Dando sequência à série sobre o Regime Militar- a postagem mais vista da história do Blog, até o momento, vamos abordar o início da era dos militares. Prosseguiremos, contudo, a partir do método anteriormente trabalhado, pelo qual não nos prenderemos à datas ou personagens históricos, mas, sobretudo, analisaremos os aspectos filosóficos, sociológicos e econômicos da fase histórica imediatamente posterior ao Golpe de 1964.
1- O pano de fundo: política, economia e sociedade "desorganizadas''
Em 1964, as parcelas da população mais politizadas sabiam que alguma agressão às instituições estava em curso, desde o início do ano. O teatro superficial que se tornara o regime representativo não disfarçava o sectarismo político, pelo qual a direita e a esquerda se combatiam, ideologicamente, pelas mentes e corações dos brasileiros. Contudo, era esperado, como em 1961, alguma espécie de resistência contra a manobra golpista, o que se tornou uma esperança vã dada a ampla coalizão que apoiou o movimento militar, personalizada pelo clero da Igreja Católica, boa parte da imprensa oficial, classe média e pela diplomacia norte-americana. Esta última arquitetou o Golpe, financiou veículos de imprensa e políticos para tal e, por último, forneceu armas aos militares do General Olímpio Mourão, preparando a poderosa V Frota da Marinha Americana para, em caso de guerra civil, dar apoio marítimo aos revoltosos.

Claro que os apoiantes do novo governo militar tinham profundos interesses em, por um lado, manter-se no poder (PSD), frear as reformas sociais (Igreja, latifúndio e industriais) e, por sua vez, solucionar as contradições do modelo econômico desenvolvimentista de JK. Os militares, por outro lado, divergiam quanto à duração e intensidade de sua intervenção: uma ala, mais liberal, formada na ESG (o grupo Sourbone), propunha o retorno dos civis ao poder, após uma pequena "faxina'' econômica, política e social; todavia, os militares mais reacionários acreditaram que a contribuição dos militares deveria ser muito mais prolongada e que os civis não deveriam tomar o poder nem tão cedo. Mais que isso, a ESG, de matriz norte-americana, acreditava na hegemonia do modelo liberal (onde o mercado brasileiro deveria ser aberto ao capital internacional, mas, internamente, o Estado também se retirasse de todas as áreas não-essenciais em que atuava, como na indústria), enquanto a ala dita linha-dura acreditava na profunda intervenção do Estado, sob o comando dos militares, na economia e na sociedade, objetivando a eliminação dos "corpos-ruins'' que comprometiam o corpo social. Diga-se, toda a oposição ao novo regime.

Na economia, uma inflação de demanda incontrolável corroía os lucros e salários, reduzindo o crescimento econômico para níveis pífios. O Brasil era evitado por investidores internacionais pelo alto custo da mão-de-obra, inflação e constantes ameaças de nacionalização. Por fim, problemas estruturais, como deficiência de transportes, métodos caros de geração de energia, endividamento do Estado e burocracia ruidosa, complexa e corrompida. No campo, os trabalhadores rurais continuavam revoltados contra os proprietários, buscando a bandeira da reforma agrária. Era preciso reorganizar a economia, eliminar as disputas políticas e propiciar o crescimento econômico e geopolítico do país.
2- As reformas políticas e jurídicas: a hipertrofia do Executivo

O AI 1 foi imposto pela junta militar e foi tal instrumento que impôs a eleição indireta de Castelo Branco. Também dava ao Executivo poderes extralegais para cassar parlamentares, suspender direitos políticos, fechar organizações de qualquer nível e demitir, sem qualquer justificativa, funcionários públicos. Os alvos eram os parlamentares do PTB, os políticos nacionalistas e entidades como a UNE, além dos funcionários públicos ligados ao PSD, ditos "tecnocratas''. Apesar de tais poderes terem vigência de apenas 60 dias, mais de 400 pessoas foram afetadas, dentre elas, JK.
Ligado ao grupo Sourbone da linha branda, Castelo tinha a intenção de devolver o poder aos civis. Contudo, a oposição aos militares aglutinou-se na chamada Frente Ampla, que reunia estudantes, políticos e empresários médios, que tinha o objetivo claro de despojar o novo regime de suas bases civis de apoio. O sucesso da Frente deu-se, em 1965, com a vitória desta em 11 estados, cujos governos passaram para o seu domínio. A resposta de Castelo, agora pressionado pela linha-dura, foi a edição do AI-2. O novo ato estabeleceu a eleição indireta do Presidente da República, em sessão aberta do Congresso Nacional (assim, os votos poderiam ser manipulados). O poder de cassar mandatos e suspender direitos políticos por 10 anos foi restaurado, mas as três grandes novidades foram a extinção dos partidos políticos e sua substituição por duas agremiações (a ARENA, governista, e o MDB, de oposição moderada); o plus do poder presidencial com a transferência do poder Legislativo para este, por meio da edição de decretos-leis e a capacidade do presidente de intervir, deliberadamente, em qualquer governo estadual.
O AI-3, de 1966, tornou as eleições para os governos estaduais indiretas; por outro lado, os governadores passaram a indicar também os prefeitos de cidades consideradas vitais à "segurança nacional''. Logo, como os governadores eram escolhidos pelas Assembleias legislativas, dominadas por arenistas fieis às ordens do governo militar, mesmo os prefeitos passaram a ser determinados pelos generais-presidentes. Era a aplicação da Doutrina de Segurança Nacional, que destruiu o pacto federativo.
Os atos institucionais prepararam o terreno para a imposição de uma nova Constituição, que clarificasse a hipertrofia do Executivo, revogasse as leis inconvenientes (como a da Remessa de Lucros) e impedisse, de vez, que os nacionalistas voltassem a atuar politicamente. Por fim, em 67, o texto constitucional foi enviado pelo Executivo a uma "junta'' de parlamentares escolhidos a dedo, que respaldaram seu apoio ao conteúdo disposto; o que se viu foi uma tentativa, um tanto hipócrita e mesmo ridícula, dos militares de esconder o início de um regime autoritário sob o manto da legalidade: eleições em municípios (exceto capitais e cidades vitais à segurança nacional) foram mantidas, o Congresso Nacional funcionaria durante todo o tempo (exceto nos primeiros meses de vigência do AI-5), os mandatos presidenciais foram fixados em 5 anos. Por ouro lado, o poder de cassar mandatos foi mantido como competência do presidente da República, centralizando nas mãos do governo federal toda a matéria orçamentária e financeira (ou seja, o Executivo determinaria os recursos orçamentários e despesas de todos os poderes e entes da federação, e o salário-mínimo, em todos os níveis), proibiu-se a greve em serviços essenciais e o processo legislativo foi invertido: a não-aprovação de projetos de lei do Executivo acarretava sua automática aprovação. Desnecessário dizer que o presidente da República continuou a ser eleito pelo Congresso arenista.
Por outro lado, elaborou-se um novo Código Eleitoral, que corporificou as regras autoritárias e um Código Tributário Nacional, que instituiu o Imposto de Renda, aumentando a carga tributária do país, como parte das medidas econômicas do Plano de Ação do governo para a economia. O Código de Mineração (expressão do sentimento nacionalista das Forças Armadas) também foi instituído, como a Lei de controle de capitais, poucas vezes aplicada.

3- O grande ajuste da economia: o combate à inflação e a preparação para o Milagre Econômico
Os principais problemas eram de ordem econômica. Foi com o objetivo primordial de garantir a velha ordem do latifúndio, no campo, e ampliar a hegemonia do capital industrial internacional ou nacional a ele associado que os militares assumiram o poder; a repressão e a hipertrofia do Executivo eram meios para tal, ou seja, apaziguar a sociedade e solver as contradições do país mediante a força bruta. Os ministros do novo regime para a área econômica, Campos e Bulhões, diagnosticaram três grandes causas daquela que era a principal queixa de empresários e banqueiros: a inflação.
O excesso de demanda, ocasionado pela distribuição de renda efetuada por Getúlio e JK; o alto-custo de mão-de-obra, traduzido no alto nível salarial e, por fim, o perigoso déficit do setor público, cujos gastos o tornavam principal consumidor do pais (e, por sua vez, jogavam cada vez mais recursos no mercado, aquecendo a economia e insuflando os preços; por outro lado, as compras do governo diminuem a oferta ao passo em que a demanda do setor privado continua igual, aumentado ainda mais os preços de recursos básicos, principalmente) eram os principais problemas. O "antídoto'' dos ministros foi traçado na medida dos interesses das grandes multinacionais e bancos estrangeiros ou nacionais.
Nada de incomum foi proposto pelo Plano de Ação Econômica dos ministros. O povo deve pagar a conta!
Os gastos públicos foram cortados, violentamente, com a demissão de 10 mil funcionários públicos. A carga tributária sobre o consumo foi aumentada, inviabilizando o consumo das massas, acrescida do aumento de juros (que reduziu o crédito) e, por fim, arrochou-se o salário-mínimo. O coquetel contra o excesso de demanda acabou por afetar diretamente os empresários nacionais, que se viram arruinados pelo aumento vertiginoso dos juros, queda do consumo e, consequentemente, dos lucros. Por outro lado, buscava-se reorganizar a economia nacional para permitir um mínimo de segurança aos investidores internacionais- diga-se, garantir altas margens de lucros para esses. Assim, arrochando os salários, derrubava-se o custo de produção no país, ao passo em que o corte de gastos e o aumento dos juros permitiriam a queda da inflação (o aumento de preços que poderia corroer os lucros obtidos no país, pelo pagamento aos fornecedores) e tornariam o país um pólo de atração de investimentos estrangeiros. (Ao lado, Castelo Branco e seus ministros, dentre eles Campos e Bulhões, em pronunciamento no Congresso Nacional).
A reorganização financeira foi o passo seguinte. Os ministros pensavam que devia-se controlar a oferta monetária e, indiretamente, as taxas de juros, e essa seria a única função do governo na área econômica (não foi essa a opinião dos militares... no governo FHC, essa visão seria retomada, onde o Estado se torna apenas um regulador da oferta monetária, pagando altos juros para manter a inflação no nível zero). Assim, criou-se um Banco Central, que substituiu o Banco do Brasil no controle da emissão de moeda (oferta monetária), e um Conselho Monetário Nacional. Novos títulos públicos foram emitidos para superar os déficits do governo; logo, entrelaçaram-se os juros básicos da economia, os títulos emitidos e a oferta de moeda pelo BC, como meios de controle da inflação (algo dolorosamente ainda presente; contudo, os títulos públicos foram atrelados à inflação, iniciando o processo de indexação da economia, o germe da hiperinflação posterior que marcou a queda do Regime). Por outro lado, criou-se o FGTS não só com o objetivo de permitir a instabilização do trabalhador no emprego (que poderia ser demitido a qualquer tempo sem acarretar ônus excessivo ao empregador), mas para extrair parte dos salários do mesmo, sendo esta gerida pelo governo e utilizada por ele para sustentar o Banco Nacional da Habitação, que passou a investir pesado na construção civil. O crescimento do setor- com a liberação dos preços dos alugueis, é claro- seria o fator causal que daria origem ao futuro milagre econômico: foi a demanda de produtos para a construção que serviu de gatilho para o crescimento econômico no restante da escala produtiva. O paraíso de consumo da classe média começou com a compra de apartamentos e casas, sucedida da compra de bens de duráveis de consumo, como eletrodomésticos e automóveis. Por outro lado, os novos títulos emitidos financiaram subsídios aos setores da exportação, indexados, todavia, aos indicadores da inflação- o que indexou a economia, algo que, futuramente, teria consequências devastadoras...
A financeirização da economia começa aí. Retiraram-se investimentos sociais, cortaram-se salários, enxugou-se a máquina pública e a inflação foi contornada pelo aumento dos juros e a restrição da oferta monetária: sindicatos sobre controle, mão-de-obra barata e garantia certa de remessa de lucros ao exterior. Seria a preparação para a grande parceria entre o governo e o capital internacional para transformar o Brasil em uma potência exportadora de produtos industriais. Mas essa seria mais uma ilusão do regime militar.
O corte dos salários teve ainda o efeito de concentrar renda e atingir um dos principais objetivos da política econômica do governo: concentrar renda no topo da pirâmide social, formando um mercado consumidor de alto poder aquisitivo, formado por cerca de 15 milhões de pessoas, que sustentariam o futuro crescimento da economia. Também elas, a própria classe média alta, seria expropriada pela aliança governo-oligarquias-empresários-multinacionais.
Um último detalhe: a lei de remessa de lucros, que fixava em 10% a remessa de lucros das multinacionais às suas filiais, para evitar a sangria do país, foi revogada, e substituída por outra muito mais branda. Alguém duvidaria que, após essa revogação, as grandes empresas voltaram ao país?
4- Os mecanismos de repressão política e social
Em 1967, os militares emplacaram o líder da linha dura, General Costa e Silva, como presidente da República. Paralelamente, até o ano seguinte, completar-se-ia a fundação de uma série de órgãos destinados à repressão da atividade oposicionista em todos os níveis.
Foi com essa ideia que os DOPS (Departamentos de Ordem Política e Social) foram ressuscitados do Estado Novo (apesar de terem sido fundados em 1924, por Artur Bernardes), com o fim de reprimir qualquer movimento político contrário aos grupos governantes. Por outro lado, o Exército criou os DOI-CODI como instituições voltadas diretamente à coordenação das forças repressivas contra a esquerda; os DOI, sob o comando de um coronel, eram secções regionais, subordinadas aos CODI, órgãos centrais, articulados nacionalmente através das três armas, integrando voluntários das polícias civis, militares e federal. A diferença básica é que o primeiro órgão era civil e o segundo, militar. Ou seja, o DOI-CODI era muito mais cruel com seus "investigados''...
Contudo, o primeiro órgão a ser erigido pela repressão e para a repressão foi o famoso Serviço Nacional de Informação, o SNI. Foi inspirado na CIA norte-americana, detendo todos os serviços de informação e contra-informação internos e externos do país. Sua estrutura era comandada por um chefe, com status de ministro, que detinha enormes poderes, desde o de ordenar a investigação de qualquer pessoa a expurgá-la do país, e estendia-se por todo o território nacional, em agências regionais e escritórios, que enviavam informações agência central em Brasília. As agências regionais controlavam umas as outras, mas sempre com o objetivo de identificar os inimigos do Regime e utilizar essas informações para abastecer a atuação do DOPS e do DOI-CODI; basicamente, indicavam a quem prender, interrogar ou mesmo matar, além de exercer um controle sobre a imprensa, escolas, Igrejas e sobre instituições financeiras e empresariais (para que não financiassem os inimigos da ditadura). Os agentes ("cachorros'', não remunerados, e "secretas'', agentes profissionais) infiltravam-se em todas essas instituições (inclusive nos níveis da Administração Pública, até os mais altos), sem saber da infiltração de outros agentes. Sua ação completava-se pela existência de diversas secretarias voltadas a setores específicos a serem vigiados. Uma delas manipulava a imprensa e garantia que apenas as informações de interesse do governo- até mesmo notas falsas para enganar a resistência da esquerda- fossem divulgadas. Mesmo dirigentes de empresas privadas eram vigiados; qualquer pessoa, em nome da segurança nacional, poderia ser vigiada e posteriormente atacada pelo braço armado da repressão.

Tais órgãos encontraram respaldo em duas leis, ditas de Segurança Nacional, impostas por dois decretos presidenciais, em 1967 e 1969, onde legitimava-se a ação do Estado contra os inimigos internos do país, os subversivos comunistas, sob o epíteto da proteção à ordem econômica e social a à paz social. Qualquer um podia ser detido com base na LSN, tendo todos seus direitos e garantias suspensos: haveria um conflito entre o indivíduo e a sociedade e, para a sobrevivência desta, autorizar-se-ia os legítimos representantes da coletividade e do corpo social a impor a supremacia do interesse do corpo social. Trata-se de uma transladação da crença positivista-militarista, oriunda das ciência naturais, que via a sociedade como um sistema.
O texto da LSN definiu, após as medidas iniciais de aplicação da Lei, os crimes e penas relacionados contra a Segurança Nacional, prevendo sanções duríssimas (a maioria com pena-mínima superior aos 7 anos de reclusão) contra aqueles que atentassem contra o governo, a serviço de governos externos ou organizações internas subversivas, portassem armas de uso privativo das Forças Armadas ou praticasse atentados com motivações políticas, cominando a pena de prisão perpétua e mesmo a pena capital contra certos tipos de "crimes''. O crime de opinião, o crime político, o crime de subversão, o enquadramento de qualquer cidadão à Lei de Segurança Nacional, sua expulsão do Brasil e a vigilância de seus familiares, bem como a indisponibilidade dos seus bens, estavam agora institucionalizados e eram legais. Provocar tumultos (leia-se: manifestações contrárias ao Regime) dos quais resultassem em morte era crime punível com a pena capital! Por outro lado, os "criminosos'' enquadrados na LSN ficavam sujeitos à Justiça Militar e ao processo militar, bem mais rigoroso e sumário (por muitas vezes, arbitrário).
O alvo principal da repressão eram os comunistas (foi com base no perigo de uma revolução comunista inventada que os militares deram o Golpe), embora todos os opositores do regime fossem atacados.
Outro diploma legal a integrar o arsenal do Regime Militar foi a famigerada Lei de Imprensa, que procurou fortalecer ao máximo a repressão à mídia, através de penas mais duras aos jornalistas em caso de injúria ou difamação, mas também cominando penas quando os órgãos de imprensa divulgassem Segredos de Estado ou informações vitais à segurança nacional, sendo as penas aumentadas quando os afetados pela conduta criminosa fossem autoridades governamentais. Notícias falsas, contrárias aos bons costumes, ofensivas à moral pública ou instigadoras da desordem também eram puníveis. A lei previa um processo penal próprio, além de pesadas multas como resultado da responsabilidade civil de diretores, redatores, editores e jornalistas, bem como dos próprios proprietários das empresas de comunicação. O direito de resposta também era regulado, sendo um ponto considerado inconstitucional pelo STF, em julgado de 2009.
Desnecessário dizer que a tortura era vista como um meio lícito de obtenção de informações, em nome da segurança nacional. Afinal, os fins justificam os meios.
O grande golpe, contudo, veio em 1968, com o chamado AI-5. Sobre ele, falaremos adiante.
5- A radicalização: 1968, o ano em que a ditadura escancarou-se

A oposição, contudo, beneficiou-se desse aparente retorno à legalidade e, por meio da Frente Ampla, conduziu uma série de protestos pelo país, visando isolar o Regime de apoio civil e pressionar pela saída dos militares do poder. Juscelino, Jango e Lacerda uniram-se na Frente e comandaram articulações nacionais para derrubar o regime. A UNE conduziu a gigantesca passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro, em represália à morte do estudante Edson Luís, morto em um protesto pacífico. Intelectuais e jornalistas independentes, como parte mais esclarecida da classe média, participaram dos movimentos de protesto, que cada vez mais atraim o interesse da população, embalada pelas músicas de protesto de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros grandes nomes da MPB.

O vulcão da repressão explodiu, quando o deputado Márcio Moreira Alves discursou, da tribuna da Câmara dos deputados, contra as Forças Armadas, denunciando a prática geral da tortura pelo regime. Os militares ordenaram ao Congresso que o deputado fosse cassado pela Casa, que, em votação histórica e corajosa, absolveu Márcio. A resposta não tardaria. No dia seguinte, o ministro da Justiça apresentou ao Conselho de Defesa, presidido por Costa e Silva, o AI-5, prontamente aprovado.
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O AI-5 fechou o poder Legislativo, em todos os níveis da federação, decretando também a intervenção do Executivo em estados e municípios e a cassação em massa dos opositores do regime, dentre eles, Márcio e seus apoiadores na Câmara (mais de 10 mil políticos foram cassados, presos ou tiveram direitos políticos suspensos por 10 anos). Funcionários públicos voltaram a ser desligados do serviço público injustificadamente, e o estado de sítio foi decretado, onde as garantias e direitos individuais foram suspensos a bel-prazer da Ditadura; a medida garantiu que nem mesmo o poder Judiciário exercesse qualquer controle sobre os atos dos agentes públicos. Os bens dos subversivos e opositores foram confiscados e a censura prévia foi estabelecida. O pior é que o AI-5 não tinha prazo de duração.

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6- Considerações críticas: o mergulho na escuridão (1969) e o início dos anos de chumbo
Vimos rapidamente como o Regime militar enfrentava, inicialmente, divergências mesmo no plano intragovernamental. A vitória das oposições disparou o gatilho da repressão, que favoreceu a aliança entre a linha branda e linha dura para esmagar os civis e terminar o trabalho de repressão inciado em 1964.

O que ocorreu foi uma verdadeira policiação da sociedade em todos os níveis, para garantir a refundação de uma ordem estável para a recepção de investimentos ao país. Contudo, a radicalização política só aumentou, levando à respostas cada vez mais extremadas do Regime, que passava a classificar seus opositores como terroristas comunistas, procurados nacionalmente. A cultura do medo e da arbitrariedade passou a dominar a sociedade, cujos reflexos são sensíveis ainda hoje.

E é assim que a ditadura militar criou outras ditaduras, as mais destacadas delas na classe política corrupta que temos ainda hoje no país e outra na mídia. Nesta última, os veículos de mídia contrários ao regime foram por ele exterminados e aqueles que o apoiaram ocuparam todo o mercado, com o apoio do capital externo ou público, sob o respaldo da Lei de Imprensa. Travou-se uma seleção política de jornais, canais de televisão e homens públicos, todos, diga-se, dirigidos pelos próprios interesses pessoais; por outro lado, a mídia mais séria, empresários em ascensão e políticos éticos foram proscritos e derrotados por não terem apoiado a ditadura. Esse foi e é o terrível preço pago pelo país até hoje (onde as classes políticas dominantes da atualidade foram forjadas pelo Regime), que se traduz na péssima classe política, no fisiologismo e em todos os problemas estruturais do país, onde a última ditadura da era do terror persiste nas nossas televisões e jornais, sob a forma do poderoso oligopólio midiático que controla os meios de comunicação do país. Por outro lado, a cultura da violência e da tortura implantada pelos mecanismos de repressão deixou marcas tão profundas que, ainda hoje, policiais seguem torturando suspeitos e agindo de forma extremamente violenta, como se vivessem nos tempos onde não havia direitos e garantias individuais a respeitar, o Estado de Exceção ditatorial.
O objetivo maior era arrancar da população todas as riquezas por ela geradas. A repressão foi apenas uma parte menor e um meio de atingir esse fim nada nobre e despreocupado com a Segurança Nacional... a não ser dos investidores, do Exército e da corrupta classe política. Tanto é que, quando a ditadura passou a ser um estorvo à continuidade dos lucros e do domínio de certas classes, foi gradualmente abandonada e convenientemente descartada.
E é em meio ao terror da longa noite iniciada em 1969, com a morte de Costa e Silva e a ascensão do tenebroso General Emílio Garrastazu Médici, que terminamos esse post. Logo mais, daremos seguimento à penúltima parte de nosso estudo- o milagre econômico, o auge do regime militar e o mito do Brasil potência. Aguarde!
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