sexta-feira, 13 de abril de 2012

O que é o Amor?

                               O amor pós-moderno: uma grande fonte de lucros via marketing e propaganda 

Sonhei que casei, ontem de madrugada, com uma conhecida. Acordei suando frio, tremendo de medo, justamente no momento da lua de mel(!). Deve ser o efeito dos três anos de celibato. Mas esse episódio me fez refletir um pouco sobre o sentimento que aparenta dominar nosso agir e que, em última instância, acaba sendo a melhor maneira de justificar nosso agir: o amo. Seja à pátria, à uma pessoa (ou ao corpo de, ressalte-se) ou a um ideal elevado (espécime em extinção). Vou comentar um pouco sobre algumas concepções de amor.

A primeira delas, para facilitar, consiste no conceito de amor da sociedade pós-moderna. Com a negação de valores abstratos ontológicos, os sentimentos foram reduzidos à expressões corporais e nervosas, portanto, empíricas, decorrentes tanto da fisiologia humana quanto do seu convívio social e cultural. A essência humana, sua "alma'', incluindo seus sentimentos, são meras articulações nervosas que imprimem a ilusão de que há um separação entre corpo e consciência. O "amor'', assim, seria sexo no sentido estrito da palavra.

Essa é, claro, a concepção filosófica do amor pós-moderno, livre e sem amarras. O amor conceitual ainda vivido (ou iludido) pela maioria das pessoas é o velho romantismo idealista. Sabem, dizem que a culpa é de Platão. Para ele, no "Banquete'', o amor é a força que impulsiona dois corpos, que possuem a mesma alma, a ficarem juntos, uma força da natureza irresistível e absoluta, que repousa acima da vontade humana. Assim, o valor "amor'' é uma força ideal presente no mundo das ideias, uma forma que organiza a matéria. Posteriormente, os escritores românticos do século XIX redescobriram o conceito e falaram no amor como um conceito ideal; ou seja, é a correspondência perfeita de almas, acima da atração física. E o estrago foi feito... mas como?


                           O amor metafísico e irreal banalmente divulgado: objetivo alienante e pecuniário

Conceituamos amor como um sentimento que arrasta dois corpos e espíritos em uma perfeita união, capaz de vencer todos os obstáculos para permanecerem unidas. Lembra algo? A mim, lembra a velha ontologia das ideias de Hegel. Esse ilustre senhor afirmou que os mecanismos da razão (as regrinhas que servem de meio de distinção entre o verdadeiro e o falso) são a própria realidade em si. E não só eles: os sentimentos e valores existem abstratamente, apesar de seu conteúdo variar sócio-historicamente. Daí, para que certos escritores reafirmassem um amor ontológico e superior à matéria (aos prazeres da carne), foi um pulo. Primeiro na Alemanha, Inglaterra, EUA. E, finalmente, no Brasil, onde os folhetins românticos fizeram sucesso entre os 20% dos brasileiros que sabiam ler. Mesmo com o fim do romantismo brasileiro, o estilo foi popularizado e, diante das desventuras do brasileiro, constituiu um marco de esperança e de lazer ao trabalhador extasiado da era de ouro do rádio. E, por fim, as telenovelas transplantaram o modelo para a telinha. E, enfim, tivemos erigido o grande pilar de escapismo nacional: amores abstratos e perfeitos, irreais, ideais, que fazem as mocinhas suspirarem e os rapazes pensarem seriamente em "relacionamento sério''. Todos impossíveis na vida real, mas eleitos como verdadeiros ídolos a distraírem uma multidão cansada do mundo sombrio e sem amor da realidade. Na verdade, as historietas tem um fim especial: associar a felicidade representada pelos personagens a certas marcas de produtos e outras condutas sociais. Para amar, o sujeito precisa das roupas, do corte de cabelo e das frases de efeito do mocinho das tramas; o amor associado a um objetivo puramente comercial (a indução do consumo), eis uma ideia para fazer nossos velhos idealistas acabarem-se de vez na depressão...

O papel desse "amor popular'' é mais amplo. Existem grandes advogados que, por ardis, fazem com que o acessório seja o principal. Assim o é na sociedade brasileira: o lazer e a distração proporcionados por ficções amorosas acabam se tornando o centro (ou um dos) de discussão entre as pessoas. Não só com relação aos folhetins televisivos, mas principalmente quanto à vida prática. "Relacionamento e amor'' é tema mais badalado dos últimos 50 anos, justamente porque as pessoas não sabem o que é o amor, pela incompatibilidade entre o conceito aprendido das telenovelas e outras fontes e a vida real. Assim, algo como o relacionamento individual, dos famosos (enche-me muito quando vejo algo nos jornais...), dos personagens da novela ocupa mais espaço do que a pauta política do país e questões tremendamente mais importantes. Em um golpe de mestre, o governo, grandes indústrias e a mídia financiam as novelas e as discussões amorosas (seja renovando automaticamente as concessões ou contratando propaganda, por parte do governo, ou divulgado produtos, pela indústria), para evitar que a população discuta política. Não é a única estratégia, mas é uma das; alienar, numa palavra. Afinal, nas novelas e nas discussões sobre os amores especiais e gerais, divulgam-se produtos, elaborados pelos próprios telespectadores e amorosos de plantão, que acabam consumidos por quem os produziu. Belo meio do capitalismo recuperar os salários que pagou, mais os lucros, é claro. Ou seja, a novelinha, o TV Fama, A Caras e tantas outra manifestações da "hegemonia do amor'' na pauta de discussão social tem o objetivo subterrâneo de distrair o povão com velhos truques: preste atenção na moeda, mas não na arca do tesouro; discuta o amor irreal, e não o desemprego. Ou seja, fique quieto e viva sua ilusão amorosa. Porque, no fim, esse conceito de amor cria uma ilusão que encobre a realidade tal como ela é e a torna suportável!

Vamos à contraposição filosófica, já que a material já foi feita. Os conceitos de Amor apresentados, enquanto vivência prática, não passam de uma fantasiação metafísica para disfarçar e justificar - além de melhorar, esteticamente- desejos de cunho naturalístico, ou seja, puramente sexuais. Em suma, trata-se do Id, que precisa de normatização para ser saciado. E, claro, definimos, por convenção, como, quando e com quem saciar estes desejos, através da construção de tipos ideais de parceiros, pelo imaginário coletivo.

Pense-se bem: temos a finalidade da reprodução. Ou seja, precisamos postergar nossos genes, e, ainda por cima, saciar o prazer sexual. O outro (nossos parceiros e parceiras) é o meio pelo qual se pode realizar tais finalidades humanas. Mas nem todos são um meio adequado para tal: uns servem mais que outros. Aquela moça alta, de belas curvas, inteligente, mais "gordinha'' é preferível às demais porque pode propiciar filhos mais saudáveis e mais viris psicologicamente; coitada da magrinha espinhenta. Aquele rapaz forte, rico, inteligente pode propiciar meios muito melhores para uma mulher e seus filhos subsistirem, além de gerarem descendentes mais resistentes. Pobre dos nerds magrelos e pobretões que estudam filosofia e pensam em mudar o mundo. Esses são dois exemplos de tipos ideais de parceiros, com os quais classificamos quase todos os potenciais parceiros amorosos aos quais temos acesso.

O grande problema é que tais classes são definidas por convenção social. Hoje, prevalecem os estereótipos da mulher "toda boa'' e sem cérebro e do homem galã e cuja conta ostenta muitos zeros, mas cujo caráter repousa na mais completa miséria; esses são os "meios'' para ter filhos que sobrevivam à competição social e para satisfazer as exigências do inconsciente sexual. É, usamos os outros como instrumentos, e nos deixamos usar. Daí ser difícil, para esses céticos, acreditar no Amor, uma verdadeira convenção social, farsa milenar que maquia o fato da humanidade disfarçar a animalidade dos próprios desejos...

Dá para entender porque acordei suando frio? Inconscientemente, todos são infectados por este mal chamado de "Amor'', enquanto abstração idealizada pela sociedade para disfarçar os desejos sexuais animalísticos.

                                                     A fonte do Amor é o próprio Amor: Deus

Apesar de eu ter inicialmente ter apoiado o ceticismo quanto ao amor, mudo aqui minha opinião. Diz-se que os valores e virtudes são originários não de um consenso social ou determinados a posteriori, mas são um dado a priori acessíveis através da razão. A fonte desses valores, incluindo o amor, é Deus, que fundamenta sua validade e normatividade. Mas todavia, esses valores oferecem diretrizes, princípios, afirmações genéricas perceptíveis por qualquer sujeito, que, em suma, será o construtor do Amor. Uma construção coletiva, claro, já que o amor se mostra mais do que simples eros (carnal). Fraternal, divino, erótico, o amor é um edifício em construção pela humanidade, orientada por Deus.

Mas, eroticamente, o amor é construção de um homem e de uma mulher, orientados pelo princípio divino da entrega recíproca total e da servidão de um a outro. Juntos, serão um só, em carne e em espírito, e o Amor abstrato gera uma repercussão na matéria: a reprodução, a geração da vida; que precisa ser potencial ou mesmo desenhada para tal. O amor, por ser o princípio que gera a vida, se confunde com o próprio Deus. É, assim, o único sentimento pelo qual o homem pode compreender e sentir Deus, dada a imensidão deste.  Sendo impossível compreender totalmente a natureza de Deus, só podemos entendê-lo pelo Amor. Amor familiar, pelo próprio Deus ou pela conjunção carnal e espiritual. Por meio dele, o homem transforma-se interiormente, para transformar-se externamente, inciando um processo em cadeia que culminará com o próprio retorno de Deus e a renovação da Terra, com a instalação do Reino de Deus. Aqui, não em um mundo abstrato. Aqui, e pelo amor, serão destruídas as ilusões que abstrativizam o amor, tornando-o uma ferramenta de ocultação da realidade e de satisfação de interesses mesquinhos e pecuniários.

O amor real, liberto dos estereótipos, destruirá a sociedade da exploração onde as virtudes mais caras são mercadorias a serviço de uma elite podre e manipuladora, que usa a força de trabalho social para arrancar lucros do homem comum que, absorvido e amortizado pelas benesses do amor, esquece-se da realidade e vive a ilusão do Eros falso. Esse amor falso está por trás do desmonte da família tradicional e, por conseguinte, da crise social que nos afeta e prejudica nosso desenvolvimento, seja material ou espiritual. Fácil é fabricar uma ilusão e imputá-la a certos produtos, vendendo promessas de felicidade a quem sofre n morra cinzenta da exploração: consumindo-se os produtos e o corpo desejado, já amou-se, e a discussão sobre essas práticas, seja, pelo homem seja pelo artista, ao qual arrogam a discussão de "amorosas'', aliena o homem do verdadeiro amor único, divino, construído pelo homem caso a caso. 

Amor que libertará o homem na medida em que recuperará a família e a instituições sociais, restaurando o solidarismo e o coletivismo, a ideia de entrega do indivíduo pelo bem maior da sociedade. É o amor entre homem e mulher que engendrará esse segundo amor, o amor fraterno. E seremos, enfim, todos irmãos, demolindo o consumismo e, por meio do amor, rompendo os grilhões da alienação, do comodismo e da exploração consentida. A revolução do amor; a minha revolução; aquela que será, se quiseres, a tua revolução! Ame, muito além dos estereótipos, e te libertarás da caverna; amar é tomar a pílula vermelha, lembrando Matrix. Mas jamais será algo conceituado; é, antes de tudo, só compreensível se vivido...

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