segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Pernambuco sob o domínio do medo: do caos sempre surge um tirano


As pessoas tem medo de dizer claramente o óbvio do óbvio. Pois bem: o governo de Pernambuco perdeu inteiramente o controle da segurança pública, e no pior momento possível. Veja a sequência dos desastres só este ano: fuga em massa da Penitenciária do Barreto do Campelo (53 foragidos, número desconhecido de mortos e feridos); três dias depois, fuga em massa do Complexo do Curado (vulgo Aníbal Bruno), com direito a explosão do muro, duas mortes da fuga e especulações de até 100 prisioneiros fugitivos; crescimento de 38% no número de assaltos a ônibus na Capital (com picos de até nove assaltos a cada 24 h); quase 60 assaltos consumados a bancos (a maioria no interior, com uso de armamento de guerra e totalmente livre da ação da polícia) e mais de outros 50 tentados, um aumento de mais de 30% (alguns falam, extraoficialmente, em até 300%!).

O último dado que explicita o descontrole da situação é o crescimento rápido da taxa de homicídios, em mais de 10%, e o assustador número de assaltos a mão armada (dados raramente divulgados, curiosamente) - nesse sentido, apesar do total de estupros ter caído, as mulheres são os alvos preferenciais dos assaltantes. O pior mesmo é a famosa "cifra oculta'': milhares de crimes que ocorrem todos os dias e que jamais chegam ao conhecimento da polícia. No cotidiano, arrastões no Recife Antigo, no Parque Treze de Maio e em Boa Viagem, homicídios em cidades interioranas e antigamente tranquilas como Caruaru, Arcoverde e Petrolina mostram que todo o Estado está prestes a entrar no colapso de um estado de guerra.

Como é impossível aguentar a pressão por tantas catástrofes, o governador vem se movendo o mais rápido que pode. Fez dois concursos para aumentar os efetivos das polícias, mas não está interessado em fazer o óbvio, talvez por medo: reconhecer que a atual estratégia de segurança pública é um desastre e rever todo o sistema do zero. E isso parte da necessidade de finalmente enxergar que somente contratar mais pessoal não resolve. As forças de segurança precisam de um soldo digno (atualmente, PMs e Civis recebem uma das piores remunerações do país; os civis, principalmente delegados, vivem em estado de quase greve nos interiores por que o governo não manda dinheiro nem para a limpeza das delegacias), treinamento capacitado e modernizado em técnicas não-letais, restruturação de equipamentos (viaturas, coletes, armas de fogo), e essencialmente, investimento no setor de inteligência, com o mapeamento das zonas do crime, elaboração do perfil dos criminosos e, o que é mais importante, desarmar a bomba relógio dos presídios e das penitenciárias do Estado, que no fundo estão na origem, ao lado do descaso do governo, desta onda de crimes que tomou o Estado (a maior parte dos criminosos é reincidente e pertence a gangues baseadas em presídios). Se vivemos uma crise fiscal que impede maiores investimentos, pelo menos na área da inteligência se precisa focar.

Ora, se é no setor de inteligência que está o problema, não é admissível que a Polícia civil continue sucateada, subfinanciada, com apenas 40% da capacidade, baixíssimos salários e nenhuma logística para a investigação. Já passou da hora de se montar uma operação de grande escala, por exemplo, para desmontar as quadrilhas de roubo e desmonte de veículos (crimes que vem batendo recordes) e de assaltos a bancos (esse nem se fala); mas quando nos perguntamos por que tal operação não existe, a resposta está na cegueira do governo, que continua a crer que a Polícia Militar vai dar conta do recado. Polícia esta pouco equipada, mal distribuída (existem municípios onde, pasmem, há apenas dois ou três policiais) pelo território do Estado e totalmente despreparada, do ponto de vista da inteligência, para derrubar tais quadrilhas. E não é de se surpreender, pois tal missão é da polícia civil e do seu setor de inteligência, que o governo insiste em sucatear: o caminho para a redução da violência passa pelo fortalecimento da Polícia civil, não da polícia militar - se cada uma cumprir seu papel, dentro de uma mesma estratégia de inteligência coordenada, o Estado desorganizado pode ter uma chance contra a criminalidade.

De outra banda, outro grande problema, na verdade a matriz desse gravíssimo quadro de instabilidade social, é a não-reinserção dos antigos detentos, presidiários e afins na sociedade. Enquanto não forem pensadas estratégias alternativas que viabilizem penas alternativas, ou o cumprimento das condenações em colônias agrícolas e industriais, com o acompanhamento psicológico e de qualificação profissional do preso, não se poderá matar o motor da criminalidade.

Mas para fazer tais movimentos, o que é mais importante é aceitar que Pernambuco corre o gravíssimo risco de sofrer com o mesmo destino do Ceará (que começou com índices absurdos de violência fruto em última instância de crises no sistema penitenciário): de amargar ver a queda dos índices de criminalidade pela ascensão ao poder, dentro dos presídios, do Primeiro Comando da Capital, que dominou Fortaleza e impôs uma drástica redução de homicídios para maximizar os lucros com seu império das drogas, contrabando e atividades ilícitas. Ou nós agimos para retomar o controle da segurança pública, ou a criminalidade "desorganizada'' se organizará para construir um Estado paralelo e por em permanente risco todos nós.

O Ceará já foi tomado pelo PCC. Até marcha comemorativa a população humilde fez, para celebrar a queda dos homicídios decorrentes da instalação do império criminoso. Pernambuco está no mesmo caminho, e, se o governador não agir rápido, vai entrar para a história como o governante que entregou Pernambuco, o Estado que expulsou os holandeses do Brasil e se rebelou diversas vezes em nome da liberdade, para a tirania de um império do crime. Ou escolhemos combater o crime com inteligência, nos dois sentidos (e não com mera truculência), ou nos curvamos a deixar que os próprios criminosos resolvam a situação.

Em suma, vivemos com medo de admitir o óbvio e mesmo de brechar pelas janelas; o governador tem medo de admitir que perdeu o controle do Estado; os policiais, seres humanos como nós, também tem medo de ir trabalhar e não mais voltar; e só quem não tem medo, esta terra de ninguém, são os criminosos. Como já dizia um famoso escritor, é em situações de completo caos que os homens preferem ver um tirano no poder do que perder suas vidas, mas nem mesmo Thomas Hobbes poderia prever o que aconteceria quando aqueles que deviam pagar pelos seus delitos é que estão no poder: no nosso caso, o Leviatã sentado no Palácio do Campo das Princesas vai ser domado por uma Hidra cujas sete cabeças se espalham por todo o Brasil. Não é uma propaganda de televisão que vai cortar as cabeças da fera.

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