quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

“Somos uma contemporaneidade de milênios”


Por Bruno Rodrigues, acadêmico do curso de História - UPE
 
"Somos uma contemporaneidade de milênios''. Essa frase é um tanto quanto intrigante, para se refletir o seu sentido histórico, mas ela também traz consigo todo um significado relevante de se analisar. Sendo nós neste momento uma contemporaneidade de milênios, onde o passado foi há um instante atrás, o presente é neste instante, é o futuro já se encontra neste instante, ou seja, o tempo presente está numa eterna confluência com o passado e o futuro. Então pensando nos períodos históricos, como por exemplo, Pré-História, História Antiga, História Medieval, História Moderna e Contemporânea, numa análise de como esses períodos se confluem na nossa contemporaneidade.


Pré-História, na contemporaneidade será que existe? Pessoas que não sabem ler e escrever são consideradas pré-históricas. Atos como a caça a animais, para se alimentar, ou como méritos de coragem feitos pelo homem contemporâneo, podemos considerar como atos “Pré-históricos”, apesar das armas serem mais modernas, mas os fins são os mesmos dos caçadores pré-históricos, a própria agricultura feita atualmente, junto com a coleta desses alimentos, se constituem da mesma forma pré-histórica em várias partes do mundo, salientando a domesticação de animais para o auxílio desses serviços, principalmente no campo. Outro fato interessante é que ainda existe na contemporaneidade a adoração ao sol e a lua, rituais para chuva, uma adoração voltada à natureza, como os homens pré-históricos faziam, Propriedade privada, criação do Estado, criação de objetos através da cerâmica, os altos funerários, enterrando seus entes queridos, esses são somente alguns exemplos, dessa confluência de períodos históricos em nossa contemporaneidade.


Pensando agora o período histórico da antiguidade, será que existe em nossa contemporaneidade? Na religião temos a adoração por deuses pagãos da antiguidade, por determinadas comunidades de pessoas, algumas adeptas outras que trazem consigo essa tradição de costumes e valores, através das gerações, tendo esses altos de crenças imbricados em sua cultura. Os cálculos matemáticos, necessários em nossa sociedade, alguns desses criados em períodos tão antigos, mas que são utilizados até hoje. O dinheiro necessário no comércio, para venda e compra de produtos, o casamento, a ideia de democracia, as artes plásticas que determinavam o conceito de belo, a arquitetura, O Estado no centro da sociedade, porque não também dizer a Igreja, que ainda tem uma influência muito forte na sociedade, o islã para boa parte dos orientais e o cristianismo para os ocidentais, essas são apenas algumas das religiões que destes os tempos da antiguidade, tem forte influência na sociedade contemporânea. Temos também alguns procedimentos médicos da antiguidade, que ainda hoje, são adotados por algumas pessoas, no esporte existem modalidades olímpicas da antiguidade, que na nossa contemporaneidade ainda são praticadas, por exemplo, a luta greco-romana. O pensamento em relação à poligamia é fortemente atual no oriente, a sociedade não enxerga problema nisso, deste que o marido tenha condições de sustentar suas mulheres, os ocidentais aderiram à monogamia, que ainda hoje, é o correto de se seguir em uma relação amorosa perante a sociedade ocidental seguindo o sistema, os monumentos históricos, engenharias, o estudo sobre filósofos ou pensadores da antiguidade, em relação a conceitos explicitamente presentes em nossa sociedade, como liberdade, justiça, enfim esses são somente alguns exemplos de nossa confluência de períodos históricos.


O período Medieval ou Idade Média, marcado fortemente pelos dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana, alguns desses dogmas foram deixados para trás, mas outros ainda estão explícitos como a ideia do diabo ou demônio, a crença em um único Deus, a concepção de paraíso, que só chegarão neste, os puros de pecados, falando em pecado, ainda hoje na contemporaneidade, acredita que seus pecados podem levar você ao inferno, que somente confessando e se arrependendo deles de coração e alma, você será perdoado. O inferno outra criação da idade média, este temível até hoje, por boa parte dos cristãos, porque não falar na crença dos anjos também, que além de existirem nesse imaginário, ainda são nomeados, e tem ainda as divisões por castas, interessante isso. Os santos venerados pelos fiéis, criados na idade média, e atualmente adorados por milhares de fiéis, com festas, procissões, missas de agradecimentos, uma devoção praticamente cega. Vamos pensar agora nas vestimentas, os orientais quase todos seguem com os mesmos estilos de vestes, principalmente nos países árabes, onde as mulheres são as principais adeptas desse estilo de vestimentas, onde só os olhos ficam expostos, os hindus e monges, também seguem arrisca o mesmo estilo de vestimenta, até a aparência física é a mesma, no sentido de não se importarem com a estética exterior do corpo, o que importa é o interior do ser humano. No ocidente muitas tribos indígenas seguem tanto na vestimenta e na pintura do corpo, e nos altos religiosos suas práticas medievais, em nossa contemporaneidade, a ideia de consumação da relação sexual, somente após o casamento, ainda é muito forte, estudos contemporâneos com referências em pensadores como São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, ainda são muito presentes, escritas e formas de linguagens dessa época são muito utilizadas, monumentos históricos, engenharias, por fim a própria Bíblia Sagrada e o Alcorão, esses são muitos requisitados, enfim esses são somente alguns exemplos, de nossa confluência de períodos históricos. 


Analisando agora a Idade Moderna ou História Moderna, podemos perceber sua confluência com contemporaneidade na arquitetura de casas, prédios, monumentos históricos, nas artes, pintura como o quadro da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, a engenharia utilizada nesses processos de construções, são utilizadas como bases do homem contemporâneo. Nesse período histórico temos o racha na Igreja Católica, onde os protestantes surgem com Calvino e Lutero, e ainda hoje, suas doutrinas são seguidas, começam as guerras pela fé, onde a sociedade começa mostrar sua individualidade, sua natureza, que atualmente é mais do que evidente é latente, onde o mercado de trabalho, por exemplo, excita a sociedade ser assim, numa competividade frenética, onde você deve ser o melhor em tudo, só assim conseguirá alcançar seus objetivos, não importa se você tem que passar por cima de semelhantes seus, o que importa é se no final estará bem. O renascimento deixou marcas em nossa contemporaneidade, por exemplo, as ideias de Galileu, hoje ninguém contesta suas teorias. A Igreja perde adeptos com o advento do Iluminismo, ou seja, a razão acima de tudo, o homem passa a ter a ideologia de que tudo pode ser explicado através da razão, partindo da cientificidade das coisas, onde um dia todas as perguntas serão respondidas, muitos pensadores são utilizados como referências em trabalhos pessoais, acadêmicos, científicos, por exemplo, Descartes, Hume, Kant, Hegel, Marx, Voltaire, Maquiavel, Rousseau, Montesquieu, Heidegger, Nietzsche, Newton, enfim o leque é imenso de referências que poderiam ser citadas, nessa confluência de pensamentos modernos e contemporâneos. A industrialização dos produtos materiais constituídos pela sociedade, a política absolutista, encontrada em alguns governos, como o nosso. Enfim esses são somente alguns exemplos, da confluência de períodos históricos.


Por fim irei descrever um pouco esses períodos históricos, como Antigos e Modernos.  O Moderno de hoje, pode ser o Antigo de amanhã, onde o tempo sempre se renova. Essa concepção de ruptura com o tradicional, mudança, sugerindo e provocando essa percepção que o Moderno só se destaca a partir do Antigo, onde no Moderno se encontra o aprendizado, onde este dito Moderno sempre existirá correlacionado com o Antigo, o Tempo moderno não propõe uma exclusão do Antigo, obviamente porque o Antigo e suas tradições sempre estarão ao olhar do retrovisor, não há o que se fazer em relação a isso, somente a mudança do novo. Então não necessariamente o Tempo Moderno de hoje, será o de amanhã, mas o Moderno sempre estará se reinventando através do Tempo. Entretanto o Moderno, não significa nada se não estiver relacionado ao Antigo, isso porque, se não há o Antigo, consequentemente não haverá o Moderno, o “novo ou recente”, para ser enaltecido sobre o Antigo, não haveria significado, se não houvesse essa relação Antigo e Moderno. Onde o conceito de Moderno se auto-afirma. 


Agora analisando o período vivenciado por nós atualmente, a contemporaneidade. Onde a contemporaneidade é o se jogar de um abismo sem saber voar, mesmo tendo asas, e sendo necessário aprender naquele momento voar. É ser atrevido, inovador, rebelde por que não? É sentir a essência do tempo em que estar se vivenciando, e não se temer ou ter conformismo às normas estabelecidas pelo Antigo. A contemporaneidade clama pelas aventuras que podem ser constituídas, ultrapassando seus limites, se interrogando, refletindo, analisando, criticando, reinventando o “ontem”, para se constituir o “atual”, que “amanhã”, talvez seja o “atual”, de “ontem”, onde a Contemporaneidade busca e provoca essa mudança constante.


Não posso deixar, de citar na contemporaneidade essa questão da moda e tecnologia, tão essenciais para o homem contemporâneo, na nossa sociedade bebemos das influências norte-americanas, onde a moda deles acaba sendo a nossa, mas tendo em vista que a moda e a tecnologia de hoje, talvez não seja a de amanhã. Existe análise de pensadores contemporâneos como referências de estudos, Bauman, Einstein, Freud, entre outros. 


Agora deixei o melhor para o final, onde a frase de Saint-Beuve torna-se essencial para a história da humanidade destes seus primórdios, onde a frase “Somos uma contemporaneidade de milênios”, tem o sentido de maior relevância, pelos menos para o estudante que vós escreveis, que seria a pergunta que todos os homens buscam uma resposta concreta, ‘Nossa Origem’, ora o ser humano deste que se entendeu como tal se faz esse questionamento, de onde viemos, e para onde vamos, essa pergunta atravessa os milênios, é o interessante que isso acontece em todas as sociedades, não é somente os ocidentais que fazem esses questionamentos, os orientais também buscam essa resposta, a humanidade tenta decifrar este enigma há milênios, mas até hoje, somente existe várias suposições que vão de Darwin, aos extraterrestres, e para os fiéis religiosos, Deus, esse são alguns exemplos, mas uma resposta concreta com 100% de certeza, ainda não temos, e a busca continua, ninguém sabe por certo até quando irá, o que sabemos é que enquanto não chega, esse questionamento atravessará os milênios. Outro questionamento que atravessa os milênios é o da morte, todas as sociedades fazem de tudo para detê-la, a ciência busca vários métodos de retardar esse processo inevitável, que atravessa os milênios da história do homem no tempo e espaço, mas que no final a morte sempre acaba vencendo, levando consigo as esperanças de várias sociedades. Hoje a ciência pode prolongar a vida, mas não evitar a morte, essa busca incessante atravessa e atravessará os milênios com certeza, descrevo isso também com esse desejo, essa vontade, de viver, não tenho medo da morte, tenho é vontade imensa de saber até aonde o homem vai chegar na História, até onde essa evolução irá chegar, será que teremos respostas para tudo? Como os pensadores iluministas vislumbraram. Essa curiosidade me levaria com certeza a querer viver para testemunhar todos os acontecimentos que virão a acontecer, depois ter todas as respostas, ai sim, poderia abraçar a morte alegremente, sem questionamentos algum; mas querer não é poder. Enfim esses são somente alguns exemplos, da confluência de períodos históricos. Tendo por fim através da reflexão desta frase, que se tem como título do texto, que com certeza nós “Somos uma contemporaneidade de Milênios”.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A renúncia de Bento XVI: uma nova esperança


A renúncia de Sua Santidade surpreendeu o mundo. Mas, já há alguns anos, esse gesto se fazia necessário, e o próprio Papa justificou o porque. O mundo atual, marcado pelas rápidas mudanças, exige um Papa dinâmico, jovem, um verdadeiro guerreiro, para dar combate à destruição da moral, ao materialismo e ao relativismo filosófico-espiritual, sem, contudo, perder o contato com outras religiões. 

A história ensinou que a renúncia de um Papa só se deu, até hoje, por meio da coerção. Em 1415, Gregório XII renunciou à cátedra de Pedro pela ameaça das armas, quando a Igreja vivia os derradeiros momentos do Grande Cisma do Ocidente, onde três papas, por quase 40 anos, brigaram pelo comando da Igreja, manipulados pelo Reino da França e Sacro-império, que os usavam para travar sua disputa pelo poder na geopolítica europeia da época. O fim dessa luta, que só foi possível pela renúncia de Gregório, foi a forja de um frágil equilíbrio no continente, já que os dois reinos estavam dilacerados pela guerra e necessitavam de uma autoridade moral forte que pudese coibir os abusos da época: a da Igreja.
O declínio de Bento XVI, contudo, é um gesto corajoso, sublime, de um homem que, humildemente, anuncia que não pode mais carregar o manto de chumbo da batina de Pedro, demonstrando assim toda sua capacidade de liderança e estratégia. Apesar de conservador, Sua Santidade, acima disso, é um filósofo: sempre aberto a questionamentos, a partir de uma metodologia racional, no melhor estilo tomista. Soube dar novo relevo a certas questões morais, como a do uso das camisinhas (que, a depender do contexto, pode ser um ato edificador da moral ou não), e puniu com rigor os padres supostamente pedófilos. O que esperar a seguir? Existem dois tipos de expectativa.

Os mais místicos ficaram assombrados com a renúncia de Bento XVI. Isso porque, segundo as profecias de São Malaquias (que não costumam errar!) sobre os papas (onde cada um teria um lema, que, historicamente, realmente coincidem com as características pessoais dos pontíficies que desiganam), o próximo pontífice será o último a reinar na Igreja. "Pedro, o romano'', seria seu nome. Roma, e a Igreja, seriam destruídas, após uma grande perseguição, que culminaria com a segunda vinda de Cristo. Superstição, com a devida vênia àqueles que nelas creem.

O mais realistas esperam um papa carismático, mais próximo da América Latina e dos demais continentes subdesenvolvidos ( a África é o lugar onde o catolicismo mais cresce), capaz de efetuar viagens aos quatro cantos do globo; a expectativa, na área política, é como será a posição do Vaticano em relação à atual desagregação da União Europeia. Uma união política no velho continente poderia tanto difundir a fé católica, embasando uma possível reconcialiação com as Igrejas protestantes (a Anglicana se mostra propícia a isso, pelo menos) quanto relegá-la ao passado como símbolo retrógrado da anterior divisão da Europa. Teria uma tendência em apoiar posturas sociais mais progressivas, sem, contudo, fazer muitas concessões na seara moral. Mas a porta do diálogo estaria aberta.

De toda forma, a luta pelo poder, no Vaticano, já começou desde 2005. Os conservadores estão ganhando, mas a época atual exige ao menos um papa moderado, se não da ala progressista; os brasileiros não tem muita chance, porque são idosos demais (75-79 anos), a exceção de D. Odilo Scherer, que mesmo assim não é lá muito carismático. Lhe falta personalidade para envergar o pálio branco. Como a renúncia não era esperada, o jogo muda completamente. 

É muito cedo para afirmar que a renúncia de Bento XVI é uma derrota para os conservadores.

Esperemos que, seja quem for o novo Papa, possam-se realizar as urgentes reformas que a instituição necessita, descentralizando-a mais, instituindo uma transparêcia maior, recuperando o diálogo perdido com os mais pobres, abrindo mão da riqueza e da pompa, além da aliança com certos setores políticos ultraconservadores. Que a Igreja deixe a "hierarquia'', o sagrado poder, para o passado, quando era realmente necessária, e retome o sentido da "hierodulia'', o sagrado serviço (Boff pode ter muitos defeitos e falhas teóricas, mas essa sua constatação é muito válida); e que mantenha uma base moral sólida, uma luz neste mundo dominado pelas trevas do relativismo, onde a dignidade humana é cada vez mais pisoteada. Como Bento XVI corajosamente fez, a Igreja, em uníssono, precisa condenar o atual capitalismo e trabalhar para sua superação. Mais uma vez, como em 1415, o mundo está numa guerra, mas dessa vez, na seara moral, onde uns poucos (a mídia, os detentores do capital e os novos políticos) tentam destruir quaisquer verdades absolutas e universais para impor, no lugar delas, os dogmas do relativismo, que apenas legitimam o domínio de um sistema opressor e a falta de compromissos morais que dele resultam (ora, eu lucro com o trabalho alheio, mas não tenho nenhuma responsabilidade pelos outros...): a renúncia de Sua Santidade, como no Grande Cisma do Ocidente, pode ser o primeiro passo para a paz espiritual tão arduamente desejada pelas bilhões de almas, que anseiam pelo pastoreio sereno, mas ardente, de um novo sucessor de Pedro, humilde, afetuoso, sensível as demandas do povo, que caminhe entre eles não como o maior de todos, mas como o servo de todos.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A carnavalização do Brasil



Carros alegóricos, mulheres desfilando corpos quase divinos, multidões a dançar, pular e consumir excessivas quantidades de alcool, num furacão de alegria, luxúria, gula e, acima de tudo, excessos morais não permitidos em tempos de "normalidade''. Trata-se do momento de glória anual onde o Brasil, um dos países mais desiguais e violentos do mundo esquece seus problemas e vive a celebração que corporifica sua mistura étnica e cultural: negros, brancos, pardos e demais giram seus corpos ao som do samba, do frevo e de outros ritmos musicais originários na fusão entre entre músicas europeis e africanas.

Contraditoriamente, o carnaval brasileiro é um resquício da tradição católica, de cunho moralista, que permitia aos fieis, antes dos 40 dias de jejum de carne, uma semana de festejos e consumo do cobiçado alimento: daí o nome "carnis'', acrescido da palavra "valles'', que quer dizer "prazer''. O carnaval é a festa da carne e do prazer. Dos excessos; uma forma da Igreja liberar os impulsos reprimidos dos súditos de Cristo, afim de lhes permitir suportar os rigores das penitências quaresmais. Por outro lado, alguns historiadores dizem ser o carnaval uma festa pagã greco-romana, exaltadora das deusas da fertilidade, no que consiste um equívoco. Eram comuns o tipo de festividade no qual os padrões morais eram relaxados, os escravos eram libertos e os prazeres, liberados, mas nenhuma delas dava-se na data carnavalesca - comparando-se o calendário grego, romano e o nosso-, nem com a finalidade que o carnaval cristão possuia.

O Carnaval recebeu nova conotação com o advento do luxo caracteristico do renascimento, e daí surgem as tradições das máscaras e desfiles com carros ornamentados em vias públicas. Paris e Veneza se tornaram as grandes capitais dos carnavais da nobreza, que, talvez com certa inveja da alegria genuina do carnaval popular da qual gozavam servos e pequenos burgueses, travestiu as festividades do luxo e requinte da aristocracia. Enquanto o povo divertia-se nas ruas, a nobreza embriagava-se nos castelos e salões dos palácios, ornamentada de ricas máscaras; a moralista nobreza, geralmente, terminava propiciando verdadeiros bacanais e orgias... contudo, em alguns países, notadamente Veneza, os ricos e os pobres misturavam-se nas festas; daí o uso de máscaras que, ocultando a posição social das pessoas, permitia que todas fossem iguais nem que fosse por uma noite. E, além disso, ninguém seria identificado pelos eventuais execessos que praticasse...

O crescimento do protestantismo inibiu a farra dos prazeres carnavalesca e, como se tratava de uma festividade católica, foi sendo paulatinamente abolida ou sufocada nos países protestantes. Ingleses, suiços, alemães (do norte) e escandinávios são apontados, ainda hoje, como povos "frios'' e austeros não pelo clima de seus países, mas pela repressão moralista empreendida pelo protestantismo. Quem sabe se, gozando das mesmas liberalidades do carnaval que as nações católicas, não seriam hoje mais afetuosos, repeceptivos e calorosos? 

O fato é que, mesmo com tal moralismo, o carnaval ganhou força e, na bellé époque, era uma das festividades tradicionais das elites europeias. A tradição, entre elas, era de viajar a Veneza e participar do baile de máscaras, onde homossexuais, libertinos, adulteros e afins liberavam seus desejos. 

O Brasil começou seus primeiros desfiles no século XIX, e, posteriormente, a tradição se expandiu para todo o país. Curiosamente, a prática era mais comum nas pequenas localidades do interior e, só depois, surgiram as grandes festividades de massa; infelizmente, o meio que possibilitou tal transformação não foi nada lícito: tratavam-se das escolas de samba, que nasceram sob o império do jogo do bicho. Os bicheiros, com financiamento da máfia italiana, concentraram poder econômico suficiente para serem os grandes financiadores das festas de carnaval, onde podiam manipular a massa popular, "divulgar'' seus serviços e mostrar todo seu poder. Por outro lado, manifestações carnavalescas nordestinas tiveram um forte impulso popular e, paulatinamente, transformaram-se de pequenas festividades populares em eventos de massa. O Estado getulista, com sua ideologia nacionalista, incentivou os desfiles, que adotaram temas relativos à história do país.

Mas eis que a elite brasileira "descobriu'' as belezas do carnaval por essa época, por volta dos anos 50-60. E começou o fenômeno que vemos hoje: mesmo nas festas de rua, vários camarotes, caríssimos, separam os mais "aptos'' financeiramente da multidão. O desfile das escolas de samba, sempre com suas relações promíscuas com os poderosos bicheiros, foi transformado em um show pirotécnico, dando-se em uma "avenida'' especial, que mantinha o povo afastado e os que pudessem pagar por ingressos fora da festa. Anunciantes de bebidas, alimentos e demais produtos começaram a financiar, também, os desfiles, principalmente sua transmissão via Tv. As roupas encurtaram e a nudez passou a ser a regra. 

Fora desse "carnaval privatizado'', o povo continuou a viver as festas de rua, cada vez maiores, mais regadas a alcool e sexualidade desordenada do que nunca. Não é a toa que, nos tempos de carnaval, os acidentes automobilísticos, as rixas e mortes delas decorrentes, o índice de gravidez indesejada e a entrada nos hospitais (problemas de coma alcoolico, overdose etc...) ascendem a níveis astronômicos. A animalidade é posta a fora. 

Com regulação por parte do Estado, como está acontecendo paulatinamente, além da sua repressão aos excessos dos foliões, não se vê muito problema nas liberalidades carnavalescas. As camisinhas, o policiamento ostensivo, a ordenação do trânsito, eis as medidas tomadas pelo Leviatã. O problema real, ao qual quis chegar desde que iniciei esta pequena reflexão, é outro. O carnaval foi engendrado para ser uma válcula de escape para a efetivação dos naturais desejos pelo prazer da condição humana, geralmente reprimidos em nome da ordem e estabilidade sociais, da mesma forma que o super-ego, as normais sociais captadas pelo indivíduo, reprime o inconsciente e o ego das pessoas. Em suma, o carnaval é uma exceção à normalidade, o enfraquecimento momentâneo do super-ego que permite ao ego realizar seus desejos, sem os quais o ser humano se tornaria deprimido, frustrado e mais sujeito a rebeldia contra a ordem social (afinal, com uma semana de alegrias, prazeres e liberalidades, é possível suportar o resto do ano de trabalho pesado, com uma das maiores cargas horárias do mundo, bem como partindo das piores remunerações da américa latina!). Afinal, uma sociedade de pura repressão moral faz acumular a tensão sexual que, um dia, explode. 

O Brasil, contudo, transformou a regra em exceção. Operou-se uma carnavalização da sociedade, onde todos os limites morais vem sendo postos a baixo. Na política, onde a corrupção e o enriquecimento a base dos bens públicos era exceção, tornou-se regra senadores, deputados e governadores notoriamente corruptos, as viagens aos paraísos fiscais; na economia, a norma de hoje é a favorecimento de verdadeiras orgias ao setor bancário, agronegocial e industrial; na cultura, predomina a produção musical, literária e televisiva de baixa qualidade, apelativa, promíscua e massificada. O pior disso é a disseminação das festividades, baladas, shows de rua, quase diários, por todo o ano, nas grandes cidades, onde o sexo e as drogas são os símbolos da ausência de limites. Cada vez mais, o brasileiro vive em carnavais politicos, econômicos, culturais e mesmo diários, em festas sem fim. A carnavalização objetiva apenas ao prazer, a ausência de limites, à dança desenfreada, enquanto a sociedade e suas demandas e necessidades são deixadas ao léu. Nada mais merece seriedade, afinal, estamos continuamente em carnaval! O circo continua, em tempo permanente.

Os antológicos desfiles das escolas de samba são a grande representação da sociedade brasileira. O povo, geralmente favelados na periferia carioca, desfilam com fantasias padronizadas, em massa e em fileiras, sob as ordens dos organizadores. E, nos carros alegóricos, os ricos e famosos são expostos em escala piramidal, onde, no topo, estão aqueles considerados os estereótipos de beleza, fama e glória: as musas, Silvio Santos, Lula, atrizes, artistas diversos, cantores famosos. São carregados e pairam deificamente acima das pessoas comuns, exibindo sua beleza e poder; são o que todos são ensinados a querer ser, verdadeiros deuses e deusas gregas. Somos desiguais até nas festividades... e em lembrar que o carnaval original da idade média misturava ricos e pobres, unidos em torno da alegria, sem distinções
 ou discriminações!

É como se estivessemos todos em um navio, mas, em vez de operá-lo, não parássemos de nos embriagar, copular e cantar. No leme, não há ninguém, nem mesmo os políticos; o barco vai onde o vento leva, enquanto todos buscam seus prazeres: o povo embriaga-se, os bancos lucram, o latifúndio exporta, a indústria impõe goela abaixo seus produtos ao povo e os políticos fazem acordos secretos e enriquecem da noite para o dia. E buscar o prazer é buscar um interesse pessoal, pondo-os acima dos da coletividade. É, em suma, o fim da cidadania. É a carnavalização da sociedade, onde cada um busca "o seu'', e todos os outros fazem a mesma coisa. É uma eterna festa, para o governo, povo e elites. O navio chamado Brasil? Ninguém se importa.

A festa é, contudo, seletiva. Afinal, alguém tem de trabalhar, o povo, que, só nos fins de semana e nas festanças mensais, pode almejar a dança das feras carnavalescas. O governo também tem de ter o mínimo de seriedade. Mas os cinco mil indivíduos que controlam metade do PIB do país estão em festa! Para que essa ideia de carnavalização não seja forçada, pense-se que ela constitui muito mais um ânimo, uma vontade, do que uma realidade: todos querem festejar sem parar, mas nem sempre o podem. É como o céu nublado, que ameaça sempre chover, por vários dias, mas não cai uma só gota; em compensação, quando a chuva desaba, o desastre é grande. Essa intenção, vontade, ânimo, em viver em eterno carnaval se faz transparecer em vários aspectos da sociedade. Mulheres nuas nas praias, novelas que tratam da liberação sexual, músicas que incitam o sexo e as drogas, o desejo por viagens, praias, sol, agitação. Em toda parte manifestamos nosso desejo, por todo o ano, em cair na folia e esquecer dos limites. O enfraquecimento da moral tradicional e o advento do relativismo pós-moderno só dão combustível a esses desejos.

Assim, a exceção tornou-se regra, e, no fim, trabalhamos e mantemos a ordem social apenas para que nos deem meios de cair nas festas do prazer. Tudo de forma bem hedonista e egoística. Longe de mim afirmar que isso é a causa de nossos problemas nacionais, mas ao menos, por triturar o sentimento de coletividade, impedem a necessária união para que sejam solvidas tais dificuldades, não?

O carnaval já foi a época onde aqueles que choravam o ano todo podiam sorrir, como bem o disse D. Helder Câmara. Mas hoje, esse sorriso se transformou em gargalhadas sinistras, que só ocultam uma sociedade podre, institucionalizam a indiferença para com o país e permite à mídia uma gorda fonte de lucros. O Brasil precisa compreender as festas devem ter um fim e que assuntos mais sérios, como  a educação, precisam ser postos em pauta acima da busca pelo prazer. A belíssima tradição popular do carnaval precisa ser relembrada: a época onde as diferenças eram esquecidas, onde nobres e plebeus dançaram juntos e sem preocupação, fortalecendo os vínculos sociais, mas sem nunca esquecer de seus deveres para com suas famílias e valores: e é justamente esta mistura que ainda transparece no carnaval de hoje. Negros, brancos, indígenas, elementos de todas as etnias que formaram o país ali se encontram e, potencialmente, podem fundar a base cultural pela qual finalmente não nos dividiremos mais em ricos e pobres, mas nos uniremos sob o epíteto de "brasileiros''. A mistura pode fundar a unidade, sendo seu símbolo. A extravasão que não eclipsava a consciência de que, finda aquela semana, a vida voltava ao normal. E normal é tudo que o nosso carnaval eterno não é.