domingo, 29 de abril de 2012

"Os Donos do Poder'': a história do patronato político brasileiro


"Os Donos do Poder'' foi uma obra escrita pelos idos dos anos 1950, pelo professor Raimundo Faoro. Todavia, mesmo após mais de 50 anos de sua publicação, poucas obras permanecem tão atuais e elucidativas sobre as práticas políticas brasileiras.

 Faoro analisa as origens da formação do "patronato político brasileiro'', a partir de uma combinação da metodologia de Max Weber com o marxismo da Escola de Frankfurt. Assim, Faoro traça uma maravilhosa evolução histórica sobre os principais institutos que norteiam a classe política brasileira, desde suas raízes na monarquia militar portuguesa até o início do século XX. O patrimonialismo, as práticas eleitorais fraudulentas,  repressão virulenta contra mudanças sociais, o nepotismo, o sistema de boas relações e o modelo agrário são dissecados e elucidados nos quase mil anos de história política analisados. Assim, a estrutura de poder regente do Brasil é revelada em toda sua amplitude e densidade.

Inicialmente, Faoro traça as origens e principais características da monarquia portuguesa. Aqui, o autoritarismo, a aliança com o clero, a estratificação social e, principalmente, a indistinção entre público e o privado são, a seu ver, as principais marcas legadas pela Revolução de Avis ao posterior sistema político brasileiro. A colonização, sob a égide do mercantilismo, decorre naturalmente de tal evento, e, por sua vez, implantou-se no Brasil uma sólida aliança entre grandes produtores rurais e a débil autoridade estatal; a aventura ultramarina e seus objetivos são tidos como determinantes da condição brasileira como colônia agorexportadora. A própria distribuição de terras em sesmarias, grandes latifúndios e capitanias revela a pura e simples delega do poder político (de julgar, legislar e governar) pelas mãos da monarquia à prematura elite rural brasileira, em um processo inverso ao ocorrido em Portugal: enquanto o pequeno reino centralizou-se sob o rei, no Brasil implantou-e uma espécie de feudalismo tropical, nos moldes do europeu.

Todavia, aponta-se uma espécie de reação da Coroa a essa pulverização do poder político, com a fundação dos governos-gerais, um instituto destinado a concentrar os esforços difusos e manter a integridade territorial da colônia. Trata-se do germe de uma estrutura estatal nacional, cuja única finalidade é assegurar uma união de forças, por parte dos latifundiários, com vistas a manter o regime colonial, o escravismo e a hegemonia do capital externo (português) sobre a colônia. A criação dos municípios fez parte do plano de centralização, que acabou invertido em favor das incipientes oligarquias regionais. Traça-se, então, as origens do funcionalismo público brasileiro, em torno dessa oposição centralismo/regionalismo, que,        antes de se anularem, complementavam-se em um sistema exploratório, do qual o funcionário público era uma peça de execução, sempre pautando-se pela ilegalidade, troca de favores e descaso coma coisa pública.
A contestação ao regime monopolista colonial engendra o cabo de guerra que derrubou o domínio português e permitiu a independência política nacional. O império surgiu sob um amontado de autarquias agrícolas, unidas apenas em torno da manutenção da ordem, já que sequer eram integradas entre si, antes com os mercados europeus, aberto aos produtos primários brasileiros. Todavia, os ímpetos centralizadores da monarquia, assentada nos portugueses remanescentes e centrados em torno do imperador, foram derrotados com a abdicação deste último e a descentralização administrativa, causadora dos piores distúrbios e contestação ao regime fundiário e estratificado, de viés feudal, vigente no novo país. Todavia, doante do caos, a elite nacional uniu-se novamente e, tendo a Monarquia à testa, esmagou as revoltas e, com vistas e afirmar a unidade nacional de uma vez por todas, permitiu ao imperador a concentração de poderes máximos. 

Organizou-se uma verdadeira pirâmide social, onde o imperador, ao topo, trocava favores com os barões latifundiários, senadores, deputados e militares, e estes, por sua vez, com fazendeiros menores, presidentes de províncias, subordinados e coronéis locais. O absolutismo, representado institucionalmente pelo poder moderador, consistiu numa instância para fundar um equilíbrio político, resolver as contendas políticas e ainda servir de "mão visível'' para impulsionar a nascente economia cafeeira; uma economia sob a orientação do Tesouro imperial, que desvalorizava a moeda quando preciso, oferecendo crédito farto ao latifúndio. Estabilidade para explorar, eis o grande objetivo do primeiro reinado. O funcionalismo público institucionaliza os roubos, lavagens de dinheiro, favorecimentos pessoais, estando a população excluída dos serviços públicos essenciais. 

A queda da Monarquia estaria associada à sua ineficiência em levar a frente o rearranjo do modelo econômico agroexportador, de diretriz liberal e federalista. Basta dizer que as elites resolveram conduzir-se por elas mesmas, sem um "pai'' coroado a protegê-los, literalmente dividindo o país em zonas de influência, construindo, para tal, um modelo político viciado, baseado na troca de favores típica do império, hierarquizado desde o presidente da República até os coronéis do interior. Um cedia apoio ao outro, ao passo que estes eram apenas subordinados às decisões imperiais centralizadas anteriormente, que sufocava e impedia o aumento dos lucros. O coronelismo, a política dos governadores e as coligações políticas marcam, resguardadas pelo potente braço militar que levou a Monarquia à bancarrota, a República Velha. Todavia, as contradições internas do novo sistema (a industrialização necessária à produção de café gerou uma classe média que, excluída do poder, passou a reivindicá-lo, através dos tenentes) e as fragilidades das alianças políticas (as constantes traições, a dissolução de alianças, a disputa para vilipendiar a Coisa Pública) levaram ao suicídio do regime republicano

Novamente, o Estado que surgiu desse colapso foi marcado pelo centralismo, conduzido por um chefe de Estado forte e carismático, que reorganizou a economia, tornando o Estado, novamente, o condutor da economia, agora rumo à industrialização e aos tempos modernos. A força do poder ditatorial esmagou os localismos regionais e as oligarquias, transferindo o eixo econômico do campo para a cidade industrializada, promovendo, para tal, uma revolução administrativa, com a implantação do modelo burocrático, o combate à corrupção, a adoção de códigos de ética do funcionalismo e a quebra, inédita, do fisiologismo da política. Ao fim da Era Vargas e com o início da IV República, Faoro comenta, com entusiasmo, que o patrimonialismo e o fisiologismo, além da formação de oligarquias, seriam exterminadas pelo progresso pela entrada, do brasil, no clube das nações modernas, industrializadas e democráticas. 

Infelizmente, Faoro não pôde acompanhar a não-ocorrência de suas previsões. Quase 60 anos após o lançamento de seu livro, as bancadas ruralistas continuam a dominar a política nacional, o Estado continua com sérios problemas de gerência fiscal ocasionados pelo seu loteamento político e pela corrupção crônica e a sociedade continua com ranções estratificatistas. Ler "O s Donos do Poder'' é, antes de tudo, mergulhar em um doloroso passado ainda dolorosamente atual... mas a gênese do problema nos ajuda, sobretudo, a combatê-lo. Assim, a obra de Faoro é essencial não só ao acadêmico, mas ao cidadão brasileiro consciente. Leitura, pois, obrigatória, para quem ainda sonha em mudar o Brasil!

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