segunda-feira, 9 de julho de 2012

Os sucessos e fracassos de Regime Militar: A grande reforma (parte dois)


Dando sequência à série sobre o Regime Militar- a postagem mais vista da história do Blog, até o momento, vamos abordar o início da era dos militares. Prosseguiremos, contudo, a partir do método anteriormente trabalhado, pelo qual não nos prenderemos à datas ou personagens históricos, mas, sobretudo, analisaremos os aspectos filosóficos, sociológicos e econômicos da fase histórica imediatamente posterior ao Golpe de 1964.

1- O pano de fundo: política, economia e sociedade "desorganizadas''

Em 1964, as parcelas da população mais politizadas sabiam que alguma agressão às instituições estava em curso, desde o início do ano. O teatro superficial que se tornara o regime representativo não disfarçava o sectarismo político, pelo qual a direita e a esquerda se combatiam, ideologicamente, pelas mentes e corações dos brasileiros. Contudo, era esperado, como em 1961, alguma espécie de resistência contra a manobra golpista, o que se tornou uma esperança vã dada a ampla coalizão que apoiou o movimento militar, personalizada pelo clero da Igreja Católica, boa parte da imprensa oficial, classe média e pela diplomacia norte-americana. Esta última arquitetou o Golpe, financiou veículos de imprensa e políticos para tal e, por último, forneceu armas aos militares do General Olímpio Mourão, preparando a poderosa V Frota da Marinha Americana para, em caso de guerra civil, dar apoio marítimo aos revoltosos.

No contexto político, boa parte do PSD, precisamente a frente parlamentar dita "democrática'', respaldou o golpe e assegurou, ao lado dos políticos da UDN, uma sólida base de apoio às primeiras medidas tomadas pela cúpula das Forças Armadas. O PTB, o partido de Jango, preferiu apoiar as forças da oposição, ao lado da frente parlamentar nacionalista do PSD, do funcionalismo público e organizações sindicais e representativas, como a UNE e a poderosa CGT, que reunia, clandestinamente, a representação de todos os trabalhadores urbanos. A maior parte dos governos estaduais deram respaldo à conspiração, e alguns, como o de São Paulo, representado pelo governador Ademar de Barros, e da Guanabara, conduzido pelo hipócrita Carlos Lacerda, agiram ativamente pelo estabelecimento dos militares no poder. (Ao lado, a miss Brasil em 1964, representando o padrão de beleza feminina dos anos 60: a mulher branca e moderna que expõe suas curvas de modo comedido, simbolizando a união entre o novo e o tradicional, e aqui notem-se os cabelos nem muito curtos nem muito longos; ordem e progresso, cristalizados na figura de uma bela mulher!)

Claro que os apoiantes do novo governo militar tinham profundos interesses em, por um lado, manter-se no poder (PSD), frear as reformas sociais (Igreja, latifúndio e industriais) e, por sua vez, solucionar as contradições do modelo econômico desenvolvimentista de JK. Os militares, por outro lado, divergiam quanto à duração e intensidade de sua intervenção: uma ala, mais liberal, formada na ESG (o grupo Sourbone), propunha o retorno dos civis ao poder, após uma pequena "faxina'' econômica, política e social; todavia, os militares mais reacionários acreditaram que a contribuição dos militares deveria ser muito mais prolongada e que os civis não deveriam tomar o poder nem tão cedo. Mais que isso, a ESG, de matriz norte-americana, acreditava na hegemonia do modelo liberal (onde o mercado brasileiro deveria ser aberto ao capital internacional, mas, internamente, o Estado também se retirasse de todas as áreas não-essenciais em que atuava, como na indústria), enquanto a ala dita linha-dura acreditava na profunda intervenção do Estado, sob o comando dos militares, na economia e na sociedade, objetivando a eliminação dos "corpos-ruins'' que comprometiam o corpo social. Diga-se, toda a oposição ao novo regime.

Essa era identificada na forma dos perigosos comunistas, que, segundo os militares, agiam por meio de Goulart, das Ligas Camponesas, da UNE e da CTG.

Na economia, uma inflação de demanda incontrolável corroía os lucros e salários, reduzindo o crescimento econômico para níveis pífios. O Brasil era evitado por investidores internacionais pelo alto custo da mão-de-obra, inflação e constantes ameaças de nacionalização. Por fim, problemas estruturais, como deficiência de transportes, métodos caros de geração de energia, endividamento do Estado e burocracia ruidosa, complexa e corrompida. No campo, os trabalhadores rurais continuavam revoltados contra os proprietários, buscando a bandeira da reforma agrária. Era preciso reorganizar a economia, eliminar as disputas políticas e propiciar o crescimento econômico e geopolítico do país. 

2- As reformas políticas e jurídicas: a hipertrofia do Executivo

Eleito em 15 dias, o Marechal Castelo Branco assumiu a presidência da República como "delegado da Revolução''. Sua missão era reorganizar o país, a fim de que a ordem, restaurada, propiciasse o retorno do pregresso. O principal veículo de materialização das reformas necessárias foram os chamados "Atos institucionais' que, apesar de travestidos da figura de atos jurídicos, eram meros atos arbitrários frontalmente contrários à Constituição de 1946.

O AI 1 foi imposto pela junta militar e foi tal instrumento que impôs a eleição indireta de Castelo Branco. Também dava ao Executivo poderes extralegais para cassar parlamentares, suspender direitos políticos, fechar organizações de qualquer nível e demitir, sem qualquer justificativa, funcionários públicos. Os alvos eram os parlamentares do PTB, os políticos nacionalistas e entidades como a UNE, além dos funcionários públicos ligados ao PSD, ditos "tecnocratas''. Apesar de tais poderes terem vigência de apenas 60 dias, mais de 400 pessoas foram afetadas, dentre elas, JK.

Ligado ao grupo Sourbone da linha branda, Castelo tinha a intenção de devolver o poder aos civis. Contudo, a oposição aos militares aglutinou-se na chamada Frente Ampla, que reunia estudantes, políticos e empresários médios, que tinha o objetivo claro de despojar o novo regime de suas bases civis de apoio. O sucesso da Frente deu-se, em 1965, com a vitória desta em 11 estados, cujos governos passaram para o seu domínio. A resposta de Castelo, agora pressionado pela linha-dura, foi a edição do AI-2. O novo ato estabeleceu a eleição indireta do Presidente da República, em sessão aberta do Congresso Nacional (assim, os votos poderiam ser manipulados). O poder de cassar mandatos e suspender direitos políticos por 10 anos foi restaurado, mas as três grandes novidades foram a extinção dos partidos políticos e sua substituição por duas agremiações (a ARENA, governista, e o MDB, de oposição moderada); o plus do poder presidencial com a transferência do poder Legislativo para este, por meio da edição de decretos-leis e a capacidade do presidente de intervir, deliberadamente, em qualquer governo estadual.

O AI-3, de 1966, tornou as eleições para os governos estaduais indiretas; por outro lado, os governadores passaram a indicar também os prefeitos de cidades consideradas vitais à "segurança nacional''. Logo, como os governadores eram escolhidos pelas Assembleias legislativas, dominadas por arenistas fieis às ordens do governo militar, mesmo os prefeitos passaram a ser determinados pelos generais-presidentes. Era a aplicação da Doutrina de Segurança Nacional, que destruiu o pacto federativo.

Os atos institucionais prepararam o terreno para a imposição de uma nova Constituição, que clarificasse a hipertrofia do Executivo, revogasse as leis inconvenientes (como a da Remessa de Lucros) e impedisse, de vez, que os nacionalistas voltassem a atuar politicamente. Por fim, em 67, o texto constitucional foi enviado pelo Executivo a uma "junta'' de parlamentares escolhidos a dedo, que respaldaram seu apoio ao conteúdo disposto; o que se viu foi uma tentativa, um tanto hipócrita e mesmo ridícula, dos militares de esconder o início de um regime autoritário sob o manto da legalidade: eleições em municípios (exceto capitais e cidades vitais à segurança nacional) foram mantidas, o Congresso Nacional funcionaria durante todo o tempo (exceto nos primeiros meses de vigência do AI-5), os mandatos presidenciais foram fixados em 5 anos. Por ouro lado, o poder de cassar mandatos foi mantido como competência do presidente da República, centralizando nas mãos do governo federal toda a matéria orçamentária e financeira (ou seja, o Executivo determinaria os recursos orçamentários e despesas de todos os poderes e entes da federação, e o salário-mínimo, em todos os níveis), proibiu-se a greve em serviços essenciais e o processo legislativo foi invertido: a não-aprovação de projetos de lei do Executivo acarretava sua automática aprovação. Desnecessário dizer   que o presidente da República continuou a ser eleito pelo Congresso arenista.

Por outro lado, elaborou-se um novo Código Eleitoral, que corporificou as regras autoritárias e um Código Tributário Nacional, que instituiu o Imposto de Renda, aumentando a carga tributária do país, como parte das medidas econômicas do Plano de Ação do governo para a economia. O Código de Mineração (expressão do sentimento nacionalista das Forças Armadas) também foi instituído, como a Lei de controle de capitais, poucas vezes aplicada.

O objetivo sórdido dos militares foi simplesmente fortalecer o Executivo, para esmagar os opositores e transferir ao governo federal a tomada de todas as decisões orçamentárias e financeiras. O pacto federativo foi dissolvido. Mais que isso, os militares montaram um tripé de sustentação política, onde seus apoiadores civis do ARENA, beneficiados pelas cassações e perseguições contra a oposição, formavam grande bancadas no Congresso e nas Assembleias que, posteriormente, elegiam os aliados do Regime para os governos e estes, por sua vez, indicavam prefeitos de cidades-chaves e capitais os nomes determinados pelo Executivo federal militar. Contudo, simplesmente governar não era o objetivo os apoiadores do Regime: distribuir recursos para as empresas certas, fraudando obras públicas, era o principal objetivo dos conchavos que garantiam aos militares pleno domínio político. E, para manter uma base de apoio, os militares fizeram questão de permitir que a máquina pública fosse loteada por aliados menores dos arenistas ou que os recursos públicos fossem rifados entre os políticos. Como hoje, tudo era lícito em nome da "governabilidade''... eis, portanto, a origem do fisiologismo que marca a cultura política do Brasil.

3- O grande ajuste da economia: o combate à inflação e a preparação para o Milagre Econômico

Os principais problemas eram de ordem econômica. Foi com o objetivo primordial de garantir a velha ordem do latifúndio, no campo, e ampliar a hegemonia do capital industrial internacional ou nacional a ele associado que os militares assumiram o poder; a repressão e a hipertrofia do Executivo eram meios para tal, ou seja, apaziguar a sociedade e solver as contradições do país mediante a força bruta. Os ministros do novo regime para a área econômica, Campos e Bulhões, diagnosticaram três grandes causas daquela que era a principal queixa de empresários e banqueiros: a inflação.

O excesso de demanda, ocasionado pela distribuição de renda efetuada por Getúlio e JK; o alto-custo de mão-de-obra, traduzido no alto nível salarial e, por fim, o perigoso déficit do setor público, cujos gastos o tornavam principal consumidor do pais (e, por sua vez, jogavam cada vez mais recursos no mercado, aquecendo a economia e insuflando os preços; por outro lado, as compras do governo diminuem a oferta ao passo em que a demanda do setor privado continua igual, aumentado ainda mais os preços de recursos básicos, principalmente) eram os principais problemas. O "antídoto'' dos ministros foi traçado na medida dos interesses das grandes multinacionais e bancos estrangeiros ou nacionais.

Nada de incomum foi proposto pelo Plano de Ação Econômica dos ministros. O povo deve pagar a conta!

Os gastos públicos foram cortados, violentamente, com a demissão de 10 mil funcionários públicos. A carga tributária sobre o consumo foi aumentada, inviabilizando o consumo das massas, acrescida do aumento de juros (que reduziu o crédito) e, por fim, arrochou-se o salário-mínimo. O coquetel contra o excesso de demanda acabou por afetar diretamente os empresários nacionais, que se viram arruinados pelo aumento vertiginoso dos juros, queda do consumo e, consequentemente, dos lucros. Por outro lado, buscava-se reorganizar a economia nacional para permitir um mínimo de segurança aos investidores internacionais- diga-se, garantir altas margens de lucros para esses. Assim, arrochando os salários, derrubava-se o custo de produção no país, ao passo em que o corte de gastos e o aumento dos juros permitiriam a queda da inflação (o aumento de preços que poderia corroer os lucros obtidos no país, pelo pagamento aos fornecedores) e tornariam o país um pólo de atração de investimentos estrangeiros. (Ao lado, Castelo Branco e seus ministros, dentre eles Campos e Bulhões, em pronunciamento no Congresso Nacional).

A reorganização financeira foi o passo seguinte. Os ministros pensavam que devia-se controlar a oferta monetária e, indiretamente, as taxas de juros, e essa seria a única função do governo na área econômica (não foi essa a opinião dos militares... no governo FHC, essa visão seria retomada, onde o Estado se torna apenas um regulador da oferta monetária, pagando altos juros para manter a inflação no nível zero). Assim, criou-se um Banco Central, que substituiu o Banco do Brasil no controle da emissão de moeda (oferta monetária), e um Conselho Monetário Nacional. Novos títulos públicos foram emitidos para superar os déficits do governo; logo, entrelaçaram-se os juros básicos da economia, os títulos emitidos e a oferta de moeda pelo BC, como meios de controle da inflação (algo dolorosamente ainda presente; contudo, os títulos públicos foram atrelados à inflação, iniciando o processo de indexação da economia, o germe da hiperinflação posterior que marcou a queda do Regime). Por outro lado, criou-se o FGTS não só com o objetivo de permitir a instabilização do trabalhador no emprego (que poderia ser demitido a qualquer tempo sem acarretar ônus excessivo ao empregador), mas para extrair parte dos salários do mesmo, sendo esta gerida pelo governo e utilizada por ele para sustentar o Banco Nacional da Habitação, que passou a investir pesado na construção civil. O crescimento do setor- com a liberação dos preços dos alugueis, é claro- seria o fator causal que daria origem ao futuro milagre econômico: foi a demanda de produtos para a construção que serviu de gatilho para o crescimento econômico no restante da escala produtiva. O paraíso de consumo da classe média começou com a compra de apartamentos e casas, sucedida da compra de bens de duráveis de consumo, como eletrodomésticos e automóveis. Por outro lado, os novos títulos emitidos financiaram subsídios aos setores da exportação, indexados, todavia, aos indicadores da inflação- o que indexou a economia, algo que, futuramente, teria consequências devastadoras...

A financeirização da economia começa aí. Retiraram-se investimentos sociais, cortaram-se salários, enxugou-se a máquina pública e a inflação foi contornada pelo aumento dos juros e a restrição da oferta monetária: sindicatos sobre controle, mão-de-obra barata e garantia certa de remessa de lucros ao exterior. Seria a preparação para a grande parceria entre o governo e o capital internacional para transformar o Brasil em uma potência exportadora de produtos industriaisMas essa seria mais uma ilusão do regime militar. 

O corte dos salários teve ainda o efeito de concentrar renda e atingir um dos principais objetivos da política econômica do governo: concentrar renda no topo da pirâmide social, formando um mercado consumidor de alto poder aquisitivo, formado por cerca de 15 milhões de pessoas, que sustentariam o futuro crescimento da economia. Também elas, a própria classe média alta, seria expropriada pela aliança governo-oligarquias-empresários-multinacionais.

Um último detalhe: a lei de remessa de lucros, que fixava em 10% a remessa de lucros das multinacionais às suas filiais, para evitar a sangria do país, foi revogada, e substituída por outra muito mais branda. Alguém duvidaria que, após essa revogação, as grandes empresas voltaram ao país?

4- Os mecanismos de repressão política e social

Em 1967, os militares emplacaram o líder da linha dura, General Costa e Silva, como presidente da República. Paralelamente, até o ano seguinte, completar-se-ia a fundação de uma série de órgãos destinados à repressão da atividade oposicionista em todos os níveis.

Foi com essa ideia que os DOPS (Departamentos de Ordem Política e Social) foram ressuscitados do Estado Novo (apesar de terem sido fundados em 1924, por Artur Bernardes), com o fim de reprimir qualquer movimento político contrário aos grupos governantes. Por outro lado, o Exército criou os DOI-CODI como instituições voltadas diretamente à coordenação das forças repressivas contra a esquerda; os DOI, sob o comando de um coronel, eram secções regionais, subordinadas aos CODI, órgãos centrais, articulados nacionalmente através das três armas, integrando voluntários das polícias civis, militares e federal. A diferença básica é que o primeiro órgão era civil e o segundo, militar. Ou seja, o DOI-CODI era muito mais cruel com seus "investigados''...


Contudo, o primeiro órgão a ser erigido pela repressão e para a repressão foi o famoso Serviço Nacional de Informação, o SNI. Foi inspirado na CIA norte-americana, detendo todos os serviços de informação e contra-informação internos e externos do país. Sua estrutura era comandada por um chefe, com status de ministro, que detinha enormes poderes, desde o de  ordenar a investigação de qualquer pessoa a expurgá-la do país, e estendia-se por todo o território nacional, em agências regionais e escritórios, que enviavam informações agência central em Brasília. As agências regionais controlavam umas as outras, mas sempre com o objetivo de identificar os inimigos do Regime e utilizar essas informações para abastecer a atuação do DOPS e do DOI-CODI; basicamente, indicavam a quem prender, interrogar ou mesmo matar, além de exercer um controle sobre a imprensa, escolas, Igrejas e sobre instituições financeiras e empresariais (para que não financiassem os inimigos da ditadura). Os agentes ("cachorros'', não remunerados, e "secretas'', agentes profissionais) infiltravam-se em todas essas instituições (inclusive nos níveis da Administração Pública, até os mais altos), sem saber da infiltração de outros agentes. Sua ação completava-se pela existência de diversas secretarias voltadas a setores específicos a serem vigiados. Uma delas manipulava a imprensa e garantia que apenas as informações de interesse do governo- até mesmo notas falsas para enganar a resistência da esquerda- fossem divulgadas. Mesmo dirigentes de empresas privadas eram vigiados; qualquer pessoa, em nome da segurança nacional, poderia ser vigiada e posteriormente atacada pelo braço armado da repressão.

Tais órgãos encontraram respaldo em duas leis, ditas de Segurança Nacional, impostas por dois decretos presidenciais, em 1967 e 1969, onde legitimava-se a ação do Estado contra os inimigos internos do país, os subversivos comunistas, sob o epíteto da proteção à ordem econômica e social a à paz social. Qualquer um podia ser detido com base na LSN, tendo todos seus direitos e garantias suspensos: haveria um conflito entre o indivíduo e a sociedade e, para a sobrevivência desta, autorizar-se-ia os legítimos representantes da coletividade e do corpo social a impor a supremacia do interesse do corpo social. Trata-se de uma transladação da crença positivista-militarista, oriunda das ciência naturais, que via a sociedade como um sistema.


O texto da LSN definiu, após as medidas iniciais de aplicação da Lei, os crimes e penas relacionados contra a Segurança Nacional, prevendo sanções duríssimas (a maioria com pena-mínima superior aos 7 anos de reclusão) contra aqueles que atentassem contra o governo, a serviço de governos externos ou organizações internas subversivas, portassem armas de uso privativo das Forças Armadas ou praticasse atentados com motivações políticas, cominando a pena de prisão perpétua e mesmo a pena capital contra certos tipos de "crimes''. O crime de opinião, o crime político, o crime de subversão, o enquadramento de qualquer cidadão à Lei de Segurança Nacional, sua expulsão do Brasil e a vigilância de seus familiares, bem como a indisponibilidade dos seus bens, estavam agora institucionalizados e eram legais. Provocar tumultos (leia-se: manifestações contrárias ao Regime) dos quais resultassem em morte era crime punível com a pena capital! Por outro lado, os "criminosos'' enquadrados na LSN ficavam sujeitos à Justiça Militar e ao processo militar, bem mais rigoroso e sumário (por muitas vezes, arbitrário).

O alvo principal da repressão eram os comunistas (foi com base no perigo de uma revolução comunista inventada que os militares deram o Golpe), embora todos os opositores do regime fossem atacados.


Outro diploma legal a integrar o arsenal do Regime Militar foi a famigerada Lei de Imprensa, que procurou fortalecer ao máximo a repressão à mídia, através de penas mais duras aos jornalistas em caso de injúria ou difamação, mas também cominando penas quando os órgãos de imprensa divulgassem Segredos de Estado ou informações vitais à segurança nacional, sendo as penas aumentadas quando os afetados pela conduta criminosa fossem autoridades governamentais. Notícias falsas, contrárias aos bons costumes, ofensivas à moral pública ou instigadoras da desordem também eram puníveis. A lei previa um processo penal próprio, além de pesadas multas como resultado da responsabilidade civil de diretores, redatores, editores e jornalistas, bem como dos próprios proprietários das empresas de comunicação. O direito de resposta também era regulado, sendo um ponto considerado inconstitucional pelo STF, em julgado de 2009. 


Desnecessário dizer que a tortura era vista como um meio lícito de obtenção de informações, em nome da segurança nacional. Afinal, os fins justificam os meios.

O grande golpe, contudo, veio em 1968, com o chamado AI-5. Sobre ele, falaremos adiante.

5- A radicalização: 1968, o ano em que a ditadura escancarou-se

As aparências de normalidade constitucional e de cumprimento das formalidades legais eram mantidas pelo Regime e seus apoiadores civis de forma exemplar. Foi dentro do processo legislativo que o governo conduzia a situação do país, sendo beneficiado pelos super-poderes auto-outorgados pelos atos institucionais.

A oposição, contudo, beneficiou-se desse aparente retorno à legalidade e, por meio da Frente Ampla, conduziu uma série de protestos pelo país, visando isolar o Regime de apoio civil e pressionar pela saída dos militares do poder. Juscelino, Jango e Lacerda uniram-se na Frente e comandaram articulações nacionais para derrubar o regime. A UNE conduziu a gigantesca passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro, em represália à morte do estudante Edson Luís, morto em um protesto pacífico. Intelectuais e jornalistas independentes, como parte mais esclarecida da classe média, participaram dos movimentos de protesto, que cada vez mais atraim o interesse da população, embalada pelas músicas de protesto de Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso e outros grandes nomes da MPB.


Contra esse surto de protestos, agravado pela situação econômica recessiva a que as medidas de ajuste da economia conduziam, o novo presidente da República, Costa e Silva, resolveu utilizar todo o aparato repressivo da já revelada ditadura contra os revoltosos. Os militares invadiram as universidades, prendendo professores, estudantes e intelectuais, cassando opositores e aprisionando os principais articulistas da Frente Ampla. As informações do SNI foram vitais para a ação coordenada do DOI-CODI e do DOPS, que atingiram, em cheio, os chefes da oposição e da esquerda, que se desarticulou e dividiu-se. Essa divisão sobre o que fazer- realizar uma revolução, dialogar com os militares ou buscar o apoio popular para derrubar o regime de forma democrática?- despreparou a esquerda para o que estava por vir.


O vulcão da repressão explodiu, quando o deputado Márcio Moreira Alves discursou, da tribuna da Câmara dos deputados, contra as Forças Armadas, denunciando a prática geral da tortura pelo regime. Os militares ordenaram ao Congresso que o deputado fosse cassado pela Casa, que, em votação histórica e corajosa, absolveu Márcio. A resposta não tardaria. No dia seguinte, o ministro da Justiça apresentou ao Conselho de Defesa, presidido por Costa e Silva, o AI-5, prontamente aprovado.


O anúncio presidencial, impondo o novo ato de arbítrio ao país, deixou claro o objetivo da ditadura, que se revelava: destruir toda a oposição, todo foco de resistência aos militares, toda manifestação de crítica e liberdade de expressão. (Ao lado, Gilberto Gil e Nana Caymmi, participando da Passeata dos cem mil). A linha dura levou a ditadura às últimas consequências.


O AI-5 fechou o poder Legislativo, em todos os níveis da federação, decretando também a intervenção do Executivo em estados e municípios e a cassação em massa dos opositores do regime, dentre eles, Márcio e seus apoiadores na Câmara (mais de 10 mil políticos foram cassados, presos ou tiveram direitos políticos suspensos por 10 anos). Funcionários públicos voltaram a ser desligados do serviço público injustificadamente, e o estado de sítio foi decretado, onde as garantias e direitos individuais foram suspensos a bel-prazer da Ditadura; a medida garantiu que nem mesmo o poder Judiciário exercesse qualquer controle sobre os atos dos agentes públicos. Os bens dos subversivos e opositores foram confiscados e a censura prévia foi estabelecida. O pior é que o AI-5 não tinha prazo de duração.


O Exército agiu sem limites, nos 10 anos de vigência do AI-5. Prendeu e massacrou milhares de pessoas, e as que não foram alcançadas pelo braço da repressão fugiram do país rumo ao exílio. Qualquer manifestação de oposição era vista como crime, já que a definição do mesmo passou a ser dada pelo arbítrio das autoridades de repressão. Como todas as vias de manifestação foram cortadas, parte da esquerda partiu para a luta armada, tomando por base a desobediência civil. A inspiração da juventude brasileira era internacional, mais precisamente na vitoriosa revolução cubana, além do embalo cultural da revolução sexual, da revolta estudantil de 1968, em Paris, e o verão do amor, nos EUA, contra a guerra do Vietnã, estavam em franco acontecimento; alguns foram a Cuba, participar de programas de treinamento de guerrilha. O mundo jovem estava em guerra com a sociedade ocidental capitalista.


A ala guerrilheira era associada ao PCdoB, de tendência maoista, ou seja, acreditava poder derrubar o regime por meio de uma guerrilha rural. Outras facções começaram uma bem sucedida campanha de atentados urbanos contra autoridades e assaltos notórios a bancos, para obter recursos.


6- Considerações críticas: o mergulho na escuridão (1969) e o início dos anos de chumbo


Vimos rapidamente como o Regime militar enfrentava, inicialmente, divergências mesmo no plano intragovernamental. A vitória das oposições disparou o gatilho da repressão, que favoreceu a aliança entre a linha branda e linha dura para esmagar os civis e terminar o trabalho de repressão inciado em 1964.


Os militares procuraram derrubar os principais líderes da oposição e, quando necessário, buscaram apoio no grande capital externo, no latifúndio e nas lideranças civis mais conservadoras, como no terror da classe média propiciado pela "ameaça'' comunista. A falta de ação consistente da oposição em revidar os primeiros golpes da ditadura fortaleceu a última que, apesar da aparência de normalidade, realizou profundas reformas econômicas, jurídicas e políticas com o fim esclarecido de fortalecer seu próprio poder e dotar o país de uma superestrutura apropriada para a recepção de grandes investimentos privados externos, como era objetivo do principal articulador do Golpe e mentor ideológico da ditadura, os EUA.

O que ocorreu foi uma verdadeira policiação da sociedade em todos os níveis, para garantir a refundação de uma ordem estável para a recepção de investimentos ao país. Contudo, a radicalização política só aumentou, levando à respostas cada vez mais extremadas do Regime, que passava a classificar seus opositores como terroristas comunistas, procurados nacionalmente. A cultura do medo e da arbitrariedade passou a dominar a sociedade, cujos reflexos são sensíveis ainda hoje.

As medidas tomadas pelo Regime contra a oposição consistiram na descentralização da repressão, com a criação de órgãos especializados e autônomos, espalhados nacionalmente. Mas esse não foi o principal feito. A ditadura destroçou, por meio da repressão, todas as forças progressistas do país, incluindo aquelas que procuravam extirpar a corrupção da política e desenvolver o país, por meio da educação e de uma industrialização nacional; correram a apoiar o regime os políticos corruptos e originários das oligarquias, que exigiram um altíssimo preço para sustentar o Regime: participação nos lucros, diga-se, cargos públicos e recursos públicos era o principal pagamento pela manutenção da "governabilidade''. Juntos, ditadura e Arenistas implantaram, no país, a política da troca de favores, cuja moeda de troca eram os recursos públicos gerados pelo trabalho do povo brasileiro. Esse fisiologismo fez parte da engrenagem maior de aliança com o capital externo e alta burguesia nacional, que visavam tornar o Brasil o paraíso do consumo e da produção de bens industriais: esse consumo, tributado pelo governo, sustentou as oligarquias e empreiteiras, além de, por meio da queda dos custos de produção, propiciar altos lucros às multinacionais. (Ao lado, a capa da Revista Veja, apoiante do Regime, mostrando o presidente Costa e Silva ocupando uma das cadeiras do Congresso Nacional; nada melhor para ilustrar a concentração do três poderes nas mãos do Executivo controlado pelos militares).

E é assim que a ditadura militar criou outras ditaduras, as mais destacadas delas na classe política corrupta que temos ainda hoje no país e outra na mídia. Nesta última, os veículos de mídia contrários ao regime foram por ele exterminados e aqueles que o apoiaram ocuparam todo o mercado, com o apoio do capital externo ou público, sob o respaldo da Lei de Imprensa. Travou-se uma seleção política de jornais, canais de televisão e homens públicos, todos, diga-se, dirigidos pelos próprios interesses pessoais; por outro lado, a mídia mais séria, empresários em ascensão e políticos éticos foram proscritos e derrotados por não terem apoiado a ditadura. Esse foi e é o terrível preço pago pelo país até hoje (onde as classes políticas dominantes da atualidade foram forjadas pelo Regime), que se traduz na péssima classe política, no fisiologismo e em todos os problemas estruturais do país, onde a última ditadura da era do terror persiste nas nossas televisões e jornais, sob a forma do poderoso oligopólio midiático que controla os meios de comunicação do país. Por outro lado, a cultura da violência e da tortura implantada pelos mecanismos de repressão deixou marcas tão profundas que, ainda hoje, policiais seguem torturando suspeitos e agindo de forma extremamente violenta, como se vivessem nos tempos onde não havia direitos e garantias individuais a respeitar, o Estado de Exceção ditatorial.

O objetivo maior era arrancar da população todas as riquezas por ela geradas. A repressão foi apenas uma parte menor e um meio de atingir esse fim nada nobre e despreocupado com a Segurança Nacional... a não ser dos investidores, do Exército e da corrupta classe política. Tanto é que, quando a ditadura passou a ser um estorvo à continuidade dos lucros e do domínio de certas classes, foi gradualmente abandonada e convenientemente descartada.


E é em meio ao terror da longa noite iniciada em 1969, com a morte de Costa e Silva e a ascensão do tenebroso General Emílio Garrastazu Médici, que terminamos esse post. Logo mais, daremos seguimento à penúltima parte de nosso estudo- o milagre econômico, o auge do regime militar e o mito do Brasil potência. Aguarde!

domingo, 8 de julho de 2012

Muito além do Sobrenatural

Apesar de seu caráter quase excepcional, o sobrenatural está presente diariamente em nossas vidas. Séries como "Sobrenatural'' e películas memoráveis como "O Exorcista'' e "A Bruxa de Blair'' já fazem parte da vida de muitos cinéfilos e curiosos, ainda causando fisgadas na barriga e arrepios de pavor nos mais sensíveis. Todavia, a ideologia materialista da sociedade de consumo difunde a ideia de que apenas aquilo que pode ser tocado e visto, ou melhor, dominado pelos sentidos cognitivos do homem, é real, mas utilizando, paradoxalmente, a velha fascinação do homem pelo sobrenatural como meios de difusão de produtos e serviços. O marketing, sob esse enfoque, é a única utilidade aparente do Sobrenatural, visto como uma mera sombra do passado, um simples aspecto do milenar misticismo que acompanha a humanidade desde seus primórdios, obstruído pelas luzes da razão e da ciência. Mas cabe indagar acerca de um fenômeno curioso: embora a "ideologia oficial'' da sociedade capitalista veja o Oculto como abstração amortizante ou uma amostra do misticismo anacrônico, vêm-se desenvolvendo um grande movimento de oposição a tais visões materialistas, reafirmando a ontologia do Sobrenatural. Segundo os adeptos dessas correntes de pensamento exóticas, lobisomens, vampiros, espíritos e Companhia Ltda. andam entre os desavisados humanos; aqui, cabe investigar: o Sobrenatural é real? Se o for, até que ponto?

Vamos começar nossa análise por um ingrediente fundamental: o medo.

Dizem os antropólogos que o medo é um sentimento vital para a humanidade. Foi o medo da solidão, do escuro e da fome que levou os seres humanos a se unir para enfrentar o hostil ambiente primitivo; contudo, a escuridão, a morte e os inexplicáveis fenômenos da natureza, em algum momento, começaram a ser atribuídos a seres sobrenaturais; em uma palavra, todos os horrores temidos pela humanidade (como as virtudes, ciclos naturais, fenômenos naturais benéficos) foram encarnados em figuras ou entidades, zoomórficas (o que foi mais comum) ou antropomórficas. Surgiram, assim, deuses, demônios e variados monstros, todos entrelaçando-se em mitos. O mito, uma palavra fundamental para a antropologia, é uma narrativa antiga que versa sobre os princípios da sociedade- ele responde, através de elementos sobrenaturais, ao velho enigma do "quem somos? De onde viemos?'', servindo para dar alguma estabilidade axiológica às nascentes sociedades. E o mito do sobrenatural- de que haveria uma ordem superior ou supra física, não sujeita às simples leis na natureza- é uma manifestação universal da humanidade, caraterizada pela ontologização do medo, encarnado na figura de criaturas sobrehumanas. Cada uma delas representava um aspecto do medo (por exemplo, na cultura grega, a Medusa representa as potencialidades malignas da mulher; o minotauro, o perigo das forças silvestres etc) a perpetuar esses pequenos mitos sobreviventes.

Todavia, apesar desse universalismo, o mito do sobrenatural decaiu nos últimos séculos, após dezenas de milhares de anos de hegemonia.

De início, cabe explicar o porque dessa tendência de virada radical de pensamento. Basicamente, o paradigma filosófico da modernidade pressupunha ser apenas os objetos perceptíveis pelos sentidos humanos e por eles interpretados, segundo o método científico, reais. Assim, os fenômenos da natureza são enquadrados em conceitos científicos e explicados segundo leis específicas, provando ao homem de que nada de místico há em sua ocorrência; o próprio homem passa a ser explicado segundo o método científico, e as teorias da evolução, que mostram ser o meio-ambiente e os seres vivos resultados da gradual seleção natural, desterram de vez qualquer explicação sobrenatural acerca da condição humana, associadas aos períodos obscurantistas da humanidade, marcados pela fome, guerras e caos. Trata-se da racionalização do mundo, onde as brumas do Ocultismo são varridas pelo pretensamente infalível método cartesiano-baconiano, junto com o absolutismo, a moral feudalista e as demais crendices primitivas. O mundo passa a ser totalmente explicável, pela razão, nele se incluindo a personalidade humana, cujos medos e fobias são associadas a causas materiais e passam a ser objetos de tratamentos médicos racionais. O sobrenatural passa a ser identificada com a crendice e o misticismo de culturas pouco avançadas filosoficamente, já que todas as sociedades guiariam-se, cada vez mais, através da razão, para organizações coletivas parecidas com a sociedade moderna (e europeia, diga-se, numa filosofia da história progressista e etnocentrista).

Contudo, ocorreu uma grande falha no processo de racionalização do mundo. Descobriu-se, gradualmente, que certos objetos são totalmente incognoscíveis ao homem (os núcleos atômicos; o cosmo além do alcance dos telescópios; a história primitiva da humanidade), e, por outro lado, a suposta ordem a priori da natureza é mera ficção humana, ou seja, o próprio pesquisador cria a ordem da realidade, e mesmo o objeto de estudo! Admitiu-se que o mundo, tal como ele é, não é totalmente acessível ao homem; as explicações fundadas na lógica e na razão foram vistas como meras possibilidades entre as muitas possíveis, já que pergunta-se o seguinte: quem seleciona os meios pelos quais distingue-se o certo do errado, e como o faz? A epistemologia adotada é, então, apenas uma dentre as demais.

Na verdade, o próprio homem capta parte da realidade, selecionando as mais adequadas, dando-lhe sentido e interpretando-as de forma altamente subjetiva (engendrando "imagens'' ou figurações da realidade), sendo lícito dizer que existiria um mundo para cada homem; as necessidades da vivências social, por sua vez, impõem visões majoritárias (imagens de segunda ordem ou figurações coletivas) sobre aspectos básicos da realidade (o Direito, a Moral e a Política, centradas em Deus, no Estado e na coletividade, enquanto figurações), que reprimem as interpretações nocivas ao sistema social. Esse, por sua vez, é o dilema da pós-modernidade, onde há um mundo para cada homem (e um direito, uma moral, uma política...), permanentemente vigiado por um mecanismo repressor que impõe um "mínimo-ético'' ao sujeito. Esse mínimo ético é a própria Lei do Mercado...

Por outro lado, a relativização da moral europeia destruiu a crença de que sua sociedade racional seria a dona da verdade. Com o pós-modernismo, passou-se a aceitar as explicações de mundo das outras sociedades (inclusive as mais primitivas) como de igual valor às sofisticadas visões positivistas modernas.

Sem mais divagações, essa redução do mundo à subjetividade de cada um, além da impossibilidade de captar o mundo como ele é (ser ou noumeno), ao lado da consideração de elementos irracionais impossíveis de serem explicados, ao menos no momento (oriundos da ausência de um sentido a priori da história ou da natureza...) são os pressupostos filosóficos que possibilitaram o retorno do Sobrenatural como um tema de especulação relativamente sério para a maioria das pessoas. O segundo pilar desse estranho retorno foi fornecido pelo próprio sistema capitalista, o filho da razão cientificista: a globalização cultural. Por esta, as produções culturais dos países hegemônicos são difundias e transformadas em manias, estereótipos a serem seguidos pelos que ambicionam serem aceitos pela sociedade da exclusão. Assim, filmes, livros e músicas (até novelas...) são os principais difusores do Sobrenatural no mundo pós-moderno.

Não se trata, porém, do Ocultismo o principal beneficiado por essa conjugação de fatores. Na verdade, o trabalho de marketing capitalista utiliza os velhos modelos de fantasia em geral (histórias medievais-fantásticas, por exemplo, ou relacionados aos ditos "super-herois'') como carro-chefe dessa "cultura enlatada''. Harry Potter, Senhor dos Aneis, Guerra de Tronos, Narnia, Vingadores, Avatar... são campeões de bilheteria ao redor de mundo, e arrecadam ainda mais com os produtos derivados (bonecos, livros, trololós diversos...). O apelo ao terror e ao sobrenatural é invocado com os mesmos objetivos.

Há quem diga que os modismos criados pelo mundo mágico da globalização são meras cartas de distração. São ótimos meios para despolitizar a juventude e encerrar suas forças cognitivas em especulações sobre mundos irreais, enquanto o verdadeiro mundo padece na pobreza, ignorância e exploração que são as motivações das próprias fantasias. Trata-se de um verdadeiro vale-tudo, com o objetivo específico de alienar a juventude e, por meio dessas abstrações "fantásticas'', divulgar os produtos e modo de vida capitalista pós-moderno.

Eis o porque do retorno do Oculto. O mundo perdeu sua razão universal, seu método científico que garantiria a não-existência de horrores além da imaginação nas sombras da realidade, ao passo em que repopularizaram-se velhos mitos sobrenaturais. Não mais como explicações sobre a realidade ou corporificações do medo, que poderiam ser destruídas, contidas ou afastadas por orações, sacrifícios, objetos. Mas sim como amplas distrações e poderosos instrumentos de Marketing.

As grandes empresas não tem, assim, qualquer objeto cultural em reviver o Sobrenatural e o Oculto. Mas sua atuação vem causando consequências imprevisíveis: por todo o mundo, grupos de pessoas vem realmente acreditando no que se divulga pela mídia sobre o sobrenatural. Ou seja: recomeçam a crer em misticismos, magia, monstros. Alguns se excluem em seitas fechadas (e até mesmo chegam a matar, em seus jogos repulsivos, como fica notório de tempos em tempos), enlouquecem ou simplesmente isolam-se do mundo exterior para viver suas fantasias. São movimentos antes irrelevantes, mas que vem alcançando um grau preocupante de expansão.

Cada vez mais, jovens inseguros e depressivos estão se tornando maioria: por viverem mais em busca de fantasias sobrenaturais, acabam perdendo lentamente o contato com o mundo exterior e seus níveis de socialização decaem. O verdadeiro horror da pós-modernidade é uma solidão avassaladora que toma conta daqueles que insistem em correr atrás de abstrações irreais.

Em suma, de mitos cuja função consistia em explicar a realidade e aprisionar o medo em módulos abstratos capazes de serem dominados e destruídos, o Sobrenatural e o Oculto tornam-se verdadeiros objetos de adoração, graças à veiculação do sistema capitalista e à queda do paradigma filosófico da modernidade. Ora, se certas coisas não são explicáveis ou se o objeto de estudo é indescritível em sua essência, explicar o mundo (o inexplicável pela razão) por elementos sobrenaturais e fantásticos não parece ser tão ridículo quanto era no século XIX e inícios do século XX, e, mais que isso, tornam-se uma febre. Se todos os discursos sobre a realidade (inclusive o Sobrenatural) tem o mesmo valor, e se cada homem pós-moderno pode escolher no que acreditar (excetuando-se a absoluta Lei do Mercado...), vinculando-se a missiva propaganda e modismos com relação à fantasias infanto-juvenis, temos o cenário perfeito para o retorno do Sobrenatural. Acompanhado de todos os efeitos colaterais que já citamos.

Que fazer diante de tal cenário? Enquanto os nobres acadêmicos e os demais cidadãos se empenharem em viver nesse mito em de que cada homem pode se auto-determinar e o resto de mundo que se dane (exceto a Lei do Mercado...), onde os mais fortes acabam dominando os fracos mesmo de forma mental (que diria Huxley disso?), só nos resta conscientizar o máximo de pessoas o possível e, cada vez mais, aprofundar nossos laços sociais com a família, amigos e organizações. Só assim superar-se-á os devastadores efeitos nocivos do retorno do Sobrenatural e o verdadeiro monstro que atormenta bilhões de seres humanos, reunindo a vampírica fome insaciável por dinheiro e um grau de profanismo blasfematório digno dos  demônios: o capitalismo mundial, a verdadeira mente por trás do boom de filmes, séries, livros sobre o Oculto. Um monstro que vem tornando cidadãos em submissos zumbis: como na magistral cena do filme "O Exorcista'', um dos poucos filmes sobre o Sobrenatural que possui algo mais do que efeitos especiais e medo barato, aqueles que leram este post até aqui estão diante de uma mansão sombria, onde, escondendo-se sob a pele de uma doce garotinha, está um mal milenar pronto para destruir tudo ao redor, jogando as pessoas umas contra as outras e locupletando-se com o sofrimento delas. Hora de ajeitar o chapéu, erguer os olhos e preparar nossas maiores armas para o embate contra a Besta: a conscientização, a coragem, a propagação da verdade e a fé na união e no amor (que, para mim, chama-se Deus). O verdadeiro mal está muito além da telinha, manipulando-nos com cordas de marionete!

sábado, 7 de julho de 2012

Dez fatos chocantes sobre os EUA


A mídia brasileira tem em seu DNA o gene norte-americano: foram capitais oriundos da Bolsa de Wall Streat que possibilitaram o surgimento da Rede Globo, da Veja e do Estado de São Paulo, os três veículos hegemônicos do no mercado jornalístico. Não bastasse isso, sempre defenderam o alinhamento automático com os EUA, de acordo com os desejos dos grandes empresários. Essa defesa justificava-se, muitas vezes, pelo retrato idealista da sociedade norte-americana veiculado pelos grandes órgãos de imprensa. A verdade é que, apesar dos filmes, músicas e reportagens imporem uma imagem metafísica dos EUA, o verdadeiro país das oportunidades é muito mais sombrio... fiquem, agora, com uma matéria transcrita do Blog "Democracia e Política''.


“Apesar de se apresentarem ao mundo como ‘defensores dos direitos humanos’ no seu país e em nível internacional, os Estados Unidos cometem uma série de violações que representam o desrespeito a milhares de estadunidenses, especialmente aos mais pobres e aos negros. Neste artigo, Antônio Santos, comenta dez fatos nesse sentido.

Por Antônio Santos, no “Diário da Liberdade”, da Espanha/Portugal



1 - Os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo.


Apesar de comporem menos de 5% da humanidade, os EUA têm mais de 25% da comunidade [mundial] presa. Em cada 100 americanos, um está preso.


Desde os anos 1980, a surreal taxa de encarceramento dos EUA é um negócio e um instrumento de controle social: à medida que o negócio das prisões privadas se alastra como gangrena, uma nova categoria de milionários consolida o seu poder político. Os donos desses cárceres são também, na prática, donos de escravos, que trabalham nas fábricas no interior da prisão por salários inferiores a 50 centavos de dólar por hora. Esse trabalho escravo é tão competitivo que muitos municípios sobrevivem financeiramente graças às suas próprias prisões, aprovando simultaneamente leis que vulgarizam sentenças de até 15 anos de prisão por crimes menores como roubar uma pastilha elástica [chicletes]. O alvo dessas leis draconianas são os mais pobres, mas sobretudo os negros que, representando apenas 13% da população americana, compõem 40% da população prisional do país.

2 - Cerca de 22% das crianças americanas vivem abaixo do limiar da pobreza

Calcula-se que cerca de 16 milhões de crianças americanas vivam sem “segurança alimentar”, ou seja, em famílias sem capacidade econômica de satisfazer os requisitos nutricionais mínimos de uma dieta saudável. As estatísticas provam que essas crianças têm piores resultados escolares, aceitam piores empregos, não vão à universidade e têm maior probabilidade de, quando adultos, serem presos.


3 - Entre 1890 e 2012, os EUA invadiram ou bombardearam 149 países. É maior a quantidade dos países do mundo em que os EUA intervieram militarmente do que aqueles em que ainda não o fizeram. Números conservadores apontam para mais de 8 milhões de mortes causadas pelos EUA só no século 20. 

E por trás dessa lista escondem-se centenas de outras operações secretas, golpes de Estado (como no caso do Brasil em 1964) e patrocínio de ditadores e grupos terroristas. Segundo Obama, que conquistou o Nobel da Paz, os EUA têm, neste momento, mais de 70 operações militares secretas em vários países do mundo. O mesmo presidente criou o maior orçamento militar norte-americano desde a Segunda Guerra Mundial, batendo de longe George W. Bush.

4 - Os EUA são o único país da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que não oferece qualquer tipo de subsídio de maternidade. Embora esses números variem de acordo com o Estado e dependam dos contratos redigidos pela empresa, é prática corrente que as mulheres americanas não tenham direito a nenhum dia pago, nem antes, nem depois de dar à luz. Em muitos casos, não existe sequer a possibilidade de tirar baixa sem vencimento. Quase todos os países do mundo oferecem entre 12 e 50 semanas pagas em licença de maternidade. Nesse aspecto, os Estados Unidos fazem companhia à Papua Nova Guiné e à Suazilândia com zero semanas. 

5 - 125 americanos morrem a cada dia por não poderem pagar qualquer tipo de plano privado de saúde. Se não tiverem seguro de saúde (como 50 milhões de americanos não têm), então, têm boas razões para recear mais a ambulância e os cuidados de saúde que lhe vão prestar, que um inocente ataquezinho cardíaco. As viagens de ambulância custam, em média, 500 euros, a estadia num hospital público mais de 200 euros por noite, e a maioria das operações cirúrgicas estão situadas nas dezenas de milhares. É bom que possa pagar seguro de saúde privado. Caso contrário, a América é a “terra das oportunidades” e como o nome indica, terá a “oportunidade” de se endividar até às orelhas e também a “oportunidade” de ficar em casa, fazer figas e esperar não morrer desta vez.

6 - Os EUA foram fundados sobre o genocídio de 10 milhões de nativos.

Entre 1940 e 1980, 40% de todas as mulheres que viviam em reservas índigenas foram esterilizadas, contra sua vontade, pelo governo americano. Esqueçam a história do “Dia de Ação de Graças”, com índios e colonos a partilhar placidamente o mesmo peru à volta da mesma mesa. A História dos Estados Unidos começa no programa de erradicação dos índios. Tendo em conta as restrições atuais à imigração ilegal, ninguém diria que os fundadores desse país foram eles mesmos imigrantes ilegais, que vieram sem o consentimento dos que já viviam na América. Durante dois séculos, os índios foram perseguidos e assassinados, despojados de tudo e empurrados para minúsculas reservas de terras inférteis, em lixeiras nucleares e sobre solos contaminados. Em pleno século 20, os EUA puseram em marcha um plano de esterilização forçada de mulheres índias, pedindo-lhes para colocar uma cruz num formulário escrito numa língua que não compreendiam, ameaçando-as com o corte de subsídios caso não consentissem o ato ou, simplesmente, recusando-lhes acesso a maternidades e hospitais. Mas que ninguém se espante, os EUA foram o primeiro país do mundo a levar a cabo esterilizações forçadas ao abrigo de um programa de eugenia, inicialmente contra pessoas portadoras de deficiência e mais tarde contra negros e índios.


7 - Todos os imigrantes são obrigados a jurar não ser comunistas para poder viver nos EUA. Para além de ter que jurar que não é um agente secreto, nem um criminoso de guerra nazi, vão-lhe perguntar se é, ou alguma vez foi, membro do “Partido Comunista”, se tem simpatias anarquistas ou se defende intelectualmente alguma organização considerada “terrorista”. Se responder que sim a qualquer dessas perguntas, ser-lhe-á automaticamente negado o direito de viver e trabalhar nos EUA por “prova de fraco caráter moral”.



8 - O preço médio de um curso superior numa universidade pública é 80 mil dólaresO ensino superior é uma autêntica mina de ouro para os banqueiros. Virtualmente, todos os estudantes têm dívidas astronômicas que, acrescidas de juros, levarão, em média, 15 anos a pagar. Durante esse período, os alunos tornam-se servos dos bancos e das suas dívidas, sendo muitas vezes forçados a contrair novos empréstimos para pagar os antigos e ainda assim sobreviver. O sistema de servidão completa-se com a liberdade dos bancos de vender e comprar as dívidas dos alunos a seu bel-prazer, sem o consentimento ou sequer a informação do devedor. Num dia, deve-se dinheiro a um banco com uma taxa de juros, e no dia seguinte pode-se dever dinheiro a um banco diferente com nova e mais elevada taxa de juros. Entre 1999 e 2012, a dívida total dos estudantes americanos ascendeu a 1,5 trilhões de dólares, subindo assustadores 500%.

9 - Os EUA são o país do mundo com mais armas de fogo por habitante: para cada 10 americanos, há 9 armas. Não é de espantar que os EUA levem o primeiro lugar na lista dos países com a maior coleção de armas. O que surpreende é a comparação com o resto do mundo: no resto do planeta, há 1 arma para cada 10 pessoas. Nos Estados Unidos, 9 para cada 10. Nos EUA, podemos encontrar 5% de todas as pessoas do mundo e 30% de todas as armas, qualquer coisa como 275 milhões. E essa estatística tende a se extremar, já que os americanos compram mais de metade de todas as armas fabricadas no mundo.



10 - Há mais americanos que acreditam no Diabo do que os que acreditam em Darwin. A maioria dos americanos é cética; pelo menos no que toca à teoria da evolução, em que apenas 40% dos norte-americanos acredita. Já a existência de Satanás e do inferno, soa perfeitamente plausível a mais de 60% dos americanos. Essa radicalidade religiosa explica as “conversas diárias” do ex-presidente Bush com Deus e, mesmo, os comentários do ex-candidato Rick Santorum, que acusou os acadêmicos americanos de serem controlados por Satã.”

FONTE: Blog Democracia e Política; escrito por Antônio Santos, no “Diário da Liberdade”, jornal eletrónico realizado a partir da Galiza (Espanha), mas de âmbito lusófono. Conta com colaboradores galegos, portugueses e brasileiros. Artigo transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=187846&id_secao=9).

domingo, 1 de julho de 2012

O rearranjo da política brasileira- a privatização do Estado e a ascensão das Oligarquias

Recentemente, estamos acompanhando uma sucessão de escândalos na política nacional, por meio do rearranjo cada vez mais sórdido das alianças partidárias. Cada vez mais, as antigas ideologias, que opunham partidos políticos em disputas antológicas, dissolvem-se no como torrões de açúcar apodrecidos nas águas do pragmatismo. A pergunta essencial que o brasileiro médio faz é: porque?

Talvez uma análise materialista possa solver a dúvida. Após a queda do regime militar, o Brasil chegou à aurora da democracia representativa totalmente desorganizado, institucional e economicamente, mas, paradoxalmente, as antigas classes políticas encontravam-se firmemente atreladas à plataformas políticas clássicas. O PT defendia a implantação do socialismo no país, enquanto o PSDB era adepto da social-democracia de estilo europeu. Todavia, tanto um como outro, em suas oportunidades de governo, tiveram de se adaptar às estruturas políticas gestadas pela ditadura. Esta assentou-se em práticas políticas que uniam, paradoxalmente, um sub-sistema de boas relações e troca de favores entre Executivo e Legislativo, cuja unidade monetária era a distribuição dos cargos e recursos públicos e, por outro lado, na definição da pauta de gestão pública por técnicos especializados, os "tecnocratas''. Assim, os conchavos políticos determinavam a forma de distribuição dos recursos e, com base em tais alianças, e visando sempre o bem da coligação partidária e de seus financistas, traçava-se o plano de governo, cuja execução era tarefa dos técnicos. 

Trata-se, então, da essência do chamado "presidencialismo de coalizão'', onde o manejo do poder político só é possível com a formação de alianças multipartidárias, estruturadas na distribuição, em fatias, do Estado ou dos recursos públicos, sem objetivar quaisquer metas sociais ou econômicas. Isso favoreceu uma tendência histórica na organização do Estado brasileiro: a hipertrofia do Executivo, que agiu (e age) como o materializador dessa distribuição de recursos, subordinando, assim, os próprios parlamentares aos seus desígnios. O grande problema dessa forma de organização política se expressa na troca de favores entre as esferas dos poderes, que sempre agem em benefício próprio, sem qualquer consideração dos interesses populares. É o que Max Weber denominou "Patrimonialismo'', pelo qual as classes políticas governam a Coisa Pública como se dela fossem proprietárias, extraindo dela o máximo lucro.


A hipertrofia dos Executivos (nas três esferas de governo), o subsistema das boas relações e o presidencialismo de coalizão se estruturam de maneira hierárquica, do plano nacional ao plano regional e local. Assim, criam-se alianças desde o município mais afastado do Acre até a capital estadual, que obedece às diretrizes emanadas de Brasília. Trata-se de um fenômeno singular, surgido com a descentralização política imposta pela Constituição de 1988: uma descentralização, diga-se, meramente figurada e formal (e que, paradoxalmente, favorece a centralização material do poder nas mãos da União), já que as competências legais da União e sua fontes de receita superam em muito as de Estados e Municípios, que, paradoxalmente, foram amarrados à prestação de serviços públicos (competências ditas materiais) muito superiores às suas fontes de financiamento. Cada vez mais, um governador ou prefeito precisa se submeter às benesses da coalizão imperante em Brasília para executar programas de governo de qualquer espécie. Essa centralização "às avessas'' seria completada, como se verá, pelas reformas efetuadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

Políticos, contudo, não surgem do nada. Campanhas custam caro, e são justamente as grandes empresas que mantêm contratos com o governo que estão entre as maiores financiadoras de campanhas eleitorais do país. O objetivo é manter os contratos com a Administração Pública sob o jugo de um oligopólio, mesmo que isso implique a execução de gastos de maneira totalmente ineficiente, em claro desrespeito ao princípio homônimo. 

O que se estruturou, a partir do oligopólio formado sobre as relações entre Estado e setor privado por tais empresas (Camargo e Correia, Odbrecht, e, como ficou notoriamente conhecido, Delta), ao lado do presidencialismo de coalizão, do patrimonialismo e da formação de alianças hierarquizadas e nacionais foi um regime de extração de riqueza da sociedade para as mãos de indivíduos privados, sejam empresas, sejam os próprios políticos (outra das "reformas'' cardosinas). Muito se fala em corrupção e corruptos, mas pouco se reflete sobre os corruptores, as grandes empresas e bancos (que detêm a Dívida do setor público sob seu império)  que desfrutam dos favores estatais, os garantidores de seus monopólios e oligopólios. Nem sempre, contudo, os políticos permaneceram atrelados ao grande poderio privado.

Assim, quando o PSDB e PT, principais forças políticas nacionais, chegaram ao poder, perceberam que, sem articular tais alianças, seria impossível governar. Acabaram, pois, envolvidos com as forças políticas arcaicas que sustentavam esse sistema viciado- o PFL, ex-ARENA, e o PMDB- e por elas foram absorvidas. As bandeiras ideológicas foram postas ao chão, em nome da governabilidade.


O que aconteceu foi a difusão de um consenso generalizado, entre a classe política, sobre a necessidade de reformas. O setor privado também pressionou por mais liberalismo econômico, controle dos gastos sociais e queda dos custos de produção, além da elevação dos juros e combate da inflação; o resultado foi a Reforma do Estado, operada por Fernando Henrique Cardoso. O atrelamento do Real ao Dólar (o regime de câmbio flutuante), as metas de superávit primário (que reduziram os gastos sociais) e de inflação (pelo qual o Banco central poderia, de forma independente, aumentar os juros para conter a alta de preços)passaram a ser os três pilares da política macroeconômica. O Estado, por sua vez, privatizou mais de setenta estatais, retirando-se da economia, cortou postos de trabalho em sua estrutura, impôs rígidas normas de controle de gastos com pessoal e, mais que isso, pela LRF, vedou a possibilidade de que receitas de capital (empréstimos) financiassem despesas correntes (de custeio): essa combinação acabou com os gestores irresponsáveis que endividavam a máquina pública, com fins eleitorais, e deixavam a conta para os sucessores, em uma das causas que alimentava a inflação. 

Por outro lado, o corte dos gastos sociais foi acompanhado pelo aumento da carga tributária, que saiu dos 27% do PIB para 40%. Esse aumento aflitivo incidiu sobre os bens de consumo básicos, penalizando os mais pobres; a lógica interna era extrair o máximo possível de recursos das classes baixas para financiar os inchaços da máquina pública, os subsídios ao agronegócio e para o pagamento da extraordinária explosão da dívida externa e interna (que atingiram 65% do PIB), oriunda do aumento de juros para o controle da inflação e, até 1999, com os esforços para manter o regime de câmbio fixo (U$ 1= R$ 1), o verdadeiro fator que derrubou a inflação. Como o consumo no país reduzia-se, junto com os salários dos trabalhadores, pelo custo dos juros, a arrecadação de receitas públicas caiu, e o Estado endividou-se mais. Em 2002, o governo FHC gastava 11 vezes mais do que quando assumira o governo do país, amargando uma taxa média de crescimento econômico inferior a 2%. Conclusão: os mais pobres pagaram para que o Estado sustentasse, artificialmente, os lucros das elites financeiras do país, ao custo do endividamento público, sucateamento dos serviços sociais (se o Estado se retira do setor, alegando transferí-lo ao setor privado, mas eleva os juros, em um país onde só os mais ricos teriam acesso a tais serviços, o resultado é o abandono do setor; o resultado é a elaboração de mecanismos que reproduzem a desigualdade social, onde mesmo o acesso a direitos e serviços básicos foram monetarizados, privatizados...) e, por sua vez, estagnação econômica. O resultado do coquetel neoliberal foi a quase-quebra da economia, que só não caiu pela pedido de misericórdia do governo ao FMI, que emprestou U$ 40 bilhões ao país, quando da crise da Malásia. Abandonou-se o regime de câmbio fixo (ou "banda cambial'', como dizem alguns) e realizaram-se a maiorias das reformas financeiras (PROER e PROES, anteriormente, já tinham injetado mais dinheiro público nos bancos...).

Em outra manobra legal, os Estados-membros foram proibidos de emitir títulos (pelos quais se endividavam) e a grande maioria de seus bancos foi privatizada, fato que enfraqueceu o poder os governadores em determinar os rumos da política nacional (era comum emitir títulos, através dos bancos estaduais, e super-endividar o Estado, para financiar campanhas eleitorais ou os votos de bancadas inteiras do Congresso Nacional). O resultado dessa última reforma foi a centralização do poder político nas mãos da União, que passou a ser a ponte de ligação entre os políticos e as empresas que os financiam, e, por sua vez, a dependência entre a classe política o grande capital se tornou endêmica (antes, ao superendividar os Estados, as bancadas possuíam mais autonomia para decidir os rumos do país, mas, transferindo-se sua fonte de financiamento para o setor privado, essa autonomia encerrou-se). O que FHC fez, com o massivo apoio de sua base governista (composta por mais de 400 deputados e 65 senadores) foi reformar o velho sistema político, que dava provas de ineficiência, e engendrar um novo, "sustentável'' e estável, que permitiria às elites econômicas e aos seus políticos longos anos de doces lucros, frutos do suor e do consumo do resto da sociedade.

O novo sistema, um rearranjo do presidencialismo de coalizão, com o fortalecimento do Presidente da República, a partir das alianças estruturadas do plano local ao nacional (cuja essência era a obtenção de recursos para a própria perpetuação no poder, algo que só  como poderio econômico, fiscal e político da União seria possível, por esta deter o contato econômico com as grandes empresas dispostas a tal), caminhou rumo a um centralismo patrimonialista e estamental, muito análogo ao regime político existente até a ditadura. As movimentações políticas que hoje acompanhamos são meras negociações entre as castas políticas, que buscam dividir recursos, cargos e áreas inteiras do Estado entre si, com o objetivo de usá-las como meios para permanecer permanentemente no poder; a rotatividade é por elas abominada: na verdade, não há opções de troca, já que, frequentemente, os partidos que fazem oposição um ao outro acabam por acertar, reciprocamente, alianças obscuras cujo objeto é a pauta de discussões do Congresso ou a disposição de cargos ou contratos da Administração Pública.


"Tudo o que é sólido desmancha-se no ar'', diante dos interesses de perpetuação da atual classe política, nisso incluindo-se ideologias. Nisso, podemos notar os seguintes efeitos do modelo de coalizões na política brasileira:

-A oligarquização das siglas partidárias (o "PT'' de Humberto Costa, o "PT'' de Dirceu ou de Tião Viana, por exemplo), que se pulverizam, nos Estados, sob o domínio de grupos políticos bem relacionados com o Governo federal. Trata-se de um sistema semelhante à política dos governadores, mas dele diferenciado pela proeminência da União nas alianças políticas, onde as oligarquias de cada Estado sintonizam-se com com a esfera federal. O grande paradoxo reside no fato de que as Executivas nacionais estão concentrando todo o poder nas mãos dos "donos'' regionais das legendas.

-A crise de identidade da oposição formal (PSDB e DEM) que, tendo participado dos conchavos quando exerceram o governo, não tem como criticá-los a posteriori, o que resulta em um verdadeiro esmagamento da oposição a cada eleição. 

-A formação de amplas maiorias parlamentares, através da distribuição de recursos públicos, que estruturam alianças baseadas na mais pura troca de interesses pecuniários. Muitas vezes, mesmo partidos que se trucidam, historicamente, como PT e DEM, estão juntos das eleições...

- Os dois últimos fatores ensejam o fortalecimento do Executivo, que subordina o Legislativo aos seus desígnios (a velha metáfora da prostituta: se o cliente paga, o serviço deve ser feito...).

O exemplo de Pernambuco: 43 dos 49 deputados estaduais são governistas; mais de 20 partidos apoiam o governo, que sintoniza-se com o Planalto; recursos e cargos são distribuídos entre os aliados, e as maiores empresas do estado estão na lista de financiadoras eleitorais de Eduardo Campos. Mas o trabalho duro de gerir o Estado é feito por técnicos apolíticos... onde está o interesse público em toda essa história?

- O esvaziamento, dentro da discussão política, de ideias e projetos para o país; a pauta política passa a ser meramente o debate sobre o que é necessário para manter os grupos políticos hegemônicos no poder, e como tomar essas medidas (através dos programas governamentais que pouco ostentam altruísmos ou sensibilidade social). Isso repercute na ausência de um projeto nacional para o Brasil, estadual para Pernambuco ou local, para Recife.

Em suma, a política brasileira de hoje é a mera arte da formulação de amplas alianças, que possuem como cimento e moeda de troca a distribuição da riqueza gerada pelo esforço da coletividade (sobretudo, classes médias e pobres) e apropriada pela voracidade do fisco estatal, que as transfere, de bom grado, às maiores empresas e instituições financeiras do país. Não há, portanto, distribuição, mas concentração de renda, só que em mãos cada vez mais diminutas, o que provoca a aparência de que todos estão um pouco mais ricos. 


Portanto, não é de se estranhar as recentes alianças de Lula com Paulo Maluf e o seu partido, o PP, ou o acertamento entre o PMDB de Pernambuco, controlado por Jarbas Vasconcelos, e o PSB de Eduardo Campos. Esse último procura estruturar uma poderosa aliança, desde os municípios mais distantes do Estado até a capital Brasília, visando lançar-se como candidato à presidência da República, em 2014. Sua atuação é o mais perfeito exemplo de como se dá a política no Brasil: alianças políticas determinam a pauta de governo e, por sua vez, os tecnocratas de cada partido encarregam-se de executar as políticas, nos níveis nacional, estadual e até o municipal. Muitas vezes, o que há de mais parecido com um plano de governo é elaborado pelos técnicos, que pouco possuem sensibilidade política para tal, já que não relevam as necessidades da população ou as demandas sociais, mas o que é imposto por seus patrões presidentes, governadores e prefeitos. São meros administradores de interesses privados de políticos e capitalistas, transpostos para a esfera pública.

Pode-se perguntar se esse sistema é ou não democrático. Penso que sim, afinal, a população, desde a volta das eleições diretas, referendou, em todas as eleições, este modelo de política nacional. Apresenta, estimulada pela mídia (que o faz somente para jogar com o governo e obter a consecução de objetivos próprios), reações momentâneas de indignação com as alianças e os inevitáveis processos de corrupção que delas resultam; na verdade, o resumo da política, feita pela mídia, à pura corrupção tem como fim alijar a população de realizar uma reflexão mais profunda sobre a política nacional, despolitizando as massas. Nada, absolutamente nada, faz essa população (com raras exceções) entrar no jogo político; é o último e pior efeito do rearranjo do modelo político brasileiro, a exclusão total dos interesses populares da discussão política, já que o que é posto em questão são as ambições que motivaram a formação das próprias alianças partidárias com o setor privado; a mídia é a porta-voz dessa exclusão. E o povão não sente interesse algum em discutir necessidades que não lhes são comuns, apesar de tais interesses serem sanados com os recursos gerados pela sociedade! 


Em resumo: a política brasileira foi totalmente privatizada, juntamente com o acesso à serviços e direitos básicos, tornando-se um sistema fechado e autoreferente, desconectado da realidade social da população, acobertado sob o manto das formalidades democráticas. A finalidade dos partidos não é catalizar demandas populares, mas representar suas próprias ambições e daqueles que as financiam, resguardando e pondo em prática um mecanismo cruel de extração de riqueza da sociedade, através do consumo via endividamento, a grande marca do governo Lula. Tornaram-se fins em si mesmos. 

O que fazer contra esse verdadeiro monstro institucional que domina o país é uma questão a ser longamente ponderada. Muitas dúvidas surgem, porque, afinal, o sistema das alianças está em pleno vigor e fica difícil saber para onde irá. Mas o palpite que trago é claro: todo sistema busca sua própria sobrevivência, a todo custo, e, a partir disso, acaba por morrer (como um organismo vivo, que, renovando suas células, tem seu DNA desgastado a cada ciclo, envelhecendo e, consequentemente, morrendo), sob as mãos de um centralismo ainda maior ou de uma inédita descentralização política real, já o modelo se desgasta cada vez mais. Lentamente, começa a surgir uma pequena fagulha de cansaço da classe média, a capitã de todas as reformas e revoluções do país, com a exclusão que o modelo ocasiona. Subsistirá o sistema político brasileiro a uma crise mais profunda?

sábado, 30 de junho de 2012

Agradecimentos: mil visualizações em 3 meses!


Parcos e bravos leitores, chegamos a 1000 visualizações de página!
Hoje, poucos Blogs conseguiram emplacar mais de 100 visualizações, segundo o Google.
Queremos agradecer a todos os leitores, colaboradores e críticos do Blog. Aguardem a continuação sobre o ciclo de Regime Militar, a postagem mais vista, até hoje, do Blog.

Estamos chegado lá!

Um abraço.

As eleições em Garanhuns- Pelo fim da política pornográfica



Como cidadão de Garanhuns, e que ama sua terra, resolvi me posicionar a respeito das eleições municipais, logo após a convenções que definiram as candidaturas. 

Garanhuns já foi uma das maiores economias de Pernambuco e do Nordeste, onde foi líder, na década de 1920, na produção café, exportado para a França. Após a crise de café, a cidade renasceu durante o auge do desenvolvimentismo no Brasil, com o governo de Souto Dourado, no início da década de 1960; indústrias se instalaram na região, onde grandes empreendimentos foram realizados, tendo por base uma sólida parceria com o governo estadual e federal. A Coca-Cola, a Parmalat e outras empresas ajudaram a dar um brilho especial à cidade, que chegou a ser um dos dez melhores municípios para se viver nos anos 1960, além do apresentar, também, um dos maiores índices de crescimento econômico. Mas os giros da política nacional e a ineficiência dos governos, nos últimos 20 anos, sepultaram as potencialidades da cidade e, ao fim, restaram à cidade poucas indústrias, um enorme índice de desemprego (mais de 25%), pobreza (que atingia 44% dos garanhuenses) e um crescimento econômico doente, sustentado pelo aumento dos gastos da prefeitura e pela especulação imobiliária.

Partindo desse cenário, as eleições municipais de Garanhuns são discutidas desde 2010. De lá para cá, dezenas de possibilidades foram discutidas, e até mesmo o nome do deputado federal Fernando Ferro foi especulado. Mas, infelizmente, depois de tanta discussão, o resultado foi bastante previsível: Izaias Régis (PTB), tendo como sustentáculo políticos o PT e o PSB, é o candidato do governador e, desde antes, já mostrou sua debilidade em construir alianças políticas com este, já que, mesmo sendo deputado estadual por dois mandatos, foi preterido, inicialmente, pela Frente Popular, que optou pelo nome de Antônio João Dourado, numa das consequências oriundas do afastamento entre Armando Monteiro e Eduardo Campos; Silvino Duarte, que driblou os impedimentos legais que obstavam sua candidatura, optou por aproximar-se de seu velho afilhado, o prefeito Luiz Carlos, e conta com o apoio do grosso dos vereadores, o que, por sua vez, significa a continuidade do projeto político atualmente no poder. Por fim, Zé da Luz, que, sem recursos ou aliados, aparenta disputar a prefeitura apenas com o intuito de pavimentar sua candidatura a deputado estadual, em 2014.

Sob esse ponto de vista, caminhamos para uma situação deplorável. O que se vê é uma ausência completa de projetos de governo e a presença de frágeis alianças partidárias com os níveis estadual e federal de governo. A maior prova deu-se durante a imposição da pré-candidatura de Antônio Dourado.

As necessidades e demandas do povo de Garanhuns foram os assuntos menos falados- antes, ignorados- no processo de formação das candidaturas, onde os conchavos políticos visaram, tão somente, de um lado, a permanência de uma casta política no poder (funcionários públicos, certos comerciantes e ruralistas) e, do outro, a subordinação da cidade aos planos presidenciais da Frente Popular (pelos quais até mesmo Jarbas Vasconcelos foi envolvido), de maneira totalmente auto-referente e desconectada da vida diária de Garanhuns. Em suma, a política garanhuense é a mera transposição de interesses pessoais para a esfera pública, numa verdadeira colonização do espaço de discussão política, que deveria tratar das necessidades coletivas, pela distribuição do "bolo'' de receitas gerado pelo esforço da sociedade. É, por isso, uma política pobre, miúda, criticada há mais de cem anos como "medieval'' por Joaquim Nabuco, e que, em um artigo veiculado na UPE, em 2010, denominei "política pornográfica''. Pornográfica, por que se assenta em relações promíscuas e condenáveis, onde o eleitor vende seu voto por quem lhe oferecer as maiores vantagens; mas há uma dupla prostituição, já que o candidato também "vende'' favores- algo semelhante ao famoso "tráfico de influência''-, tanto às empresas que financiam suas campanhas- as empreiteiras e concessionárias de sempre, em Garanhuns- e, também, comercializa sua imagem. Por outro lado, o mesmo político vende seu apoio a outros da mesma classe (ou seria casta?) em troca de benesses...

Essa relação social entre eleitor-eleito, assim, acaba solidificando-se a base das meras aparências, onde desejos materiais, individuais e imediatistas, de ambos são satisfeitos, remetendo ao significado original de porneé, que, em grego, referia-se às prostitutas baratas da Grécia Antiga, e graficus, que quer dizer "imagem, aparência'': imagens de prostituas baratas, possuídas por qualquer um, e altamente apelativas. Não há valores ou regras, apenas o fato de que quem tem mais, leva, mas sem toque, sem conjunção carnal; o que se vendem são imagens políticas, sem nenhuma substância, que são meras ilusões de possessão (o mesmo efeito da pornografia), que vislumbram e distraem quem as vê, proporcionando-lhes um rápido prazer. Nesse sentido, a política pornográfica, baseada em imagens (que é o que são as vantagens cedidas pelos políticos aos "eleitores'') promíscuas e apelativas, tem o condão de domesticar o eleitor (lembra do pannis et circenses?), que satisfaz seus desejos individuais, criando uma relação de dependência entre aquele que se exibe e vende sua imagem (o político) e aquele que dela se beneficia (o eleitor). Assim também são construídas as alianças políticas em Garanhuns, negociadas às alcovas, que utilizam como moeda de pagamento- e isso é o que é mais grave- a distribuição dos recursos e cargos públicos!!

A partir daí, das candidaturas apresentadas, a que mais causa incômodo é a de Silvino Duarte (ao lado, a casa dos horrores, formalmente chamada de "Câmara de Vereadores'', de Garanhuns). Apesar de seus tão propalados prêmios passados, onde foi apontado como um dos grandes gestores públicos do país, Silvino foi o articulador do modelo de governabilidade que vige em Garanhuns: amplas maiorias na Câmara, sustentada com o loteamento da máquina pública por pessoas da confiança dos vereadores ou de pessoas ligadas ao prefeito; condução de tímidas obras públicas, "para o povo ver'', desintegradas de qualquer projeto maior de desenvolvimento para a cidade; inatividade e quase total falta de integração com as outras esferas de governo, com o isolamento político da cidade; prosseguimento com a notória falta de investimento na educação e na saúde, sucateadas e duramente mantidas com parcos recursos, acompanhadas pelo corte severo de gastos sociais e, paradoxalmente, pelo aumento do custeio da máquina pública, a segunda maior empregadora do município, após o setor do comércio. O resultado desse modelo de gestão foi a estagnação da economia garanhuense em um período pré-Lula, onde a cidade assistiu ao Brasil e ao resto de Pernambuco, notadamente Caruaru, Arcoverde e Petrolina, darem um salto econômico qualitativo e quantitativo. 

Assim, as parcas vantagens oriundas dos serviços públicos são reservadas ao compadrio dos políticos, numa relação clientelista, por meio da qual se articulam bases eleitorais sólidas, mas totalmente anti-democráticas e excludentes; basta dizer que os pequenos favores, como marcação de consultas, doação de remédios, alimentos e mesmo de empregos (...) pelos políticos à segmentos reduzidos da população criaram um subsistema que drena os recursos públicos e, por outro lado, impede qualquer pressão popular por um governo desenvolvimentista. Quem não possui os contatos pessoais com os vereadores ou seus cabos eleitorais fica excluído da política, ora aceitando compra de seus votos, ora simplesmente ignorando os rumos que o município toma (ou deixa de tomar). Essas ligações de compadrio, "o subsistema de boas relações'', no jargão da antropologia, baseadas na amizade pessoal dos eleitores com os políticos, são o coração da estagnação da cidade: o sistema cria fortes fundamentos para manter-se, em estratos da própria população, em sua relação promiscua com a classe política, cujo auge de expressão se consagra no gravíssimo problema da histórica compra de votos em tempos de eleições; é um círculo vicioso, onde poucos eleitores e seus eleitos monopolizam a política municipal, excluindo o resto da população. Uma verdadeira oligarquia, em termos de ciência política, entre eleitores beneficiados pelos políticos, estando ambos voltados para a permanência do sistema, o que inibe qualquer formulação de um projeto de desenvolvimento, em um claro retorno ao sistema político vigente na República Velha (selecionar os eleitores e com eles manter uma relação promíscua foi a marca do período).

Ou seja, a política garanhuense se encontra em um estado pré-moderno, onde a gratidão aos políticos é o principal fator a influenciar os votos dos eleitores. Não se fala em ideias ou projetos, mas em vantagens a vender.

Não é preciso dizer que, para que Garanhuns avance no tempo, é preciso destruir esse sistema. Criar instituições sólidas, capazes de oferecer os servições públicos e gratuitos a toda a população, de forma isonômica, são o antídoto para erradicar esse câncer e isso se traduz em: reformar a Lei Orgânica, garantindo mais celeridade no processo legislativo, e introduzir mecanismos de participação popular (e o orçamento participativo seria uma ótima ideia), além de meios de contenção dos gastos com pessoal; elaboração de um Plano municipal de Educação a longo prazo, que implante o piso nacional salarial dos professores, instale a educação integral em conjunto com a qualificação técnica dos estudantes, bem como preveja convênios com a UPE e UFRPE para o uso do enorme potencial de seus alunos nas escolas integrais e como meios de erradicar o vergonhoso analfabetismo endêmico na região; reestruturar os postos de saúde, contratando novos profissionais, renegociando contratos e convênios mais vantajosos com as fornecedoras de medicamentos, sem esquecer de reestruturar o Hospital Municipal e flexibilizar o regime de contratação para médicos e enfermeiros; articulação maior com as esferas de governo estadual e federal, por meio da celebração de convênios para urgentes obras de infraestrutura (algo que Garanhuns raramente consegue, pela falta de projetos...), e com as demais prefeituras, no sentido de criar um bloco político regional para encaçapar mais deputados estaduais e federais; reformar as principais praças da cidade, dando-lhes um ar mais relacionado ao das cidades frias; realizar mais eventos populares, culturais e musicais, seja por meio de isenção fiscal a empresas ou grupo de empresas que o façam ou por convênios com o governo estadual; reestruturar ou criar novas cooperativas de agricultores e pecuaristas, lhes garantindo acesso ao PRONAF ou mesmo criando um programa municipal de aumento da produtividade e disposição de assistência técnica ao campo, por meio do uso do capital intelectual da UFRPE, na forma de seus alunos e, por fim, elaborar um novo Código tributário municipal, prevendo isenções fiscais para empresas que qualifiquem mão-de-obra, tenham ações educacionais, empreguem determinado número de pessoas ou realizem eventos culturais. Tudo isso, é claro, estruturado com o fim de consecução de metas nas diversas áreas (construção de 100 escolas, por exemplo; aumento do IDEB do município em dois pontos etc), em um projeto de longo prazo; qualificação, educação, assistência técnica, vantagens tributárias e parcerias com os demais entes federativos construiriam uma estrutura poderosa para a articulação de grandes empreendimentos privados na região, como as sonhadas indústrias e centros comerciais.

Enfim, seria o que eu cobraria de um candidato, para acabar de uma vez por todas com essa crise geral que prende Garanhuns há mais de 16 anos ao atraso. Não são sonhos impossíveis... um dia, Curitiba, no Paraná, e Campinas, ou mesmo Arcoverde, foram tão insignificantes quanto Garanhuns. E, através da superação de suas fraquezas, conseguiram se tornar modelos para a gestão municipal brasileira. Esta cidade pode  não só voltar a ser o que foi, mas voar muito mais alto: é hora de moralizar a política garanhuense com valores, e partir das imagens pornográficas da política para uma verdadeira relação substancial e estável entre o povo e o governo; em suma, os atuais (des)governantes devem permitir que o povo governe o que é dele, gerindo a Coisa Pública, e visar o bem da cidade, e não o dos próprios bolsos. Só nos resta, então, discutir, e esperar que dessa vez o tempo, para Garanhuns, volte a rodar.