domingo, 29 de julho de 2012

Um retrato do Brasil: o reinado dos seis gigantes


Sem dúvida, uma tarefa colossal para qualquer cidadão é conhecer o país em que vive e o mundo no qual se insere. Colossal, por que sua visão de mundo é bombardeada e condicionada por uma aberrante chuva ácida de informações selecionadas e altamente parciais, sendo extremamente sofrível formar uma própria visão dos fatos. Assim, vamos expor aqui um retrato do Brasil, inserido na assustadora lógica do capitalismo financeiro, norteados por uma análise política de cunho materialista. E a ponta do iceberg pela qual iniciaremos essa investigação é a política, em suas relações intricadas com a economia nacional. 

1- Coalizões partidárias e empreiteiras: a simbiose dos dois gigantes

Cada vez mais, os rumos da política nacional impressionam pelo nível de pragmatismo (ao lado, Lula e José Roberto Arruda) que atingem. Mas se trata de praticidade não na defesa dos interesses públicos; a política brasileira se mostra como uma projeção, na esfera pública, dos interesses privados das mais diversas matizes, usando como meio de satisfação de suas pretensões os recursos econômicos gerados pelo esforço coletivo. E, nessa "apropriação indébita'', estruturam um verdadeiro sistema nem-tão-secreto-assim de complexas alianças para locupletar-se com as gordas riquezas do país.

Tudo começa, apesar do que diz a mídia, nos corruptores, não nos corruptos. As grandes empresas que financiam as campanhas milionárias (as mais caras do mundo) prefeitos, governadores, deputados e senadores acabam conseguindo, por intermédio de seus eleitos, os melhores contratos com o Governo. Só a empreiteira Delta, hoje declarada inidônea, abocanhou mais de 80% das obras do PAC. Os dois principais efeitos dessa perversa aliança são o permanente monopólio dessas empresas nos contratos com a Administração Pública, o que resulta na péssima qualidade da prestação dos serviços prestados, que permanentemente precisam ser reparados e, principalmente, a seleção artificial dos políticos, já que apenas os "escolhidos'' pelas grandes empresas terão maiores chances de ganhar eleições. O Governo não é incompetente, mas é somente comprometido com essas empresas... assim, temos nossos dois primeiros gigantes, as oligarquias e empreiteiras, que não subsistem ao não ser juntas.

Por outro lado, o modelo de governabilidade vigente no Brasil é a próxima peça do quebra-cabeças. De um lado, o poder Executivo é hipertrofiado pelo grande número de poderes que conserva, a partir gestão da Administração pública e do Tesouro, que são usados como moeda de troca, com o Poder Legislativo, para a formação de grandes alianças partidárias que garantam esmagadoras maiorias governistas no Parlamento. Distribuem-se cargos à partidos e liberam-se emendas parlamentares ao Orçamento público mediante o integral apoio e complacência de deputados e senadores em se reduzirem a meros apreciadores de Medidas  Provisórias do Executivo. Por outro lado, os mesmos parlamentares agenciam contratos, por meio de seus indicados políticos a cargos públicos essenciais (ministérios, presidência de estatais, secretarias diversas), com as empresas que lhes financiam ou que lhes garantam os famosos "10%'' de propina, como ficou comum dizer em Brasília. 


Agem, também, destinando recursos do Orçamento, via emendas ao mesmo, para suas bases eleitorais, que, aplicados pelos Municípios, acabam nos bolsos das empreiteiras, que executam as obras previstas. Assim, desde os municípios, passando pelos governos estaduais até Brasília, coalizões nacionais são formadas, visando assegurar que Governos federais, no uso de seus enormes poderes, possam distribuir benesses a seus aliados que, na sequência, repassam os mimos a seus financiadores; é um esquema nacional para arrecadar recursos da sociedade e empregá-los, desde sua cidade, que fica com parte do bolo, aos estados e União, para o benefício pessoal de políticos e empresas.

Qual, então, o interesse dos chefes do Executivo em usar seus poderes, que nas mãos erradas poderiam prejudicar o sistema, em formar tão grotescas alianças? Simples: com maioria no Parlamento e distribuindo o maior número de benesses o possível, pode se perpetuar no poder, já que a tal base governista também age, em suas bases eleitorais, para garantir a vitória do Partido governante do Planalto, nas eleições quadrienais. O verdadeiro objetivo de quem chega à presidência da República, para emular Maquiavel, é permanecer no poder, a qualquer custo, distribuindo benesses aos aliados e a si mesmo. Daí o fato de que os governos federais articularem as campanhas políticas desde os municípios. Os "programas'' de governo e ideologias partidárias são meras plataformas metafísicas para iludir o eleitor e buscar alguma legitimação, que não a simples maioria absoluta dos votos válidos, para o exercício do poder.

Por último, temos uma "esquerda'' política que reduziu os principais debates do país ao "legado e defesa do governo Lula'' e pautas políticas estéreis, como a legalização do aborto, da união gay ou descriminalização do uso de maconha. Hoje, ser de esquerda no país, quando não se tratar de socialistas alienados que parecem receber ordens de cúpulas burocratizadas e sediadas em "Moscou'', resume-se simplesmente na defesa de tais ideias. Não há a proposta da construção de um projeto nacional de país, pouco se discute sobre soberania e muito menos sobre a realidade da economia. O grande defeito dessa esquerda é sujeitar-se às ordens de caciques e líderes, muitos deles medíocres, que manobram seus comandados para alcançar seus próprios objetivos; é um defeito genético da organização dos partidos oriundos de sua inspiração em agrupamentos políticos de cunho marxista, caracterizados por seu extremo centralismo. Hoje, são atores coadjuvantes a serviço do capital, ou mesmo motivos de chacota por sua imensa e persistente ingenuidade.

2- O grande capital industrial e o monopólio do mercado interno

O sistema toma forma, ademais, com a participação de outros gigantes, atores do jogo político. As grandes empresas e indústrias do país são beneficiadas por isenções fiscais e previdenciárias, fato pelo qual monopolizam, em diversas áreas, o mercado interno brasileiro, ou, quando muito, fecham-se em pequenos oligopólios, fatiando o país em zonas de influência. Com a crise, o governo destinou mais de R$ 112 bilhões para essas empresas, na forma de benefícios fiscais e empréstimos a juros subsidiados através do BNDES, em um esforço para evitar a recessão (segundo diz oficialmente), mas com o objetivo real de manter as altas taxas de lucros dessas indústrias. Taxas que serão remetidas ao exterior sob a forma da Remessa ordinária de lucros ao exterior (o valor bruto das isenções fiscais chega a R$ 54 bilhões, enquanto o lucro remetido, R$ 37 bilhões, ou seja, o valor que o governo abriu mão de arrecadar não ficou no país sendo investido, mas reforçou o caixa das matrizes) já que essas empresas são, em grande parte, estrangeiras e possuem suas matrizes foram do país. É o caso da pequena "liga'' de indústrias de automóveis, que receberam R$ 20 bilhões em isenções do governo, sem gerar um único emprego a mais. 


O problema dessa desnacionalização é tão grave que nossas indústrias compram seus componentes de fabricação a preços altíssimos das matrizes e, aqui, formando o produto, repassam o custo artificialmente inflado ao consumidor. Por isso, temos os mais caros eletrodomésticos e automóveis do planeta, que acabam saindo por até o triplo do preço de outros países- isso, em um cenário onde o custo de produção das empresas monopolistas são reduzidas a zero pelas benesses do governo. Assim, acabam arrancando grandes lucros no Brasil, onde o consumidor se endivida para adquirir bens artificialmente caros, que são repassados ao exterior por meio da compra de componentes.

Desnecessário dizer que nenhum Governo resistiria, no poder, sem o apoio dessas grandes indústrias


Essas empresas, que dominam o setor de indústrias de transformação, junto com umas poucas nacionais (produtoras de alimentos e material de construção civil, de baixa tecnologia) somente sobrevivem a partir de tais benesses do Estado. Não investem em inovação e pesquisa, já que importam seus componentes básicos das matrizes, onde realmente é feita a pesquisa tecnológica. Ou seja, o Brasil não possui indústrias nacionais em áreas importantes como automóveis, produção de microchips, eletrodomésticos, engenharia genética, que é motivo real pelo nosso baixo nível de inovação científica. Temos de importar, anualmente, U$ 100 bilhões em tecnologia, isso, porque nossa economia "industrializada'' é totalmente desnacionalizada e monopolizada por empresas estrangeiras.


O custo de produção no Brasil é mantido alto (para os não-monopolistas), pelas parcerias entre essas empresas e o governo, para inibir a competição e garantir o monopólio das transnacionais no país. A economia é reduzida à ineficiência, e com o total beneplácito do Estado. Por outro lado, é comum que tais indústrias, ao invés de realizarem investimentos produtivos, peguem empréstimos, no exterior, a juros baixos (já que os recursos para investimento produtivo são garantidos pelo BNDES...) de menos de 1% e comprem títulos da Dívida Pública, carregados a mais de 8% de taxa de juros, lucrando na diferença das taxas de juros e com a decorrente valorização do câmbio. Os bancos adquirem esses títulos a vista e os repassam, gerando uma verdadeira especulação sobre os títulos da dívida pública, geralmente acompanhada de excessiva liquidez no mercado (já que há sempre alguém vendendo o título), que propicia riscos inflacionários. Assim, de tempos em tempos, o governo tem de vender mais títulos remunerados a uma taxa de juros mais alta, para retirar liquidez (dinheiro, literalmente) do mercado para diminuir o consumo e derrubar a inflação. Juros maiores fazem nossas empresas e bancos continuarem com a mau-prática de continuar a especular com os títulos públicos, lucrando ainda mais com juros maiores, além de valorizar o câmbio, que destrói as pequenas e médias empresas, já que não tem condições de competir com produtos importados, mais baratos por causa do câmbio. As grandes indústrias resistem bem- graças aos incentivos do Governo- e, por outro lado, são em grande parte controladas pelos mesmos grandes bancos que também detêm a maioria das ações das empresas que exportam para o Brasil e destroem nosso empresariado nacional. Isso ajuda a monopolizar ainda mais o mercado brasileiro e a remeter mais recursos ao exterior, como pagamento pelas importações, aos mesmos controladores das empresas que monopolizam nossa produção industrial!

Por outro lado, as benesses do governo acabaram atraindo o maior investimento estrangeiro da história em nossa economia, que chegou a mais de R$ 65 bilhões no último ano- cobrindo o déficit da balança de pagamentos, que chegou aos R$ 58 bilhões.

Desnecessário dizer que essas empresas também financiam seus políticos (aqui, o PT e o PSDB, tão aparentemente opostos, são financiados por elas...) e, mediante as obras de infraestrutura que o Governo realiza por intermédio das empreiteiras, consegue aumentar a competitividade dos seus produtos e obter toda uma infraestrutura necessária à produção industrial. Ou seja, empreiteiras, políticos e grande capital internacional se dão muito bem.

Quem custeia a farra é o brasileiro comum, por meio da carga tributária nominal de 37% do PIB, mas que abocanha 45% da renda dos mais pobres e classe média (ou seja, a carga tributária é draconiana somente para os trabalhadores e pequenos empresários). Ou seja, são eles quem pagam a conta... os ricos pagam menos de 16% de sua renda em tributos, já que estes só cobram menos de 4% do patrimônio e renda destes- a maior parte, diga-se, está em paraísos fiscais, e o Brasil é o quarto maior lavador de dinheiro do mundo, com impressionantes U$ 1,5 trilhão de recursos postos longe do fisco. E, como o Estado continua a precisar de dinheiro, aumenta a carga de tributos sobre o consumo, afetando os mais humildes, que realmente e unicamente consomem no país. Não bastassem os tributos, ainda compram produtos industrializados das grandes empresas, que remetem o lucro para o exterior. É uma dupla espoliação.

Conclusão: você, eu e mais de 170 milhões de brasileiros estudamos, consumimos e trabalhamos para custear os lucros de empreiteiras, que compram políticos para fazer contratos com o Governo, que por sua vez realiza obras de infraestrutura para grandes empresas estrangeiras lucrarem com a fartura de recursos naturais, beneficiadas por isenções fiscais que garantem seu monopólio sobre o mercado brasileiro e com a especulação cambial e monetária. Mas outros grandes atores deve entrar neste teatro dos vampiros para que se complete a peça.

3- A relação com os bancos: especulação e lucros astronômicos

O Governo, não obstante seu impressionante volume de receitas arrancados da sociedade e que somam mais de R$ 2 trilhões, vive em déficits. Ou seja, gasta demais, e, para cobrir a diferença, tem de pedir emprestado... aos bancos. Atualmente, a dívida pública consolidada brasileira, da União, Estados e Municípios, passa dos 52% do PIB (mais de R$ 2,2 trilhões), e, apesar da queda dos juros básicos, ao qual 1/3 da dívida está atrelada, ainda pagamos mais de R$ 600 bilhões em juros aos bancos. Ou seja, o governo tributa ganhos reais da economia e remunera agentes financeiros com eles (com 40% do orçamento da União), que, por sua vez, emprestam mais ao governo para que este continue a beneficiar grandes empresas e empreiteiras nacionais. Ainda mais, os tributos encarecem os já superfaturados produtos industrializados das transnacionais, e uma parte deles vai justamente para elas, como benefícios fiscais. 

Por outro lado, o brasileiro consome via endividamento. Ultimamente, os bancos reduziram um pouco as taxas de juros, por pressão do governo, mas arrancam lucros históricos de mais de R$ 40 bilhões, os maiores do país, porque o número de famílias que usam seus serviços é maior, compensando e ainda sendo mais viável que a perda acarretada por uma tímida redução nos juros; ou seja, houve uma grande expansão do crédito, hoje em 50% do PIB. Hoje, 67% das famílias devem mais de 50% do PIB por causa da farra dos cartões de crédito, no país que ostenta a terceira maior taxa de juros do mundo e a maior taxa para crédito dirigido ao consumidor- mais de 40%. Enquanto isso, o spread (diferença entre taxa de juros que os bancos pagam e que cobram) bancário brasileiro é o maior do mundo, de mais de 35 pontos, enquanto a média mundial é de menos de 10. Ou seja, o denominador comum no endividamento do Governo e das famílias, são os bancos: os consumidores pagam, e os bancos emprestam ao Governo, obtendo de ambos altas taxas de juros. A maior parcela da dívida do país, entretanto, é deles: devem mais de 60% do PIB, entre si. Ou seja, especulam com o dinheiro arrancado dos endividados consumidores e do Governo em seus seletos clubes na bolsa de valores. Também gostam de realizar arriscadas operações cambiais que resultam em uma venda insana de títulos do governo, riscos inflacionários, aumento dos juros e, consequentemente, mais rentabilidade para a banca, como já dito.

Os lucros bancários são remetidos para paraísos fiscais, longe da tributação.


4- O poder do latifúndio e o brilho do Agronegócio

Paralelamente, encaixando-se nesse complexo sistema, estão talvez os mais velhos atores políticos e agentes econômicos do país. São os grandes latifundiários que, beneficiados pela revolução verde e dos investimentos em tecnologia agrícola feitos pelo Governo (através da EMBRAPA), alcançaram níveis impressionantes de produtividade. Hoje, geram mais de 40% do saldo positivo da balança comercial e, junto aos produtores de ferro bruto, respondem por mais de 50% das exportações do pais, na forma de soja, açucar, carne bovina, frutas etc. grande parte direcionada à China, EUA e União Europeia (as mesmas pátrias das grandes empresas industriais que aqui reinam...), beneficiadas pelo aumento de preço das commodities causada pelo surto de demanda interminável da China. Produtos de baixo valor agregado, que geram poucos empregos e mantêm a renda gerada concentrada nas mãos dos grandes empresários.


Essa renda concentrada é bem útil aos fazendeiros para financiar o grupo de políticos mais poderoso do país, a chamada "UDR", ou União "Democrática'' Ruralista, que soma mais de 300 deputados em Brasília. A principal missão deles é garantir recursos para investimentos públicos em logistica, para dar mais competitividade aos produtos brasileiros, além da concessão de benefícios fiscais e empréstimos públicos regados a baixíssimas taxas de juros. Ultimamente, conseguiram substituir o Código Florestal antigo por um novo, que permite zerar todas as áreas de preservação ecológicas permanentes, bem como inúmeros outros "cafunés'', como a anistia por dívidas bilionárias pela devastação ambiental causada para permitir o grande boom do agronegócio que vivemos hoje. Essas devastações ambientais, através das famosas queimadas, são responsáveis por 75% das emissões de CO2 do país- muito mais que carros ou indústrias.


Nossos bons fazendeiros, através de modernos recursos tecnológicos, mas que geram poucos empregos ou mesmo riqueza (menos de 10% do PIB), abastecem a fome de matérias-primas dos grandes centros industriais. Em troca, os brasileiros comuns, que trabalham, em mais de 70% dos casos, no setor de serviços, sendo 88% dos empregos gerados por pequenas e médias empresas, consomem os produtos das grandes transnacionais- ou seja, trabalham para consumir e essas mesmas divisas, remetidas ao exterior pelas filiais das grandes empresas, acabam servindo para adquirir matéria-prima produzida no país. A riqueza gerada pelo brasileiro volta ao país, em pequena escala, mas concentra-se nas mãos de menos de 1% dos brasileiros, que detêm mais da metade das terras cultiváveis.


(Acima, dados sobre a Balança Comercial, de Pagamentos e o grau de investimento na economia)
E, claro, quem possibilita e manobra essas operações entre latifúndio e países estrangeiros são os bancos, que especulam com o preço das commodities, deixados artificialmente altos, já que a demanda por alimentos é menos elástica o possível (ou seja, mesmo com aumentos seguidos de preços sua demanda não diminui). Assim, ganham mais através das taxas de serviços sobre as transações financeiras realizadas. O resultado nefasto dessa política é o aumento do preço de bens básicos em todo o mundo, o que, em dois anos, aumentou em mais de 300 milhões o número de pessoas com grave risco alimentar- ou seja, fome. Hoje, são mais de 1,2 bilhão, concentrados na África e Ásia, onde mercados consumidores de alto poder aquisitivo vivem farras orgíaticas de consumo, principalmente de produtos chineses, enquanto a população morre de fome. Lá, diversos governos foram derrubados ou estão sob risco de serem derrubados- como o do Egito, Líbia, Costa do Marfim e Zimbabué. A inflação dos preços foi o fogo originário que gerou a chamada "Revolta Árabe''. Interessante como as coisas se encaixam, não?



5- A eterna mentira que a gente vê por aqui

O último grande ator dessa peça teatral de terror é uma velha senhora que, dizendo-se livre, é na verdade uma deslumbrante prostituta. Sim, a rainha das mentes brasileiras, a toda poderosa mídia, concentrada nas mãos de cinco famílias sudestinas, é responsável por fazer os brasileiros acreditarem que vivem em um país diferente do real. Suas novelas, filmes, telejornais e diários impressos constroem uma versão oficial dos fatos, muitas vezes distorcendo-os ao extremo ou simplesmente selecionando o que a população deve ou não saber. Levam 190 milhões de pessoas a crerem que os principais problemas do país são a falta de segurança pública e a corrupção dos políticos, mas mantendo os debates em um nível tão baixo que acaba atrofiando o senso crítico da sociedade. A mídia também difunde produtos industrializados e propagandas de bancos, formando um exército de consumidores prontos a serem alegremente espoliados. Ainda mais, a mídia propicia verdadeiros circos que, apelando à baixaria, distraem a população com inutilidades, sejam jogos de Futebol, novelas, perseguições alucinadas de criminosos... são e devem ser, segundo o que quer a mídia, os principais assuntos a serem discutidos pelos endividados brasileiros.

Por outro lado, nossos veículos de informação vendem espaços de propaganda ao Governo, que chega a gastar mais em publicidade do que em investimentos em ciência e tecnologia, reservando mais de R$ 2 bilhões para veicular anúncios mentirosos sobre os êxitos dos programas governamentais. Só a Revista Veja recebe do Governo Federal R$ 1 milhão por edição, para propagandear as ações do Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobrás e Governo Federal. É a crônica do "Estado-anunciante''. Oposição entre governo e mídia? Onde? Não aqui no Brasil. Claro, o Governo faz de tudo para garantir o monopólio das cinco famílias mafiosas sobre a mídia nacional, não regulando o setor. 

6- As conclusões: o Brasil privatizado

Concluindo: políticos são financiados por empreiteiras e indústrias, e vendem seu apoio ao majestático e imperial Poder Executivo, que, em troca, distribui uma pequena parcela da máquina pública ao "homem público'', garantindo a formação de coligações nacionais para garantir a perpetuação dos grupos dominantes no poder. Por outro lado, o mesmo Governo mantêm benefícios fiscais e empréstimos subsidiados às grandes empresas, que não investem em inovação, importando componentes a preços superfaturados e empurrando ao consumidor produtos super-inflacionados, já que monopolizam o mercado. Ainda, junto aos bancos, especulam com o câmbio e títulos do governo, forçando altas dos juros e do câmbio cíclicas, que garantem o monopólio do mercado e altas taxas de spread aos bancos (ao lado, a tabela dos setores que mais arrancaram lucros da economia). A carga tributária é mantida alta, principalmente para os mais pobres e classe média, já que estes tem de consumir, e alguém precisa pagar os gastos do Governo. Nossas elites remetem dinheiro aos paraísos fiscais ou os imobilizam sob a forma de patrimônio. 

E, por fim, o agronegócio obtêm fabulosos lucros graças à parceria com o Governo e o Capital externo, e, por meio dos bancos internacionais, vê, via especulação, os preços das commodities inflarem artificialmente, o que aumenta a fome no mundo e desestabiliza regimes políticos de países ricos em recursos naturais, o que favorece golpes de Estado financiados pelos EUA ou UE, e mesmo China. Assim, o país se convertem em uma potência exportadora de produtos primários, custeados, em última instância, com as riquezas geradas pelo povo e apropriadas pelo governo e pelos bancos, estes através de suas altas taxas de juros. O que dizer que, assim, conclui-se que a maior parte de nossas riquezas é mandada para fora do país, e a que fica é distribuída entre agronegócio, bancos e oligarquias políticas, já que as indústrias não são nacionais, em grande parte? A mídia, por fim, faz o gracioso trabalho de dizer que está tudo bem; afinal, o futebol, novelas, sexo e trivialidades importam mais do que a "corrupta'' e "irrecuperável'' política do país... assim, o jargão "todo político é corrupto'' e os escândalos que vemos todos os dias sobre tal prática não chegam nem perto do que acontece de verdade no país. No fim, a corrupção é só um efeito do sistema e meio de ligação entre governo e grandes poderes econômicos. Assim, toda a riqueza produzida no Brasil é privatizada nas mãos dos grandes agentes econômicos e das oligarquias políticas. São seis gigantes que jogam o terrível jogo da exploração econômica, manipulando milhões de pequenos brasileiros com o único objetivo de obterem as maiores vitórias possíveis, traduzidas em gordos lucros concentrados em suas mãos.

Concluo que esse país é dominado por várias quadrilhas. Criminosos, que, fechados em pequenos, assaltam o país, e ainda mandam a maior parte das riquezas para o exterior, como sempre ocorreu desde o "Grito do Ipiranga''. O único ator político que poderia impedir a continuidade desse triste esquema seria o Estado, que, privatizado e convertido em gerente dos interesses econômicos e pessoais predominantes no país, está  amarrado. 

Assim, vivemos em uma terra de faz de conta; faz-se de conta que os assuntos mais importantes para a nação são mera trivialidades; faz-se de conta de que o país é a terra da felicidade tropical, das belas mulheres e da flacidez moral, onde "não existe pecado''; faz-se de conta, a cada dois anos, que a população escolhe seus governantes, ou que, nos últimos anos, melhorou de vida. Vive-se uma falsa imagem de país que está modernizando-se, quando na verdade continua comandado pelas forças mais reacionárias na sociedade. E, apesar de seu imenso tamanho, os brasileiros fingem não saber que os tentáculos de seis gigantes estão dispostos sob todo o território nacional, sugado todos os recursos da nação, concentrando-os no topo da pirâmide social ou remetendo-os ao exterior. Um país de hipócritas, falsários e atores de comédias baratas, que se divertem ao driblar as leis que são aplicadas com todo o rigor aos cidadãos comuns.

É um país dominado pelos piores monstros que se pode imaginar, seis aberrações que, não contentes em explorar os mais fracos, fazem-nos ainda acreditarem que devem ser felizes em trabalhar até a morte para enriquecer seus mestres.  São esses monstros responsáveis por milhares de mortes nos hospitais superlotados, nas ruas dominadas pelo crime organizado e pela condenação, sem chance de apelação, de milhões de brasileiros à uma vida de labuta diária, regada à tímidos salários, tendo como únicas e dopantes distrações um conteúdo midiático e cultural de nível constrangedor. E, não, não há um príncipe de armadura brilhante ou um líder messiânico que possa salvar o país... nenhum caudilho iluminado que, sozinho, consiga vencer esses seis gigantes. Aqueles que tentaram fracassaram terrivelmente, e seus corpos estão nos portões, como aviso. Bem-vindos, esse é o nosso reino das trevas.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

"O Cavaleiro das Trevas ressurge'': a Queda do morcego e o reerguimento de uma nação


Luz, sombras, morcegos e ... ação. Foram anos de espera até o suposto encerramento da bem-sucedida série cinematográfica sobre a saga do bilionário Bruce Wayne e seu alterego septuagenário, Batman. E, hoje, o terceiro filme da série estreou em cinemas do Brasil inteiro, marcado pela tragédia ocorrida nos EUA, que derrubou suas bilheterias mundo a fora. Como todos sabem, um louco adentrou a um cinema, no Estado do Colorado, e massacrou 12 inocentes. Tragédias a parte, o filme traz uma ótima oportunidade reflexão sobre uma vasta gama de temas e quero, aqui, elucidá-lo, obtendo, no processo, uma crítica não à última obra do diretor Nolan, mas à propriedade sociedade que a gerou.


1- O enredo: Batman contra os revolucionários

Feitas as explicações iniciais, vamos ao filme em si. Aqui, depois da épica luta contra o Coringa, da morte do herói das instituições estatais Harvey Dent e da vitória sobre os terroristas, Gotham respira prosperidade. As taxas de criminalidade são as mais baixas que sem tem notícia, a cidade está limpa das quadrilhas, a polícia voltou a ser uma instituição confiável. Contudo Bruce Wayne/Batman (Christian Bale) é um homem amargurado pela perda de seu maior amor no último longa, decepcionado ainda mais com o desfecho de sua missão como combatente do crime, onde seu vigilante mascarado é tachado por criminoso. Suas poderosas empresas vão à bancarrota, junto com seu corpo, marcado pelas inúmeras sequelas sofridas nas lutas do passado, e ele, ao contrário do Batman dos quadrinhos, sente todas as dores e dúvidas de um homem comum, que perdeu o sentido de sua vida.

Enquanto a cidade brilha, algo parece incomodar o Comissário Gordon (Gary Oldman). A estranha tranquilidade mostra que as causas da decadência de Gotham não estão mais presentes, já que mendigos, moradores de rua e assaltantes simples são inexistentes (salvo uma exceção isolada), mas os perigos potenciais continuam: a aparente calma se deve a uma Lei duríssima, conhecida como "Lei Harvey Dent'', expressão da ideologia do movimento "Tolerância zero'', nascido em Nova York e pregador de uma rigidez intratável na execução penal. Os criminosos, sem líderes e desarticulados, ficam presos, aos milhares, em uma penitenciária de segurança máxima, como uma represa de concreto a deter pessoas, e não água. O que aconteceria se ela fosse aberta?

Enquanto isso, a experiente ladra Selina Kyle (Anne Hathaway) vive de grandes roubos de joias, ao passo em que busca meios de recomeçar uma vida onde não seja uma procurada da polícia. Aqui, contudo, vai uma pequena crítica: a Selina Kyle (mulher-gato) dos quadrinhos é uma mulher transtornada, com mil e uma faces, cria de um sistema social excludente (havia sido prostituta, antes de ladra). A da película de Nolan é uma mulher forte e confiante, talvez um pouco indecisa, mas que não ostenta a complexidade psicológica da personagem. Anne, porém, dá uma graça ostensiva à personagem, embora não tenha atuado bem nas cenas de luta.

O grande inimigo de Gotham é, dessa vez, Bane (Tom Hardy ), um ex-mercenário que planeja realizar o plano da Liga das Sombras (do primeiro filme) e destruir o símbolo da civilização ocidental decadente, a própria Gotham. Para tal, planeja uma série de atentados à cidade, coma  ajuda de um ambicioso empresário, um dos inimigos do mundo de negócios de Bruce Wayne.


Miranda (Marion Cotillard) é uma empresária filantropa que busca investir sua fortuna em ações sociais, principalmente em energia renovável. Aparentemente idealista, protagonizará um pequeno affair com Wayne e será responsável por uma grande reviravolta no desenrolar do filme. O mordomo de Bruce, Alfred (Michel Caine) abandona o patrão e pouco aparece no filme, mas ainda assim dá um espetáculo de interpretação; desiludido com seu amigo e empregador, decide não apoiá-lo quando este retoma a máscara do Batman para enfrentar Bane. Por fim, um policial obstinado (Joseph Gordon Levitt) age como uma espécie de braço-direito de James Gordon, personificando os antigos excluídos de Gotham (latinos, negros e pobres) que encontraram um lugar junto à nova ordem.


Basicamente, Bane planeja destruir a cidade com uma bomba nuclear fabricada pelas indústrias Wayne, originalmente produzida para ser uma fonte de energia renovável. As sequências de ação que se seguem são relativamente fracas, com poucas aparições do Batman e muito pouco do seu prodigioso estilo de lutas, caracterizado por incutir medo nos oponentes e pela teatralidade que ostentava. Faltou a "classe'' que o personagem tão bem caracterizou no segundo filme.

Diante de um Batman fragilizado, Bane vence facilmente o primeiro confronto com o herói e o joga em uma distante prisão do oriente médio, enquanto isola Gotham City do mundo e ameaça explodir a cidade caso aja intervenção do governo. Liberta todos os criminosos da cidade e lhes arma, proclamando a derrubada de todas as instituições políticas da cidade e capitalizando seu discurso com uma pregação pseudo-revolucionária e socialista. Tanto que seu primeiro alvo foi a Bolsa de Valores da cidade, na qual deu um golpe bilionário, destruindo a fortuna das empresas Wayne, numa alusão direta ao movimento de contestação ao capitalismo de nossos dias, o Ocupe Wall Street.

A trilha sonora permanece quase inalterada, sendo basicamente a mesma composta por Hans Zimmer para a trilogia, mas que casa muito bem com as minguadas cenas de ação. 

Aqui cabe mais um comentário: o filme se dá em uma atmosfera de permanente tensão, e constantemente prepara o telespectador para algo grandioso. Seu início é magnífico para o gênero, mas logo o brilhantismo inicial decai gradativamente. A espera por algo maior, interrompida pelo impacto inicial da "revolução'' de Bane, esvai-se indefinidamente. Faltou um clímax mais adequado para coroar a película, e o filme acaba prometendo durante suas longas 2h45min algo que simplesmente não acontece, e seu desfecho dramático não possui a carga emotiva ou técnica necessárias para tal. Se você espera um filme com grandes efeitos especiais, vai se decepcionar. Não somente os efeitos especiais faltam, mas cenas de efeito.

Os atores não se entrosaram bem e poucas atuações merecem destaque. Christian Bale foi discreto, mas personificou bem o esgotamento e a depressão que afetavam seu personagem, enquanto Gary Oldman permaneceu apagado, mesmo quando seu personagem lidera a polícia na articulação contra as forças "revolucionárias'' de Bane. Dos demais, incluindo Anne (nessa, faltou mais sensualidade, pela qual não se pode comparar a jovem a atriz à Michelle Pfeiffer, o Mulher-gato de "Batman - o retorno''), há que se falar que foram tão profundos quanto um pires. O vilão Bane pouco conseguiu expressar a atmosfera de terror apocalíptico que dele se esperava, se tornando uma sombra morta quando comparado ao Coringa. Seu visual também ficou opaco, no mínimo.

As atuações fracas e as cenas de ação mau-construídas, junto com uma trama demasiado longa (o que não teria sido problema se o filme avançasse para algo mais amplo; acabou por ficar perdido em poucos cenários, poucos conflitos emocionais e sequências de luta muito fracas) prejudicaram bastante a trama. Contudo, o nível de reflexão que ela proporciona é extremamente rico, como veremos. 


2- A decadência dos EUA e a esperança no Morcego

Poucos devem lembrar, mas o Batman dos quadrinhos é um filho da crise. Não exatamente da atual, mas de uma já passada, a famigerada "Grande Depressão'' que se seguiu à crise de 1929; até os anos 30, não existiam super-heróis como conhecemos, sendo que todos que hoje enquadramos no gênero (com algumas exceções) surgiram em tal década. Foi o caso de Batman, criado por Bob Kayne para rivalizar com o primeiro dos super-heróis, o Fantasma. A ideia básica de Kane era criar um personagem que detivesse todas as virtudes apreciadas pelo povo norteamericano, para inspirar as futuras gerações a reconstruir o país. Veremos mais adiante sobre a ideologia que rodeia e preenche o detetive-morcego.

Nos dois longas anteriores, uma cidade obscura e decadente, marcada por terríveis contrastes sociais, cujos pólos são uma aristocracia enriquecida e frívola e a população marginalizada, em uma relação mediada pelo corrupto aparelho policial e estatal, e ainda um quarto agente, o poderoso crime organizado. Um dos produtos dessa tensão social é o órfão Bruce Wayne, um bilionário que buscou, durante toda a vida, um sentido para sua vida, pelos quatro cantos do mundo. Após anos de treino, Wayne retorna a Gotham city, após destruir uma sociedade secreta de cunho ocultista, para tentar reerguer a cidade através do combate ao crime organizado. Sozinho, ou melhor, com a ajuda de uns poucos, Wayne se torna um vigilante mascarado e declara guerra ao crime organizado, lutando, ao mesmo tempo, contra a ineficiência do sistema estatal. 

A Gotham City retratada é uma bela síntese do resultado da decadência do sistema capitalista americano dos anos dourados (1950-1980), que produziu contradições tão insustentáveis que somente um homem acima do bem e do mal (e da Lei, é claro), poderia lidar com a situação. Batman dá esperança aos habitantes da cidade durante as noites n luta contra o crime e, ao mesmo tempo, como Bruce Wayne, durante o dia, ridiculariza a hipocrisia social dos bilionários da cidade, que se divertem com frivolidades e ostentam uma falsa consciência social manifesta em seus inúmeros bailes de caridade. No fim, Batman, nos três filmes, salva a cidade do colapso causado por tais contrastes, sem nunca eliminá-los

O novo Batman de Christopher Nolan também é um filho da crise, de uma certa maneira, que marca nossos dias. A crítica social exposta dos últimos filmes chega aqui ao seu auge, como veremos. Basta dizer aqui que os EUA de hoje, como nos anos 30, chegaram ao auge da decadência de um sistema econômico-financeiro neoliberal que, durante mais de duas décadas, aparentou funcionar muito bem: hoje, contudo, metade da população do país detêm menos de 1% da riqueza nacional, enquanto menos de 1% dos ricos possuem quase 35% do PIB. Uma enorme desigualdade social, que vem sendo criticada pela inércia e ingerência do governo (Obama) em proporcionar a recuperação do país, ensejou uma onda de protestos contra o capitalismo jamais vista desde os anos 60, capitaneada pelo Movimento Ocuppy Wall Street. E, aqui, o novo filme do morcego faz referência direta à realidade social que o gerou, com a contestação, pelo vilão Bane, ao corrupto sistema capitalista.

Essa contestação pós a descoberto as contradições da sociedade, representadas pelos criminosos enjaulados na penitenciária de Blackgate, que, uma vez soltos, subvertem a ordem e, em tribunais insanos (comandados pelo Espantalho, vilão dos últimos filmes) condenam os destacados membros da alta sociedade Gotham e todos os opositores à morte ou exílio. Milhares de roubos, estupros e assassinatos ocorrem.


A melhor pergunta que o filme nos traz é a seguinte: nos esforçamos para eliminar todos os que se revoltem contra a ordem, principalmente criminosos, usando apenas a força bruta para isso, encerrando-os em jaulas, enquadrando-os em leis duríssimas (Tolerância Zero e Direito Penal máximo). Poderia dar certo por curto prazo, mas e se as portas da cadeia que mantêm esses inimigos presos (o Estado) caísse? Trata-se do Estado enquanto pura repressão, representada por seus órgãos coercitivos. Mais uma vez, o herói mascarado é o líder e símbolo do reerguimento do sistema punitivo e liberal, onde, numa batalha mortal pela cidade, os policiais vencem os milhares de criminosos armados até os dentes por Bane; e se trata do explícito discurso liberal, onde o Estado apenas tem uma função repressiva, não social. Aqui, que fique patente: a solução sugerida pelo filme para a crise econômica que ameaça mudar a sociedade americana é a simples reformulação do sistema. A possibilidade de queda do Estado-repressor e instalação da anarquia (ou "poder popular''), mesmo que por nobres ideais, acabaria em morte e caos; a mudança embasada em ideais democráticos e distributivistas é perigosa. Trata-se ma crítica direta aos que pregam a mudança brusca da sociedade americana, organizados pelo movimento Ocupe Wall Street.  Uma crítica bem fundada. As ideias do movimento são nobres, mas eles não possuem nenhuma articulação ou projetos para o futuro; atingindo seu objetivo, ou seja, destruindo a sociedade neoliberal financeirizada, não teriam nada a propor à sociedade.

Uma cena magistral exemplifica muito bem esse clima de tensão nos EUA. Enquanto a superfície da cidade e do país brilham de aparente paz e prosperidade, os alicerces são destruídos por uma confusa força oculta; em um estádio de futebol americano lotado, uma criança canta o hino nacional de forma emocionante, personificando a ordem estabelecida. Quando termina, o estádio desaba e Bane surge, com sua pregação revolucionária. A ideia é básica: a sociedade americana é destruída, em seus alicerces (a economia), quando ressurgia da decadência de outrora (a crise atual), por um bando de loucos que, desejando piamente destruir o símbolo da ganância (como alegaram ter feito com Roma e Constantinopla) e decadência da América, se escudam em um discurso socialista e revolucionário, quando seu objetivo é puramente destruir o sistema (representado pela destruição do Estado e o corte das relações globalizadas do Mercado, materializado pelo "cerco'' que impõem à Gotham), mesmo que, para isso, tenham que destruir as pessoas que dele dependem. 

O filme prega um meio-termo. Enquanto endeusa o Estado-repressor e demoniza os revolucionários, identificando a mudança social por um ângulo negativo (os criminosos soltos roubam dinheiro, joias e carros, numa caricatura do processo de distribuição de renda; distribuir riqueza para o povo miserável é roubo!), defende a responsabilização dos ricos no destino do país (através da boa ação filantrópica, também alvo da crítica do vilão Bane e da Mulher-gato ao próprio sistema capitalista). (Ao lado, Batman comanda a polícia contra os "revolucionários'', liderados por Bane, que ocupam a prefeitura, numa apologia direta aos valores que o herói personifica, que guiam a resistência dos EUA contra os desejos de mudança de parte de sua população)

Assim, o filme traz a mensagem de que a crítica ao sistema pode muito bem deixá-lo pior, com um custo altíssimo para restaurá-lo e, a partir daí, operar mudanças gradativas, e não radicais, na sociedade. Ou seja, qualquer alternativa que não inclua a preservação do capitalismo levaria inevitavelmente à desordem, caos e mortes. E que fique a dica: o objetivo real dos vilões do filme era destruir o capitalismo implodindo seu símbolo áureo, Gotham City, não devolvendo o poder ao povo, mas eliminando o câncer chagoso em que se convertera o sistema. Ou seja, se eram realmente anti-capitalistas, mais ainda eram anarquistas. E o Batman é o único que pode vencê-los. 

3- Conclusão: a ideologia liberal e Batman como salvador do Capitalismo

Como dissemos, Bob Kane criou Batman com o fim de torná-lo um rival para o Fantasma, mas mais por motivos ideológicos do que editoriais. O Fantasma era o protetor de uma região oriental-africana fictícia, onde o Estado era débil e inúmeros exploradores tiravam proveito da fragilidade das tribos indígenas e das riquezas da região (uma crítica explícita ao imperialismo), e herdeiro de uma dinastia de combatentes. Seus maiores inimigos eram os piratas (europeus...), a quem sempre vencia com a ajuda dos povos da selva (os explorados). Ele era o grande campeão dos fracos e oprimidos, uma figura lendária e aparentemente imortal (pelo fato do pai suceder o filho).

Batman foi apresentado como um homem rico que, ao fazer justiça com as próprias mãos, buscando muito mais objetivos próprios (a vingança contra a classe criminosa que matara seus pais), acabava por assegurar ao próprio sistema capitalista sobrevivência diante dos grandes chefes do crime organizado. Sem nenhum superpoder, além de sua inteligência e fortuna, Batman conseguiu derrotar as maiores ameaças à civilizada sociedade de Gotham City

Ou seja, temos um homem (individualismo), que busca o bem próprio (egoísmo), e, com isso, acaba beneficiando a própria sociedade, sem a ajuda do Estado ou mesmo contra este e sua corrupção (uma apologia direta ao Estado-mínimo e ao liberalismo extremado). O homem por trás da máscara, porém, é um sujeito solitário e bilionário, que usa sua fortuna em grandes pesquisas técnicas (progresso e benefício individual acabam por fazer avançar a própria sociedade) e obras de caridade (a filantropia é clássica dentre os ricos americanos), movido por opções éticas auto-impostas (autonomia da vontade), não por uma determinação estatal ou legal. O Batman clássico é o mais autêntico herói americano que personifica os valores individualistas, liberais e morais que tornaram os EUA uma grande nação.

Seguindo o modelo do Batman clássico dos quadrinhos, Nolan apresenta, no decorrer da série, um homem que busca combater mais os efeitos da crise do sistema do que o próprio sistema. Com a ajuda de poucos aliados, procura deter a criminalidade sem eliminar sua causa evidente, a grassante desigualdade social tão bem contextualizada no filme. Contudo, contra o herói dos quadrinhos, o Batman não é um defensor da ordem estabelecida; ele próprio admite que sua ação é apenas uma paliativo ou mesmo um símbolo (“A ideia era ser um símbolo. O Batman poderia ser qualquer um”, diz Wayne, em determinada passagem do filme) pelo qual a cidade se recuperaria pelas suas próprias instituições civis e pela própria vontade popular, muito bem materializada no segundo filme da trilogia (o melhor, diga-se) na figura de Harvey Dent (o promotor que se tornaria o Duas-Caras). É precisamente a ligação dos problemas de Gotham à desigualdade social que está a diferença ante os Batmans clássicos para o de Nolan.

Batman abre passagem para uma nova era em Gotham, onde o crime- materializado pelas quadrilhas de tráfico de drogas-, visto como câncer causado pelo desemprego e desigualdade, é na também o motivo perpetuador (em um círculo vicioso,onde o efeito aumenta a causa, a desigualdade) para essas últimas, já que corrompe o Estado, afasta investimentos geradores de empregos e cria a atmosfera de terror social que favorece a desunião e individualismo (o "salve-se quem puder''); com a queda do crime organizado, em uma guerra onde Batman é o melhor soldado (e "um exército de um homem só'') e o comissário Jim Gordon é o general, os investimentos retornam a cidade, o Estado pode retomar suas funções básicas e as pessoas finalmente obtêm paz e ordem social asseguradas para crescer economicamente e diminuir o fosso social, já que o círculo vicioso é quebrado (o crime não alimenta mais sua causa, a desigualdade, monopolizando o Estado ou afastando investimentos honestos). Tanto é verdade que, aos poucos, a suja e sombria cidade de Gotham dos primeiros filmes de moderniza, areja-se (perde seu ar sombrio), limpa-se estaeticamente e se torna uma manifestação visual da ressurreição da prosperidade. Assim, contra o individualismo, o Batman nolaniano prega mais cooperação social, mais coletivismo.  A repressão derrotou o crime, a trava que emperrava o funcionamento da sociedade; a roda do capitalismo liberal voltou a girar. Desnecessário dizer que os alguns grandes inimigos de Batman não são terroristas megalomaníacos nem criminosos de rua, mas mega-empresários ambiciosos e sedentos pelo lucro, verdadeiros super-vilões (mas que são minoria, diga-se...).

O segundo filme, "O cavaleiro das trevas'', é a ponte entre a Gotham arrasada do primeiro longa e a aparentemente recuperada do terceiro. Nele, a derrota dos principais criminosos, favorecida por uma união entre o Morcego, Jim Gordon e o promotor Harvey Dent, abre um vácuo para que um perigo muito maior ganhasse força. O Coringa (Heath Leager) personifica uma contestação a Gotham, em aparentes acessos de loucura deliciosamente lúcidos; junto com o Ras Al Ghul do primeiro filme, é apresentado como um "terrorista'', que mergulha a cidade no caos e leva os aparentes heróis ao cúmulo do desgaste, fazendo-os revelarem partes sombrias de suas personalidades. O grandioso conflito entre bem e mal, dentro de cada homem, é a brilhante marca do segundo filme, onde o crime organizado é definitivamente derrotado a um altíssimo custo para Batman e seus aliados.

O que brilha no novo filme, um pouco menos que nos dois últimos, é a reflexão sobre uma forma alternativa de resolver os graves problemas do capitalismo. Aqui, Bruce Wayne é apenas um homem com grandes limitações que dá início a um processo em cadeia que muda a sociedade. Ele é a corporificação de uma proposta política de reforma do capitalismo, mas pela derrota das forças de contestação ao sistema (ou de seus resquícios), e da restauração do Estado-repressor. A desigualdade social, a causa da decadência de Gotham (dos EUA) permanece intocada, beneficia pelas obras filantrópicas de altruístas como Bruce Wayne, como fica patente no filme. Quando Batman se retira da cena, no fim do filme, é legitimamente homenageado como herói; mas qual o horizonte de possibilidades para Gotham (EUA)? 

Só há uma resposta. A simples restauração dos valores americanos, que superarão a maior crítica a si mesmos em nome da ordem e da possibilidade de um futuro. Como a crítica ao sistema parte de seus findamentos (economia) ela procura implodi-lo dali (como as revoluções, partir da economia ou infraestrutura para a superestrutura, a política), mas a resistência brava da polícia (Estado), cujo símbolo é o homem-morcego (mediante sacrifício de ambos) garante a subsistência do sistema.

E quem é Batman?

Batman é a corporificação de um espírito altruísta do capitalismo. É forte, as vezes desacredita de si, solitário, emotivo, um bilionário que usa sua fortuna para o "bem''. Dispõe dos melhores meios técnicos para vencer a contestação ao sistema, ostenta valores nobres, é a própria personificação da ordem: os grandes empresários podem salvar a sociedade, mesmo que inicialmente a margem do Estado, embora, no fim, trabalhem juntos. É, ainda mais, o salvador que todos gostariam de ter, mas apenas um homem como outro qualquer, um homem que poderia ser qualquer um. Eu ou você... Nolan convida seus telespectadores a despertar seu "Batman interior'', tomar as rédeas da situação de lutar pela preservação da sociedade e da dignidade dos valores americanos. Veja a sugestiva e já citada frase de Wayne, no filme: "a ideia era de que o Batman fosse um símbolo... qualquer um pode(ria) ser o Batman...''.

O que é um avanço, já que qualquer um pode ser o Batman, o elo simbólico (sempre simbólico) que dá início à reação em cadeia que enseja o renascimento do sistema. Aquele que luta contra os pretensos revolucionários lunáticos que querem apenas destruir a sociedade tão duramente construída. É um relativo passo que o liberalismo do filme dá rumo à democracia. Mais que isso, une democracia e liberalismo, já que o Batman não é um homem que busca exatamente o bem da sociedade, mas um sentido para sua vida e uma forma de vingança pelo que sofreu.

Assim, diante da crise do capitalismo e da explosão das contradições sociais nos EUA, a mensagem do Novo filme de Nolan sobre o Morcego é clara... resistência, fé, nos valores liberais, confiança na justiça que não tarda, na restauração do Estado-repressor (que não puniu os criminosos de Wall Street). E, então, qualquer um pode ser um super-heroi, mesmo cheio de dores, medos e dúvidas, como Bruce Wayne. E, mais que tudo, cujo único poder é a capacidade de ser um símbolo para os seus pares. Os EUA (Gotham), assim, podem renascer da imensa crise onde se encontram. (Nos quadrinhos, na saga "Queda do Morcego'', Bane derrota Batman e, numa imagem magistral, o deixa aleijado; quebram-se as pernas que sustentavam o símbolo dos valores americanos. Será que os Banes que ocupam Wall Street vão conseguir vencer o Batman capitalista?)

Batman- O cavaleiro das trevas ressurge é a esperança, em forma de filme, de vitória do capitalismo e soerguimento de uma grande nação, que vencerá seus males e voltará a ser a grande potência condutora do progresso humano. Vamos aguardar para ver, então, se nossos Batmans vão salvar o país do Tio Sam da grande explosão revolucionária ou se sucumbirão, com suas Gothans, no fogo da renovação.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Um pouco sobre relacionamento: afetividade, sexualidade e a ditadura dos estereótipos


Hoje vamos conversar sobre um assunto diferente. Política, economia, filosofia e demais figuram pálidas diante dos temas que realmente reinam nos corações e mentes dos mancebos e senhoritas de todo o mundo: relacionamento afetivo-sexual, comportamento, afetividade. Mais precisamente, vamos investigar a dinâmica das relações contemporâneas que envolvem sexualidade, amizade e o "jeito-de-ser'' que caracteriza, principalmente, nossa juventude, de forma bem sucinta.

E como falar de relacionamento sem falar de pessoas? Mas não são pessoas que, como eu e você, vivem neste mundo e nele agem, que podem ser vistas e tocadas; são conceitos. Podemos dividi-las entre homens e mulheres, mas, aqui, denominarei, usando tipos ideais, de "Hércules'' (machão) e "Afrodite'' (gostosona). Mas que homens e mulheres são esses? Seria injusto dividir cada pessoa da Terra nesses dois conceitos; teríamos de usar milhares. Mas eles são justamente os que predominam, em todos os sentidos. Em cada filme, música ou livro que você tem acesso, lá estão eles, encobertos, em todos os lugares, sussurrando, como se fossem entidades tão naturais quanto a lei da gravidade ou a luz do sol.

Hércules, ou machão, é o homem clássicoForte, ousado, tem como principal característica o fato a sexualidade extremada e externalizada por inúmeras conquistas amorosas, é fanático por esportes (principalmente, futebol), jogos violentos, filmes violentos e músicas agitadas, além de farras regadas a alcool e erotismo. Despreza o que considera como sentimentos femininos (amor, demonstrações de afeto etc), e a maior parte das espécies de emotividade; é um herói, em sua própria visão, buscando aventuras, sexo e status, como o semideus mitológico que lhe emprestou o nome, sempre em busca de um corpo musculoso, ao qual cultua (o que contrasta com sua "masculinidade''...). Os valores morais e a importância do bem comum são entediantes para ele: ele tem de demonstrar que "é homem'' em todas suas ações.


Afrodite, ou gostosona, é o novo tipo de mulher. Independente (segundo ela mesma), sente-se autorizada a fazer o quiser com seu corpo, ao qual cultiva com afinco em academias, exercícios e dietas sem fim. Vê todos os homens como canalhas e, por isso, não sente-se obrigada a ser honesta com eles. Seu principal atributo é seu corpo, que se torna moeda pela qual exerce algum poder sobre os homens. Se se considera independente, por outro lado, vive inebriada em contos de fadas em busca de príncipes encantadas, quase sempre proprietários de carros do ano e gordas contas bancárias; vive entre os paradoxos "mulher fatal'' e "princesinha mimosa'', sem se decidir por nenhum. Adora o excesso de emotividade, mas, principalmente, tem aficção por sua aparência externa, por meio da qual vive em busca de sapatos, roupas e maquiagens sempre novos. Vive competindo com as outras mulheres, e apaixona-se com uma frequência quase diária, seja por homens comuns ou por "ídolos'' da música e do esporte. Bem ao estilo da deslumbrante deusa que lhe inspirou, geniosa, caprichosa, superficial e promíscua, além de invejosa e absolutamente "interesseira''.

Sim, Hércules e Afrodite (ao lado, escultura grega retratando a deusa) não existem, pelo menos não materialmente. São estereótipos, pelos quais podemos classificar pelo menos a maioria dos jovens que conhecemos ou não. O fato é esses modelos de conduta são apresentados como modelos a serem seguidos pela mídia e, de forma quase inconsciente, como se fosse a coisa mais natural do mundo, estamos impondo, uns aos outros, esses "jeitos-de-ser'' como critérios de aceitabilidade das pessoas na sociedade- diga-se, em nosso círculo de amizades. É neles, precisamente, que usamos as máscaras de Hércules e Afrodite para nos promover e viver vidas que não são as nossas, e nem deveriam. 

Não se sabe quem impôs esses estereótipos, se o sistema capitalista ou se nós mesmos o fizemos; o que temos certeza é de que eles se reproduzem a partir de nossa adesão a eles, e do fato de os usarmos como critérios de para nos ligarmos ou não as outras pessoas. Em suma, somos as antenas que introjetam naqueles que estão ao redor o desejo de serem, também eles, Hércules ou Afrodite. Estes, muito embora tentemos, são meros modelos inalcançáveis, ao qual sempre buscaremos, sem sucesso... e gastando muito com isso, diga-se. E o grande símbolo desses estereótipos é o ficar: o uso do outro como um objeto de prazer, por tempo curtíssimo, afim de "testar'' a pessoa e "classificá-la'' para ser usada ainda mais em uma etapa posterior, chamada "namoro''. O pior é que outro tipo de aberração começa a tomar força, como amizades coloridas, a moda dos "heteroflex'' e outras coisas as quais o pudor me impede de citar.

O grande problema de tudo isso é que acabamos perdendo nosso maior diferencial- a individualidade- ao tentar encarnar os estereótipos. Invariavelmente, eles nos tornam superficiais, escravos de pequenos desejos e manias das quais sequer gostamos realmente. A mulher é fútil, segundo os homens, mas eles são ainda mais por imporem isso à maioria das mulheres; ou seja, a futilidade feminina decorre da futilidade e superficialismo masculinos, que impõe, ideologicamente, certas ações estereotipadas as mulheres. E, claro, vice-versa, embora os machões ainda dominem a sociedade, de uma certa forma.

Agora pensem bem... quantos que Hércules (ao lado, Hércules matando a Hidra) e Afrodites você não conhece? Quantas vezes você não quis ser um? E, a pergunta mais valiosa... será que isso permitiu a você firmar bons relacionamentos?

Chegamos ao ponto. Relacionamentos entre Hércules e Afrodites dariam, em tese, muito certo. Todavia, são relações altamente transitórias, instáveis, marcadas pelo superficialismo das mulheres e pela brutalidade masculina, onde ainda há o agravante da sexualização extremada, onde o número de mulheres "jantadas'' e o número de homens "pegos'' fazem parte de um jogo obsceno que deveria divertir seus participantes; isso, materializado do "ficar'', ou "usar''. Tudo se resume a verdadeiros torneios, disputados desde as baladas até o dia-a-dia, onde o "jogo da conquista'' é caracterizado pelo maior prazer possível, com a vaga esperança de, ao fim de alguns anos, encontrar-se, para as mulheres, o príncipe motorizado e, aos homens, a mulher mais fútil, artificial e "gostosa'' o possível, um verdadeiro troféu pelo qual ambos ostentam status na sociedade da desigualdade. Desnecessário dizer que, por ostentarem modelos de conduta impostos, a grande maioria das pessoas tem medo de abrir seus sentimentos aos "amigos'', e vice-versa, o que resulta num processo de solidão difícil de se superar. Não sabem quem são as pessoas com quem passam a maior parte do tempo.

E, muito longe de serem o que aparentam, nossos pequenos machões e gostosonas são pessoas inseguras, incertas sobre si mesmas, relativamente incapazes de pensar em temas mais complexos (como política...) ou em outras formas de ser; não sabem quem são. Têm tendência fácil à depressão e ao desânimo, e muitas vezes, embora ostentem sorrisos triunfais, estão destruídos por dentro, lançando, inconscientemente, gritos de socorro para aqueles que estão ao seu redor, na forma de uma revoltas injustificadas, vícios (como o álcool e as drogas, ou extrema promiscuidade), brigas constantes com a família e amigos, desinteresse pela vida.

Assim, temos relacionamentos instáveis, superficiais, imaturos, marcados pela promiscuidade e cujo centro são as exigências da sociedade e não as pessoas do casal. São incapazes tais relações de serem duradoras, firmes, desmanchando-se ante a infidelidade ou "minguação'' do desejo meramente sexual que enlaça os sujeitos, frequentemente maquiado pelas falsas demonstrações de afeto, principalmente por parte das mulheres. A supervalorização das aparências, como antes, fazem os relacionamentos figurarem como cascas vazias, assim como machões e gostosonas o são, e desembocam na depressão, solidão e involução da afetividade humana, que fica presa à infância, numa eterna imaturidade. Pessoas e relacionamentos precários numa palavra.

Um homem não precisa ser um fanático por futebol para ser masculino tampouco, precisa aparenta frieza e desprezo ante as mulheres, usando-as como objetos, para ser aceito pelos amigos. Não precisa cultivar um corpo inchado de músculos, enquanto mantêm o cérebro vazio. Uma mulher não é só seios, nádegas e cinturas definidos, muito menos é bela por ser um saco de ossos; ainda menos uma mulher o é de verdade por ser uma dondoca emotiva, frívola, fanática por apetrechos, maquiagens e roupas que só são um disfarce para esconder a própria ruína interior. Homens e mulheres só precisam ser eles mesmos.

Feitas as críticas, vamos comentar um pouco sobre como um relacionamento (de verdade) deve ser. A primeira palavra de ordem é "maturidade''. Ninguém pode construir amizades ou namoros sem estar psicologicamente preparado para tal, o que, no último caso, dispensa relacionamentos precoces, muitas vezes imposto por "amigos'' ou por más-influências da mídia. Cada pessoa é como uma planta, que depende da maturidade para poder se desenvolver. Uma laranja verde não é muito saborosa, não? Uma criança de 13 anos (me perdoem o exagero) não tem base emocional para vivenciar um relação. Ponto. 

A segunda palavra de ordem é "paciência''. Você, caríssimo leitor, se é jovem, ainda está formando sua personalidade, pelo menos o núcleo-base. Como espera ter amores se sequer sabe quem é ou quem será? Espere desenvolver-se, leia, estude, forme sua personalidade, suas próprias opções éticas, esteja atento para o mundo e procure entender sua sociedade, o lugar onde você vive. Naturalmente, eu diria, pessoas semelhantes a você vão ser atraídas por você, pelo seu jeito-de-ser, sua personalidade, pensamentos e opções éticas, e algumas serão amigas e outras, algo mais. Como um imã, mas que só atrai o pólo semelhante, as pessoas ideais estarão ao seu redor, com o passar do tempo. Tem de ser apenas você mesmo, e esperar que possa sê-lo, o que só se dá com o tempo.

Liberte-se das aparências e busque sentir suas emoções em relação as pessoas. Veja o que há além dos rostos, sejam bonitos ou feios, e admire-os mais que as roupas, músculos ou formas das pessoas. É impressionante como as pessoas podem ser ricas, e essas riqueza mental é advinda somente da individualidade de cada um, nas pessoas insubstituíveis que estão além das cascas mortas dos estereótipos. Terceira palavra, então: substância.

Mas, cuidado, principalmente as moças, com o excesso de romantismo; isso aliena, não permite que você pense ou pondere os fatos. Trata-se de uma figuração que impede que se conheça a individualidade das pessoas. Então, cuidado com os besteiróis românticos que volta e meia ascendem na mídia. É a quarta palavra, "prudência''. (Ao lado, a involução as pessoas rumo à animalidade de Hércules e Afrodites).

Enfim, o ficar precisa ser abolido. Você não precisa usar o outro para ser feliz ou emular um modelo de conduta que lhe é imposto por uma sociedade decadente e hedonista. Ficar é uma atitude de imaturidade, de desregro e entrega aos próprios desejos, que apenas faz a juventude involuir; é a negação de nossas palavras de ordem.

Então sejamos pacientes, maduros, subsistentes e prudentes, quatro pequenas leis do relacionamento que humildemente proponho. Esqueçam esse objetivo insano de serem machões ou Afrodites. Só precisam serem vocês mesmos. Quebrem as correntes que os aprisionam, saiam as cavernas da superficialidade , divisem a luz que brilha nos seus próprios peitos, muito tempo oculta por essa carapaça que impuseram a você, e faça-a brilhar para que todos possam ver. Não tenha medo de ascender tochas e gritar pela condenação à pena de morte desses dois tiranos, Hércules e Afrodite; recupere a individualidade que tentam roubar-te todos os dias. E viva o amor.