. Venceu todas as batalhas e conquistou o norte e centro da França. Parecia que iria formar-se um novo império no ocidente, tão poderoso quanto o de Carlos Magno... mas, no caminho, havia um filho. Calma, esse não era da turma rosa-choque... na verdade, era um herói de guerra, grande general e um exemplo de cavaleiro medieval. Como o pai, se chamava Eduardo, apelidado de "príncipe negro'', pela sua armadura negra. Quando as coisas iam as mil maravilhas, a mulher pela qual o rei apaixonara-se, a condessa de Salisbury, ficou viúva; Eduardo III tentou cortejá-la, mas seu próprio filho acabou por casar com ela que, apaixonada, deu a luz ao neto do rei. Furioso, Eduardo expulsou seu filho da corte e o deixou por conta própria na guerra contra a França, passando a lutar contra os escoceses. Só, o príncipe foi obrigado a fazer alianças com Castela e Navarra para manter o comando da França conquistada, que acabaram por destruir as economias da Aquitânia (o sudoeste francês ocupado por Eduardo) e acabou, sem recursos, derrotado e, por fim, morto, doente e pobre. O rei Eduardo, ao saber de sua morte, se arrependeu e entrou em depressão. Sem seu comando, os ingleses foram expulsos da França e a Escócia venceu os ingleses. Um ano depois, o rei morria, deixando a coroa para seu neto, Ricardo, apenas uma criança. E a Inglaterra mergulhara no delicioso caos, por causa de uma mulher... 

3- Surras e mais surras

No fim do século, o primo de Ricardo, Henrique de Lancaster, dá um golpe de Estado e se torna rei da Inglaterra. Seu filho, Henrique V, retoma a guerra dos cem anos e vence os franceses, em Azincourt, numa das maiores batalhas da idade média, conseguindo casar com a filha do rei da França, Carlos V, além de obter um tratado de "rendição'' do sogro, declarando que Henrique assumiria o trono após sua morte. França e Inglaterra seriam um único reino... mas Henrique morreu de hemorróidas, apenas 3 meses antes do rei Carlos. Seu filho, Henrique VI, um bebê de poucos meses, herdou as duas coroas. Crescendo, se revelou um verdadeiro incompetente, destruindo a obra do pai: construiu escolas e Igrejas, quebrando o Tesouro Real; desligou-se da Guerra, deixando-a ao cuidado dos nobres, que sofriam cada vez mais derrotas e deixou o poder nas mãos de sua mulher, Margarida, uma francesa ambiciosa e, dizem, adúltera; no fim, de tão endividado pelas obras de caridade e religiosas, teve de pedir emprestado e, no Natal, sem crédito na praça, ele e a rainha não puderam jantar... enquanto isso, mercadores, nobres e mercenários lucravam vendendo produtos caríssimos à população francesa dominada, fornecendo equipamentos para as tropas ou simplesmente saqueando. Formou-se um mercado subterrâneo de morte, roubos e quadrilhas que envolviam mesmo nobres de alta linhagem. Cada vez mais derrotados, os exércitos de mercenários, acostumados aos grandes saques na França, retornavam ao reino e trabalhavam para que pudesse pagar mais. Enquanto isso, o rei, um devoto da Igreja, rezava terços e mais terços...

Após a última derrota na Guerra dos Cem anos, a nobreza, capitaneada pelo duque de York, primo de Henrique, iniciou uma guerra civil, usando os mercenários recém-chegados da França. Após cinco anos, morto o duque e sucedido pelo filho, Eduardo, os York venceram. Para perderem a coroa, logo mais; para ganharem, um ano depois. Dessa vez, Eduardo de York matou Henrique e todos os seus aliados; inclusive, matou também alguns York, que "conspiravam'' contra ele: seu irmão Jorge de Gloucester foi preso em um barril e atirado no Tâmisa, morrendo afogado. Conseguiu restaurar a ordem, mas, após sua morte, seu irmão, Ricardo, um general glorioso nas guerras contra a Escócia, tomou o trono e matou os dois filhos do irmão, na torre de Londres. Acabou enfrentando uma invasão do último Lancaster, Henrique Tudor, filho do filho da filha da mãe da Henrique VI e sobrinho neto de Henrique V, e sendo derrotado; Tudor casa-se com Isabel de York, filha de Eduardo IV, unindo as duas Rosas da Guerra dos Rosas... Henrique refunda a ordem, reorganiza o Commom Law, emite moeda única, distribui licenças de comércio, investe na marinha e retira direitos dos barões feudais. Ao custo de altos impostos arrancados dolorosamente do povo...

4- Agora, quem manda sou eu

Morto Henrique, seu filho Henrique VIII assumiu o poder. Jovem, bonito e ousado, mandou enforcar os cobradores de impostos do pai e libertar todos os presos da Inglaterra (muito responsável, não?). Fez festas memoráveis e diárias, com muita carna assada, música, torneios de cavalaria e justas onde ele, o rei, era a principal estrela. Viril, era um dos maiores atletas do reino e não podia ver um rabo de saia. Ambicioso, tentou conquistar a França várias vezes, sendo traído pelos aliados na hora H, aos 45 do segundo tempo, que saiam do campo de batalha e deixavam os ingleses serem massacrados... furioso, Henrique descobriu que seria mais útil tentar assegurar o próprio reino que invadir o dos outros. Tentou, assim, ter um herdeiro, e, para isso, casou seis vezes, matando duas de suas esposas, incluindo a famosa Ana Bolena, pela qual chegou a fundar a Igreja Anglicana. Claro que tomar as terras da Igreja Católica era o principal objetivo... mas livrar-se da primeira mulher, uma espanhola quarentona e já infértil, e casar com a sensual Ana Bolena também era interessante. Por isso, 70% dos britânicos de hoje são anglicanos... pior é que sabem da história: a monarquia inglesa de cunho religioso (o rei é chefe da Igreja) e a Igreja anglicana surgiram dos desejos promíscuos, políticos e econômicos de um rei quase sempre embriagado, viciado em jogos e, acima de tudo, capaz do que quer que seja por poder.

Morto Henrique (de novo...), seu filho Eduardo, uma criança de nove anos, ascendeu ao trono. Super-dotado, teria sido um grande governante, se não tivesse morrido de tuberculose e sífilis, transmitida pelo seu pai a sua mãe e passada para ele durante a gravidez, aos 15 anos. Sua irmã, Maria, assumiu o poder e tentou restaurar o catolicismo, matando mais de 300 protestantes e expulsando os nobres anglicanos do país. Casou com o príncipe Felipe, da Espanha, que a deixou quando ela fingiu uma gravidez para "segura-lo''. Morta, a filha de Ana Bolena e Henrique VIII, Elizabeth, se torna rainha e realiza um grande governo, construindo as bases do futuro império britânico. Promoveu a cultura, financiando artistas como Shakespeare, estimulou o comércio naval, a pirataria e a marinha real tornou-se a mais poderosa do mundo.  Realizações da rainha virgem? Na verdade, não... Elizabeth exercia um grande poder simbólico, mas eram seus conselheiros, principalmente Walsighan, que exerciam de fato o poder, comandando o exército, enviando leis ao Parlamento e vendendo licenças de comércio. No fim, a "rainha virgem'' preferia a companhia de seus amantes e suas amigas, em reuniões onde os assuntos principais eram as fofocas da corte...

Sem filhos, sucedeu Elizabeth o primo, James da Escócia, bissexual assumido, que governou com os favoritos. Começou a perseguir os puritanos e católicos, que fugiam para a América, fundando as 13 colônias que viriam a ser os EUA. Entregou monopólios comerciais a certos grupos de mercadores e enfrentou o primeiro "atentado terrorista'' da Europa moderna: o católico Guy Fawkes tentou explodir o Parlamento no dia em que o rei faria um discurso, na conspiração de pólvora. Acabou preso e morto, inspirando a história da HQ e do filme "V de Vingança''. Pior que James foi seu filho, Carlos I. Dissolveu o Parlamento e meteu-se em guerras, endividando o pais e gerando confrontos contra os puritanos e burgueses, que se uniram contra a monarquia na guerra civil inglesa. Derrotado, Carlos foi preso e Oliver Cromwell assumiu o poder, ordenando a decapitação do rei. O caos estando instalado no país, Oliver prendeu burgueses, nobres, condenou à morte alguns radicais e dissolveu o Parlamento (algo não muito liberal, para variar...), protegendo a economia inglesa, guerreando contra a Holanda e investindo na educação básica. Morto, seu filho foi escorraçado do poder e o país mergulhou de novo no caos.

Aproveitando-se dessa oportunidade, o príncipe Carlos, filho do rei decapitado, pegou um "empréstimo'' com seu primo e rei da França, Luis XIV, de um milhão de liras e comprou o apoio do General Monke (isso mesmo...), tomando o trono com as forças do militar. A monarquia volta, com Carlos II à sua testa. O rei, compulsivo sexual, tinha dezenas de amantes, entre as quais se incluíam verdureiras, lavadeiras e prostitutas de rua, uma das quais Carlos fez Condessa... e que adorava humilhá-lo, traí-lo e conspirar contra ele. Não obstante, a Londres de Carlos estava tão desorganizada que, uma belo dia, ardeu no pior incêndio de sua história, onde os casebres miseráveis habitados por quase meio milhão de pessoas se transformaram em cinzas. O rei ainda meteu-se em aventuras militares junto a seu primo, Luís XIV, e se deu mal. No fim, desgastado, Carlos teve de aceitar o Habeas Corpus Act, que preservava o corpo dos súditos contra prisões arbitrárias deflagradas pela monarquia. O monarca, diante de mais essa derrota no Parlamento, fez o que sempre fez: arranjou mais uma amante, custeada pelo Tesouro Real...

5-Estado liberal? Conte-me mais...

Sucedido o compulsivo pelo irmão, James II, a Inglaterra vive seu grande momento político: o Parlamento arquiteta um golpe de Estado e, oferecendo o poder ao príncipe holandês Guilherme de Orange, realiza a Revolução Gloriosa. Os livros afirmam que, a partir desse momento, a Inglaterra mergulhou na estabilidade do liberalismo, que garantiu condições para a eclosão da Revolução industrial. Não há, portanto, mentira maior...

Após o golpe, Guilherme, investido como rei, enfrentou inúmera revoltas. Nobres, comerciantes, o clero católico e anglicano tentaram restaurar a dinastia Stuart dois anos depois da ascensão de Orange. Na batalha de Boyne, Guilherme venceu Jaime II e o expulsou da Irlanda. Mas as conspirações continuaram, com tentativas de assassinato e mini-golpes no Parlamento, onde Torys, partidários dos Stuart, se digladiavam com Whigs, ou liberais, partidários de Guilherme; em 1705, um bispo espanhol, a frente de 5 mil homens, invadiu a Inglaterra e causou estragos na costa leste do país. O país, contudo, passou a ser comandado pelos capitalistas e pelos landlords, grandes latifundiários da gentry, a nobreza rural. O problema é que a velha nobreza e mesmo o povão estavam insatisfeitos. Tanto que bispos da Igreja e nobres de alta linhagem, em 1714, trouxeram, em segredo, para a Inglaterra o príncipe James III, filho de James II.


Quem reinava era Ana, sua irmã, que sucedeu Guilherme e Maria Stuart, e estava a beira da morte; esta havia indicado o príncipe holandês Jorge Luís de Hannover ao trono, um estrangeiro, algo que causava profundo ódio nos ingleses. Assim, organizou-se uma grande conspiração, digna de Hollywood: trouxeram-se soldados, nobres fizeram acordos, comerciantes sonharam com alguns monopólios régios, bispos católicos pensavam em recuperar a Inglaterra ao catolicismo... estando tudo pronto, a rainha morreu e, no mesmo dia, cercou-se o palácio. Já antegozando o poder e distribuindo cargos, os conspiradores perceberam que faltava-lhes algo... o príncipe, que iria ser proclamado rei, restaurando o absolutismo, tinha saído de Londres. Havia ido cortejar uma dama da baixa nobreza... cortejo que custou caro: os Whigs se organizaram, expulsaram os golpistas e proclamaram Jorge rei da Inglaterra. James teve de fugir, junto com seus apoiadores, para a França, onde seu primo, Luís XIV, acabara de morrer.

Mas não acabou. Os escoceses, que faziam parte do "esquema'' montado para possibilitar a ascensão de James ao poder, se rebelaram contra o novo rei- foram massacrados, mas seus feitos foram cantados por Walter Scott séculos mais tarde. Revoltas continuaram, apesar do Estado burguês se fortalecer: o rei, não sabendo falar inglês (!), não participava das reuniões do governo e seus ministros decidiam as pautas do governo sem consultá-lo. Nasceu, assim, o parlamentarismo, com Robert Walpole como "primeiro primeiro-ministro'' da Inglaterra. O filho de Jorge I, Jorge II (quanta criatividade...) também deixou os ministros governarem sem sua participação. Detalhe: odiava o pai, que tentou desterrá-lo várias vezes. Quando reinava, em 1745, mais uma vez os Stuart tentaram voltar ao poder. Aqui chegamos ao clímax da narrativa...

James III estava velho e fraco, e, tendo gastado todas suas economias com esposas, amantes, bebidas e frivolidades, não tinha recursos para tentar recuperar o trono real. Mas seu filho Charles era diferente: forte, carismático, inteligente e ambicioso, tinha aquele papo fácil típico dos espertalhões e políticos populistas. Logo, conseguiu do primo, o Rei francês Luís XV (que papo ele devia ter...), alguns navios e consultores militares, bem como empréstimos de banqueiros franceses; a França estava em guerra coma Inglaterra e os marachéis dos Bourbon bolaram uma grande invasão da ilha inglesa, que terminava com a coroação de Charles como Rei. Mandou cartas aos clãs católicos dos Highlands da Escócia, bispos e nobres de alta linhagem inglesa. Ele estava invadindo a Inglaterra, e precisava de tropas para reaver o trono. Todos seus convidados toparam a empresa. Detalhe: apenas 15 anos mais tarde, a Revolução industrial eclodiria.

Chegando a Escócia, Charles Stuart encontrou os clãs escoceses prontos para a guerra, junto com alguns nobres e militares. Rapidamente, iniciou um levante em massa no norte escocês e derrotou as forças do Parlamento local. Conquistou toda a Escócia e avançou para a Inglaterra, almejando alcançar Londres: tomava cidade atrás de cidade, para o desespero do Rei Jorge e do Parlamento, cujos membros começaram a fugir, diante da chance de vitória de Charles; diante do avanço das forças de Londres, os revoltosos recuaram para a Escócia. As massas populares apenas acompanhavam o desenrolar das coisas e esperavam o fim do jogo, que veio rápido: as tropas da Inglaterra venceram Charles e este, com ajuda de sua amante, conseguiu fugir para a França, e, de lá, não conseguindo pagar os empréstimo, fugiu para Veneza, onde, sempre alcoolizado, passou o resto da vida. Os escoceses foram deportados para a América, e ainda hoje brindam àquele memorável príncipe que, 100 depois da Revolução inglesa, quase restaurou o absolutismo. 

A dinastia Hannover, então, entregou o poder às mãos do Parlamento. Mas nem todos os reis aceitaram essa posição: Jorge III resolveu que não seria "uma figura simbólica''. Demitiu ministros do Parlamento, emitiu projetos de lei e comprou, literalmente, o apoio de parlamentares. Distribuiu cargos, fechou contratos com grandes companhias de comércio e comandou a maior guerra da história até então, a dos Sete anos, contra a França, e venceu. O poder voltava às mãos da realeza, para desespero dos liberais, e a Coroa concentrava os três poderes. Todos os primeiros-ministros do reinado de Jorge foram indicados por ele, pelo menos enquanto esteve lúcido, sendo o mais importante William Pitt. Tudo, inclusive assassinatos, compras de votos, subornos e distribuição de cargos públicos, era válido, segundo o rei e seus apoiantes, para lograr êxito em seus objetivos. Contudo, a guerra arrasou de tal modo as finanças do reino que Jorge III foi obrigado a aumentar os tributos dos colonos americanos e intervir em seu lucrativo livre-comércio; ou seja, a Inglaterra nada tinha de liberal e tentou esmagar o liberalismo nascente americano. Os puritanos não aceitaram e, vinte anos depois, derrotaram os ingleses, com a ajuda da França e da Espanha, conseguindo sua independência. Jorge, nessas épocas, havia enlouquecido: adquirira porfiria, um acúmulo de mercúrio no corpo que causa diversos sintomas, inclusive demência. Conversava com animais e árvores, uma das quais dizia ser "meu amigo, o rei da Prússia''. Quando tinha calor, retirava suas roupas onde quer que estivesse, durante a Missa, cerimônias de Estado ou mesmo diante do Parlamento (!). Striptease no Parlamento, já pensou?

Jorge se recuperou e comandou o país nas guerras contra Napoleão, até enlouquecer de vez. Seu filho, Jorge IV, um libertino, transformou a Corte no lugar mais imoral da Inglaterra. Odiava a esposa, com quem teria se deitado apenas três vezes, preferindo sua amante. Foi em seu reinado que o embaixador de uma pobre e falida nação se dirigiu ao rei e pediu o reconhecimento da independência de seu país- e alguns empréstimos. Essa país era o Brasil, que tomou 2 milhões de libras dos banqueiros ingleses e os pagou a Portugal pela independência. Não é preciso comentar mais...

5-Conclusões

Morto Jorge, o irmão, Guilherme, assume o poder. Nessa época, os reis nada mandavam mais. Vitória sucede o tio e reina por mais de 63 anos, sem governar; consolida assim a monarquia como símbolo nacional. É ela quem patrocinaria escritores, poetas e historiadores para "esquecer'' as mazelas do passado e construir uma história "bonita'', cheia de heróis e feitos de glória, com cada episódio brilhante conduzindo ao momento em que viviam: o poderoso império britânico, construído, de fato, pelos homens aqui retratados. É Vitória quem realiza, talvez, o maior dos disparates contra a memória histórica do país: reinventar a História, escondendo os fatos, embelezando-os,ou pura e simplesmente, mentindo. Esqueceu-se que a Inglaterra foi, durante boa parte do tempo, uma ilha miserável explorada por uma casta ociosa, onde a anarquia sucedia-se frequentemente e pobres camponeses lavravam a terra seca, comandados por reis que quebravam o país em nome de seus caprichos e nobres totalmente amorais, como nos casos de Guilherme II, Ricardo "Leoa'' e Eduardo II, enquanto que, na história vitoriana, apareciam como exemplos de conduta. Arthur, Alfredo, Henrique II, Eduardo IV, Jorge III e Charles Stuart construíram os pilares em torno dos quais formou-se a moderna Inglaterra. Mas não deveriam ser louvados por essa herança, porque a obra "de arte'' desses homens se deu por interesses econômicos, morais ou mesmo para a satisfação de desejos sexuais (lembrem de Henrique VIII e Charles II...).

Não almejaram, contudo, criar qualquer império poderoso, mas pretendiam satisfazer seus próprios desejos; cada decisão que tomaram foi como um edifício de bases tortas e mal-construído, que recebeu um acabamento de primeira linha pelos vitorianos. Ou seja, do caos desses governos nasceu a atual Inglaterra. Mas seus fundamentos são podres, velhos; não só interesses econômicos, mas sobretudo pessoais, levaram a Inglaterra a ser o que foi, construindo o maior império da história. Hoje, os nomes de seus heróis enfeitam ruas, praças, seus bustos e estátuas imponentes trazem lágrimas aos olhos dos patriotas ingleses... deviam chorar, de fato, mas de vergonha. Sem comentar-se que a Inglaterra passou mais de 1500 anos em pleno caos, com obras políticas sendo feitas e desfeitas, cujos governantes nada mais queriam do que garantir a própria subsistência. A desorganização, o latifúndio e a exploração política, além do autoritarismo, são marcas da história do Brasil, mas, enfim, o Reino Unido, nessas matérias, foi ainda pior que nosso país.

Foi esse país que, como potência imperialista, "autorizou'' a independência do Brasil e dominou a economia nacional por mais de 100 anos. Foi essa nação de "heróis'', guerreiros, banqueiros e personagens de contos de fadas que comandou a morte de mais de 130 milhões de pessoas, em seu império colonial secular; foram estes mortos que construíram a glória britânica e sua riqueza, não heróis inventados, que, na verdade, apenas prejudicaram, quando muito não atrapalharam, o desenrolar dos acontecimentos sociais que conduziram à formação da moderna Inglaterra. Muito cuidado com o nacionalismo inglês: falso, mortal, perigoso. Faz mal a saúde, e continua fazendo.

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