terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

"ESTÁ ACONTECENDO'': PERNAMBUCO DE JOELHOS


Hoje, 21 de fevereiro de 2017, Pernambuco viveu o maior assalto de sua história. Depois de seguidas entrevistas da equipe de segurança, a população clamou, às dezenas de milhares, por uma palavra do governador. 

Olheiras enormes, evasivas e empurra-empurra quanto à "responsabilidade'' pelo estado de anarquia em Pernambuco. Foi assim a esperada entrevista do sr. Câmara, ansiosamente aguardada pela população não como um indicativo de esperança, mas sim como a sentença final e irrecorrível de condenação do Estado ao caos.

Aos que esperavam alguma assunção de culpa no ocorrido, o governador foi claro. A grande responsável por grupos paramilitares e mercenários percorrerem livremente o Estado com enormes quantidade de armamento, munição e veículos blindados - sob as barbas da polícia - é a empresa assaltada. É como dizer que a culpa do estupro foi da mulher e sua minissaia.

O resto da culpa ficou com o governo federal, responsável indireto pelas armas usadas pela bandidagem. Sabendo da situação das fronteiras nacionais - e também que não existe ação alguma do governo federal para resolver o problema - o ilustre Chefe do Estado assumiu que o nosso "desconforto'' com quadrilhas paramilitares não tem solução por não depender dele.

Quando os repórteres insistiram no impacto da ação criminosa de hoje, o governador, pela primeira vez, foi um pouco mais preciso em suas análises. "Está acontecendo'', disse. É um ótimo começo, não é? Mas o rei das escapadas não deixou barato: "eu já vi isso em outros Estados'', afirmou logo em seguida. Eu me pergunto: qual capital brasileira foi invadida, paralisada e subjugada nessa tal "onda'' a qual o governador se referiu?

Por fim, vieram as soluções. O que mais se ouviu foram verbos. Curiosamente nenhum deles estava no "passado''. Vamos investigar, estamos investigando, vamos prender, estamos prendendo. A ausência das formas "nós investigamos, nós prendemos'' permitem concluir uma coisa: o governador admitiu que, antes da capital ser atacada, suas forças não estavam "investigando'' ou "prendendo''. É, a ausência das palavras fala mais que as próprias palavras! Mas a novidade, de fato, ficou por conta do "vamos cobrar'' dirigido ao governo federal e à polícia federal - que serão acionados para investigar não a quadrilha de mercenários, mas a própria empresa assaltada.

Sabe, o governador estava no sudeste quando ocorreu a ação, mas a julgar pelas suas olheiras foi como se tivesse estado no meio do tiroteio. Visivelmente irritado, buscando com os olhos, nervosamente, algum ponto impreciso na plateia hostil como um pedido mudo de ajuda, demonstrou imensa ansiedade e insegurança enquanto tentava forçar uma cara de "mau''. Por alguns instantes, todos esses sentimentos desapareciam e o governador olhava para baixo, como se reconhecesse sua própria impotência. 

A postura dos braços entrelaçados, extremamente defensiva, combinou com o discurso decorado; a forma como ficou silencioso nos intervalos e no fim, aliado a tudo isso, só permite uma conclusão: o governador é um homem esgotado, reconhecido por si mesmo, pelos seus auxiliares e por toda a sociedade como completamente incapaz de lidar com a situação. E diante do supremo fracasso, toma a decisão fácil de culpar outrem.

O fracasso está em ser incapaz de articular, bancar e liderar uma ação integrada das polícias contra a bandidagem. Com coletes vencidos, munição racionada e armamento obsoleto, a polícia militar convencional é incapaz de enfrentar criminosos com treinamento militar evidentemente muito mais avançado. Os cortes orçamentários e sucateamento da polícia civil tornam a polícia científica de Pernambuco uma das mais atrasadas e carentes do país. Enquanto outros Estados - como Goiás e Maranhão - vem vencendo as quadrilhas com inteligência e tecnologia, Pernambuco viu e vê todos os dias bandos armados percorrerem de uma ponta a outra seu território sem serem sequer notados. O ponto cego é tão imenso que o próprio governador, em seu silêncio ensurdecedor, deixou claro que as polícias pouco avançaram nas investigações. 

Para 8 milhões de pernambucanos, restou colher a maior e talvez única verdade dita pelo governador. Um alerta de "salve-se quem puder''.

"Está acontecendo''.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Bregas e histórias do Recife

Há seis anos tive que me mudar para o Recife, vindo do interior. Até então, diante do turbilhão de "coisas'' novas, fui apresentado ao "brega''. 

O que seria "brega''? Mais que um "ritmo'', é uma manifestação cultural que vem evoluindo há décadas. Conheci mais de perto, por ironia, quando fui internado em um hospital para tratamento por alguns meses - atrás desse hospital havia uma comunidade onde os "sons'' eram ouvidos quase todos os dias.

O primeiro que ouvi foi esse "hit'' da Banda Nova Reação: 




Difícil explicar. Talvez a falta de "boas'' opções musicais tenha me feito sentir falta dessa música, quando tive alta e voltei para casa. Na verdade, procurei por muito tempo pela música na internet e fui apresentado ao mundo dos ritmos contagiantes, letras que evocavam tristes paixões passadas e danças "do joelho para cima''. 

E aí já era. O brega me pegou de jeito, entrou no sangue e na alma - e, sim, uma festa nunca é boa sem um bom brega. Eu era conhecido, especialmente, por ter um celular munido de uma playlist "impecável'' e tão apropriada para qualquer festa quanto um o zelador do seu prédio para qualquer conserto doméstico. 

Bem, depois de muitos sarra-sarras, calouradas e breguinhas de periferia, eu meio que já ouvia brega todos os dias. Geralmente era o meio se sentir na pele o que estava lá dentro, e quem já passou deve perceber que esses sentimentos se referem às paixões mal-resolvidas e bem resolvidas. E aí veio outro sucesso que me marcou:




A música fala em superar um velho amor com um novo. Quem nunca?

Mas, como tudo na vida, veio a renovação. Era a época dos mega-sucessos de bandas como Kitara, Musa do Calypso, Torpedo e, fechando a excelente geração, Banda Sedutora. A pegada dessas bandas foi bolar sequências épicas e arranjos que te contagiavam com o sentimento das músicas, muito voltado para as coisas do coração; um grande amigo disse que era a "guitarra libidinosa'' o diferencial. Sim, quando mais bêbado você tivesse, mais força a música tinha sobre você. 

E os dramas do coração continuam, principalmente quando a separação até ocorria, mas o amor nunca acabava:



O que seria do novo brega sem os famosos "MCs''? Sabe, a maioria deles é de garotos pobres, que explodiram com algum sucesso grudento e coreográfico. O mais famoso - e pioneiro - é o MC Sheldon, cuja vida atribulada inspira muitos garotos da periferia e embala os bailes de brega nos morros ainda hoje. Quem não lembra do verão de 2013, quando o rapaz dos Coelhos (bairro do Recife) estourou de vez celebrando "olha o verão hein?''?



Na esteira de Sheldon, vieram os MCs Boco (que fazia dupla com Sheldon), Metal e Cego e, mais recentemente, a estrela do momento, MC Troia, o popular "Troinha'', diretamente do Alto José do Pinho. 





O balanço do MC Troia vem conquistando o mundo (literalmente!). Pessoalmente, eu penso que houve meio que uma trajetória de decadência do brega, onde aquelas músicas mais profundas e sentimentais foram substituídas, paulatinamente, por produções mais voltadas às coreografias e alusões sexuais - e um pouco "grosseiras''. Essa tendência sexualizante, justiça seja feita no entanto, já é antiga, como a famosa música "Milkshake'' - polêmica na época em que foi lançada - estourou lá nos anos 2000:





É, você pode ser promíscuo sem apelar à safadeza rasteira (mas quem disse que isso é sempre bom?). Quando se joga essa música no finalzinho de uma festa, esteja pronto para ter ótimas lembranças. Aliás, falando em lembranças, como falar em brega sem falar "nele''? Temos um astro ao redor do qual todos os sucessos do brega orbitam, o pioneiro que inaugurou letras, ritmos, danças e buscou inspiração na música do Caribe e a fundiu com as tradições daqui. Claro, foi Kelvis Duran!



Impossível achar quem tenha mais de 25 anos e não tenha pelo menos uma história com essa música. Só a abertura já dá vontade de dançar, os primeiros 50 segundos já fazem subir aquela vontade de tomar uma cachacinha e o final... bem, só escutando! 

Pra fechar qualquer festa, havia a música perfeita, por que a maioria delas acabava lá pelas cinco da manhã e voar em pensamento nessa época era mais comum do que hoje! 




Ah, e para fechar, é verdade que Kelvis Duran foi o precursor de como o brega é hoje, mas se houve um "precursor do precursor'' foi Reginaldo Rossi. Sim, o cara arrebentava, bicho. Cantou o Recife como ninguém, mas sua limitação mais óbvia era que suas músicas praticamente se reduziam aos aspectos ruins das relações amorosas rompidas... 



É, as vezes em que eu cantei "Em plena lua de mel'' ou "leviana'' imaginando a cara da figura objeto do recalque, dor de cotovelo ou simples saudades mal-resolvidas não estão no gibi. E metade do Recife também! 

Quando olho para trás e percebo o quanto eu vivi em músicas de brega, penso o quanto valeu a pena. O brega é a expressão cultural de um povo sofrido, mas que sabe se divertir, e cujas vivências e desilusões estão nos acordes. A vida é curta e temos que curtir no embalo de um brega enquanto temos tempo, sejam as alegrias ou as tristezas, por que logo será novamente a hora de levantar cedo para garantir o pão de cada dia. 

E ajuda muito quando o motorista do ônibus deixa tocar aquele breguinha, não é? 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O país onde os vilões têm finais felizes



O mestre Maquiavel ensinou que o bom político é o que usa tudo em seu favor, até o que em princípio pode o destruir. Ontem, a grande manobra política urdida pela quadrilha suprapartidária que governa o país vem chegando ao seu clímax. 

1 - Um temor: e se eles se voltassem contra nós?

Depois de tremer de medo com as manifestações de 2013, a gangue política do PMDB interpretou bem os movimentos: eram de contestação geral ao estado de coisas, mas toda aquela raiva e indignação difusas precisavam de um destinatário claro e estava óbvio que eles pagariam o pato. Afinal, a menor reflexão indicaria que os responsáveis diretos pela bandalheira, caos nos serviços públicos e politicagem provinciana eram os próceres do PMDB e partidos nanicos de aluguel.  

2 - Camuflar para sobreviver: como apoiar os dois lados em uma eleição bipolarizada

Foi aí puseram em prática o plano: se dividiram em dois (PMDB do Rio, RS, SP, PE, MA e outros Estados com Aécio, PMDB de MG e afins com Dilma) e apoiaram os dois lados na eleição de 2014, sabendo que um dos dois acabaria se tornando o alvo retardado das manifestações de 2013. Acabaram camuflando-se, como parasitas, para saírem vencedores seja qual fosse o eleito. 

3 - Analisando o cenário: quanto pior, melhor

Perceberam que o país saiu rachado, que a crise ia pegar geral e as fatias do bolo das verbas públicas iria diminuir; por isso patrocinaram Eduardo Cunha para formar o centrão, chantagear Dilma e "arrancar mais'' desse bolo.

Vieram as pautas bomba e o país explodiu. Fizeram jogo duplo, ora soltando Cunha da coleira, ora salvando Dilma, mas perceberam que ela e o PT é que condensaram toda a indignação popular. E, nas sombras, estimularam esse sentimento, enquanto mantinham um governo impopular só até o ponto em que lhes foi conveniente. Todo este tempo, se camuflaram apoiando os dois lados em uma batalha cujo único vencedor possível eram eles próprios.

Viram que a crise chegara em níveis ameaçadores para a banqueirada e os parasitas do Estado (vulgo "empresários'' da carteira do BNDES), trouxeram os movimentos anticorrupção para debaixo do braco, derrubaram o castelo de areia de Dilma e dividiram meio a meio o governo com o partido derrotado nas eleições. Adquiriram automaticamente o apoio velado dos eleitores desse partido (quase metade do país). Era a "lua de mel'' do novo governo.

4 - Puxando o tapete: é hora de sair dos bastidores

Prometeram estabilizar o país, se aproveitaram do cansaço popular e elegeram alguns azarados para serem sacrificados (Cunha, Cabral etc.). Se aproveitaram do silêncio da opinião pública e da lentidão da justiça para aprovar algumas reformas e dividiram o bolo que elegeram os presidentes da Câmara e do Senado. Foram os maiores vitoriosos nas eleições municipais, que confirmou sua aposta de que o PT levaria a culpa de tudo no final.

Pela primeira vez desde a saída de José Sarney do poder, o PMDB voltou a exercer diretamente o poder, mostrando sua cara ao mundo e lançando um mudo desafio: somos bandidos sim, somos safados sim e vamos governar sim. E o mundo calou-se.

5 - "A Fortuna ama os ousados''

Misteriosamente, a sorte os favoreceu, o relator da lava jato morreu "acidentalmente'' e agora indicaram o ministro mais forte do governo para sucedê-lo no STF e revisar a própria lava-jato. Isso depois de criar um ministério para proteger um delatado e investigado com as graças do foro privilegiado.

6 - Desvendando as mentes criminosas

Quer saber? O PMDB e sua gangue mafiosa tiveram uma leitura brilhante do cenário político pós-2013. Perceberam que o país iria se dividir em dois, estiveram dos dois lados, se uniram ao que ficou mais forte, souberam a hora de agir e esquematizaram um plano para "sobreviver'' à lava jato. Quase um "pacto''. Agora, surfam no desgaste da crise, na morosidade judicial e no lobby junto ao STF e TSE para governar até 2018 e, logo após, permanecer no governo quando algum tucano for eleito presidente. Vão ficar exatamente onde estão. Talvez por uma década, duas, talvez até o fim da triste história brasileira.

7 - Tudo sob controle: tudo passa, menos eles

Criaram e difundiram o mito mais poderoso de ser derrubado no momento: o de que PT, PSDB e outros "idealistas'' passam, mas eles é que são indispensáveis ao país. Ah, sem eles o Brasil é "ingovernável''. Se infiltraram em tantos lugares e esferas que já são a alma do país. Construíram um império dentro da máquina pública. Como Renan Calheiros, são os sobreviventes, e sobrevive quem mantém o poder na mão, seja qual for a cara que esteja na moeda da vez.

Agora, com o personagem de histórias em quadrinhos no STF, o caminho está aberto para a vitória total. O povo vai pagar a conta calado, os "indignados'' vão ficar quietos com o "lulopetismo'' agonizante para combater, o tucanato moralista ficou atrelado demais ao governo para derrubá-lo e a "esquerda'' vai continuar alienada em suas universidades, debates entre 4 paredes e militância virtual. Exatamente como os gênios do mal pensaram.

É. Na nossa história parece que os vilões sempre ganham.