A última semana do mês de agosto, e especialmente o dia de hoje, deveria ser um mês de reflexão cívica para o Brasil. Há 62 anos um tiro de revólver foi disparado na suíte presidencial do Palácio do Catete, e do coração esmigalhado pela bala não verteu apenas sangue, mas um série inesquecível dos momentos mais importantes e determinantes da história nacional. A vida que espirou naquele quarto, onde os regentes da nação se acomodaram após exaustivos dias de trabalho comandando o país desde a queda do imperador Pedro II, era de um idoso de feições ovais, pequena estatura e de um sorriso que cativou milhões de brasileiros: ali, ele serenamente deixara a vida para enlaçar-se nas ancas da bela e pálida Clio, deslizando pelas valsas da história. E, mesmo passado tanto tempo, ainda é lembrado com carinho por aqueles viveram sob seu governo.
Getúlio Vargas é um nome símbolo para a política nacional. Basicamente, esse símbolo significa a concepção de um Estado intervencionista, que se sobrepõe à sociedade, agindo como principal agente promotor do desenvolvimento econômico e social, fundador, cultor e guardião na nacionalidade brasileira e, em última instância, a única força política capaz de fazer frente aos desígnios dos poderosos que comandaram o país com mãos de ferro e chicotes de feitor desde sua fundação.
Mais que simples anti-liberalismo, Vargas traz a ideia da instalação das primeiras estruturas de bem-estar social da nação (legislação trabalhista, aposentadoria, educação e saúde públicas), que anteciparam em muito o propalado New Deal norte-americano de Franklin Delano Roosevelt. A obra politica de Vargas, nesse ponto, é a organização moderna do Estado brasileiro, com todas suas instituições características, que conduziram o Brasil de uma sociedade retrógrada e agrarista para o seleto clube das nações industrializadas, eliminando ou atenuando vícios políticos como o patrimonialismo, o coronelismo e o clientelismo. Em suma, tratam-se de todas as ideias adversárias, de forma histórica, ao que se chama, convencionalmente e para fins didáticos, de "elites nacionais'', instituídas pelo latifúndio, escravismo, parceria com o capital externo e, tardiamente, em uma pseudo-liberalismo importado, como toda sua ideologia, das grandes nações da Europa e da América do Norte. É a luta eterna entre nacionalismo e liberalismo, entre esquerda e direita, simplificada na figura de um único homem.
O suicídio de Getúlio foi a primeira forte explosão da luta entre nacionalistas e ditos entreguistas, depois da independência. Sobrevieram a eleição de JK, o desastre janista, a queda de Goulart e o profundo e doloroso mergulho da ditadura militar, cujo fim deu à luz a alvorada da democracia da Nova República. Ainda hoje, o cenário político brasileiro é embalado por debates oriundos, para não dizer idênticos, da era Vargas, sendo os principais partidos ditos "de esquerda'' (como o PT e o PDT) os defensores do legado getulista- acusado, muitas vezes, de "populista''-, enquanto os defensores do mercado livre continuam a luta da UDN, dessa vez sem um Carlos Lacerda, contentando-se com um Fernando Henrique qualquer. Passadas seis décadas da morte do grande homem, seu legado continua a viver.
E foi em nome de uma luta entre ideias, e não entre homens, que Getúlio Vargas efetuou um disparo mortal contra si mesmo. O homem-símbolo se matara, para mostrar que ideias sobrevivem aos homens, sendo-lhe superiores, eternas como a própria esperança. No fim de tudo, era apenas mais um homem, provido de virtudes e defeitos como qualquer outro: afinal, entre seus erros se encontram a instalação de uma ditadura, em 1937, a cruel perseguição e morte de opositores, a censura à imprensa. Mas até mesmo um ditador pôde encontrar o seu perdão- e "O dia da remição'' será uma das postagens futuras da série que se inicia aqui.
Assim, nessa semana, estaremos relembrando os governos- e a personalidade- daquele que
é, indubitavelmente, o maior estadista que o país já conheceu. E, aqui, a reflexão vai além do homem e atinge as ideias- igualdade social, democracia, soberania nacional são palavras que se cruzam e se fundem, tanto em 1954 quanto hoje, e mais do que nunca tem de ser trazidas do ostracismo no qual estão trancafiadas.
"Seu nome ficou na história
Pra nossa recordação
Seu sorriso era a vitória
Da nossa imensa nação
Com saúde ele venceu
Guerra e revolução
Depois foi morrer a bala
Pela sua própria mão.''
(Teixeirinha, faixa "24 de Agosto'', LP Saudades de Passo fundo, 1962).
é, indubitavelmente, o maior estadista que o país já conheceu. E, aqui, a reflexão vai além do homem e atinge as ideias- igualdade social, democracia, soberania nacional são palavras que se cruzam e se fundem, tanto em 1954 quanto hoje, e mais do que nunca tem de ser trazidas do ostracismo no qual estão trancafiadas.
"Seu nome ficou na história
Pra nossa recordação
Seu sorriso era a vitória
Da nossa imensa nação
Com saúde ele venceu
Guerra e revolução
Depois foi morrer a bala
Pela sua própria mão.''
(Teixeirinha, faixa "24 de Agosto'', LP Saudades de Passo fundo, 1962).
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