terça-feira, 13 de novembro de 2012

Os tipos ideais do universitário brasileiro: entre a mediocridade, a indiferença e o radicalismo


Aqueles versados em Administração ou Sociologia conhecem de antemão a ideia de "idealtypes'' que Max Weber utilizou como conceitos genéricos e estruturados de maneira sistêmica, como uma metodologia positivista eficiente. Aliás, desde Platão, o papel do pensamento humano - e da ciência, por extensão- é produzir conceitos e, com eles, classificar a realidade em uma estrutura lógica e racional inteligível (vai dizer isso para os fisicos quânticos...).

Aqui, vamos descontrair a modorra cinzenta da crítica anti-pós-moderna que recentemente maculou o Blog e, com algumas pontadas de acidez, pretendemos classificar, em "tipos ideais'' (risos), o posicionamento político dos estudantes universitários desta brava e culta nação.

1- Esquerdopatas: os paleomarxistas

Esse tipo político de estudante não sai de moda desde o século XIX. Baseando-se em uma interpretação literal e dogmática dos escritos dos grandes - e anacrônicos- pensadores socialistas de outros tempos, ainda pensam que a sociedade pode ser explicada pelos dualismos dialéticos burguesia/ proletariado e superestrutura/infraestrutura. Para eles, o Brasil é um país da periferia do "sistema'', dominado por uma poderosa - e metafísica- elite muito bem explicitada, representada por banqueiros, latifundiários e industriais (os "donos'' dos meios de produção), que deitam e rolam, governando arbitrariamente, 190 milhões de pessoas. A religião é o ópio do povo e  mídia é o somente o circo moderno que distrai as massas do ambiente de dominação social. Para eles, "é tudo uma conspiração'' dos demoníacos capitalistas, que sorvem lucros gigantescos obtidos da preciosa mais-valia arrancada dos pobres e inocentes trabalhadores. O Brasil, para eles, concentrou mais renda do que nunca, nos últimos anos, sendo o atual governo um coplô de traidores da esquerda legítima, ou seja, os estudantes e seus líderes do PCR, MEPR e demais. São "fosséis ideológicos vivos''- paleomarxistas.

Os esquerdopatas ainda são fortes, principalmente nos cursos da área de humanas, sempre organizando-se segundo as velhas lógicas burocráticas do antigo Partido Comunista, pixando paredes e viadutos com frases como "eleição não, revolução sim!'', ou "punição aos torturadores da ditadura!''- são, apesar de toda sua cegueria ideológica, alunos responsáveis e incansáveis (apesar de darem a tudo uma conotação política...). Seu apego às velhas concepções do marxismo os fazem também apelar para um total radicalismo de ideias, ausência e rejeição de crítica a seus dogmas comunistas e a um certo grau de violência e marginalismo social (afinal, entre eles, ainda circulam exemplares dos livros de guerra urbana, em moda durante os anos 70, mas hoje, totalmente despropositados...) assusta possíveis adeptos e isola os esqueropatas em pequenos e cada mais reduzidos grupos. Seus ídolos são os comandantes da guerrilha urbana e rural contra a ditadura - Lamarca e Marighela, por exemplo-, além de Stalin, Trotsky, Che Guevara (um verdadeiro Messias iluminado, santo, puro e romântico...) e demais revolucionários imolados, segundo eles, no altar do sacrifício da luta contra o satânico capitalismo.

2- Melancias naturebistas

Os melancias são uma tendência nova, que tem como principal símbolo a ex-senadora e ex-presidenciável Marina Silva; como o nome pode exemplificar, são verdes por fora, e um pouco rosa-escuro (vermelho, não...nunca!) por dentro, apontando para uma tendência de centro-esquerda- e são um movimento híbrido, entre defensores do meio-ambiente e ditos esquerdistas. Baseiam-se em uma ideologia que preza pela sustentabilidade, adoção de novas formas de produção de energia, proteção ao meio-ambiente e à fauna e flora, bem como aos animais, que, segundo eles, são "nossos irmãos''. Os melancias são predominantemente vegetarianos e admiradores da cultura oriental, embora sejam, na grande maioria, jovens de classe média alta que gastam pequenas fortunas viajando pelo mundo, mas, mesmo com tata grana, gostam de se vestir mal... Moralmente, tem uma sexualidade livre: "liberte-se para sua natureza! Sinta o néctar, a energia, que escorre dos seios da Mãe-terra, brô!''... 

Politicamente, criticam o consumismo exarcebado e a ganância do capitalismo, e defendem a legalização das drogas (nas quais são chegados, tá ligado?), mas não se importam com os fudamentos do sistema, sendo de centro-esquerda. Os melancias estão presentes nos cursos da área de ciências da natureza, e geralmente os melancias também são liberais morais- é raro que sejam conservadores-; são alunos relativamente irresponsáveis, um pouco desorganizados e não têm muito interesse no curso (existem numerosas exceções, pelo céu!). O principal problema dessa tendência é sua ingenuidade: acreditar que todos os males do mundo se resumem ao mau-trato da natureza e evitam realizar uma crítica mais profunda ao modelo de sociedade - e suas relações sociais-, apenas aderindo à uma vaga pauta de medidas políticas fatalmente secundárias e incidentes. No fim, a preservação pela preservação do meio ambiente não conduz a lugar algum... não são nada mais, nada menos, que ecocapitalistas.

 3- Bom-mocismo: os conservadores a la TFP

Esse grupo é fatalmente minoritário, pertencente aos "altos'' quadros da sociedade brasileira. São, geralmente, rapazes de famílias tradicionais, educados na Igreja, e defensores da Tradição, Família e Propriedade como fundamentos da sociedade. Geralmente, costumam adotar uma pauta liberal na economia e conservadora na moral: o coquetel duplo de "privatizações'' e "repressão dos movimentos sociais, LGBT e abortistas'' os fazem ver estrelas em orgarmos ideológicos múltiplos. Se, por um lado, desprezam os movimentos sociais e acreditam que pagam impostos para sustentar 40 milhões de vagabundos - entre pais, filhos e famílias inteiras- que se beneficiam de programas como o Bolsa-Família, são os defensores vorazes e incansáveis das tradições morais que caracterizam um pensamento de cunho colonial, o que não é negativo de todo; individualistas na economia, mas fortemente comunizantes - ou mesmo "socialistas''- na esfera moral tradicional, tentando impor a todos como correta sua moral cristã conservadora. Estão mais presentes em cursos como Direito, Medicina e outros mais tradicionais, sendo espécie extinta nos cursos de ciências humanas em geral. São os herdeiros do pensamento da UDN - o que é bom para os EUA, é bom para o Brasil- e dos políticos que desfecharam o golpe de 1964, uma "absoluta necessidade'', segundo eles, ou, pior, "uma revolução democrática''. São relativamente arrogantes, alunos medianos e se proclamam como líderes dos grupos onde estão. Ah, acreditam nas reportagens da Veja como sse fossem dogmas proferidos ex cathedra pelo Papa, e pensam que a mídia brasileira é amplamente democrática; os bons-moços se tornam latifundiários, industriais e empresários do setor de comunicações, geralmente herdando fortunas pra isso...

4- Libertários: Robinson´s Crusoé tupiniquins

Esses são uma nova tendência. Importada diretamente dos EUA e das escolas tradicionais de economia de Chicago (os monetaristas, hehe...), esses rapazes e moças são quase pregadores do fundamentalismo de mercado e do super-individualismo. O Estado, para eles, resume-se à mera necessidade (um mal necessário, dizem, repetindo o que Thomas Paine disse há eras...) de proporcionar ao indivíduo segurança pública. No entando, apesar do radicalismo ("Ora! Todos tem capacidade pra trabalhar e ter um plano de saúde privado, pagar uma faculdade e montar na grana... o Estado não precisa usar esses assistencialismos ineficientes pra promover a preguiça do povo, às custas de quem paga impostos!''), eles são coerentes em seu liberalismo: para eles, todas as esferas individuais devem ser deixadas à alçada do próprio homem ("portanto, se ele se decide por fumar maconha, realizar um aborto ou curtir Restart, isso é um problema dele, oras... só está exercendo seus direitos!''), inclusive a promoção do próprio bem-estar social; ou seja, se são liberais em política e economia, também o são na esfera moral (e suas ideias lembram muito a lógica da Oikos grega, que era a propriedade do indivíduo ateniense, onde o cidadão exercia o despotés, o poder absoluto, em todas as esferas). Geralmente, os libertarianos são estudantes de Economia (e alguns poucos de Direito), que gostam, deveras, da cultura norte-americana, embora sejam alunos responsáveis, mas que detestam trabalhos em grupo e são muito orgulhosos. O libertarianismo pode ser entendido como o radicalismo de uma ideologia moribunda (que está na UTI da História), o neoliberalismo, e como uma tendência natural que certas pessoas tem de, quando algo dá errado (crises econômicas seguidas...), fazer tudo de novo de maneira ainda mais radical. É como dizer que as crises dos últimos anos ocorreram porque "faltou mais liberalismo''. A melhor imagem para descrevê-los é a de Robinson Crusoé: pensam que sua individualidade é uma ilha só deles, onde valem suas leis e só pensam depender dos seus recursos para sobreviver.

5- Revoltadinhos: franco-atiradores

Ah, esses são inteligentes, mas quase ninguém suporta (ainda bem que são umas das "menores minorias''). Criticam a tudo e a todos, ora partindo de uma base política de esquerda, ora de um princípio de direita (o liberalismo, por exemplo). Veem defeitos horrorosos nas principais teorias e autores adotados e gostam de "ser do contra'' pelo simples prazer - ou pela emoção- de ser diferentes dos demais. Gostam de "aparecer'' e desafiar os professores, além de criticar o governo, diariamente, toda hora, a cada minuto e em cada pensamento. O PT é uma quadrilha, o PSDB é privatista, Eduardo Campos é um coronel, blá-blá-blá. Geralmente, esse grupo tende a ser anarquista (ou, no máximo, do PSOL), literalmente, desejando destruir a ordem social e por no lugar... nada!. Simplesmente abriram mão de qualquer possibilidade de reforma e são radicais: é preciso destruir tudo e não construir nada no lugar... são alunos responsáveis, bebem quantidades absurdas de álcool e são chegados na "erva''.

6- Pseudo-esquerda: "liberatudo''

Alguns dizem que o pensamento político dos estudantes de esquerda tradicionais evoluiu pra "isso'' aí em cima. Mas os observadores mais astutos vão dizer que os liberatudo são uma entidade híbrida que, além de não definir-se, são relativamente agressivos e incoerentes. Os liberatudo são jovens que se consideram de esquerda, defensores das "minorias oprimidas'' e também dos grupos sociais miseráveis e excluídos (segundo eles), que veem a proibição do consumo de drogas, a negação do aborto, a presença de elementos culturais religiosos no Estado e o não-reconhecimento da união gay como os grandes pilares de opressão de uma sociedade machista, patriarcal e sumamente anacrônica. Para eles, essa opressão exercida pelos "setores dominantes'' da sociedade se dá seguindo estratégias simbólicas, como a própria ortografia da língua portuguesa: "Ora! Porque temos de usar 'todos' e não 'todas'? Isso é opressão! Vamos nos rebelar contra essa gramática opressora! Todxs juntxs contra a opressão!''. Geralmente, são bons alunos, embora estejam, frequentemente, em conflito com professores e outros colegas pela "visão reacionária, machista e opressora'' deles.

Os liberatudo, claro, são liberais, do ponto de vista moral, como os libertários, deixando ao indivíduo a decisão do que é certo ou errado na esfera axiológica (valores), mas defendendo, ferozmente, a inexistência do gênero sexual (que, segundo eles, não tem o dedo da natureza, mas é uma convenção social opressora...), a liberação das drogas, do sexo livre (''faça sexo, não faça amor!''), do aborto (afinal, a mulher tem direito ao seu corpo, não?), o Estado laico e o seu paternalismo com relação a certos "grupos sociais oprimidos'', como Sem-terra podres de ricos, os promotores da milionária parada gay, a defesa das "pobres, indefesas e inocentes mulheres'' (ou, quando não, elaborando uma espécie de "femininazismo''...) e por aí vai. Geralmente, são petistas ou comunistas (do PCdoB, é claro...), ou militantes do PSOL. Para eles, todos os males do país vão resolver-se com a liberação de certas práticas condenáveis pela atual moral social... o aborto, dizem, vai ser um problema resolvido num passe de mágica se "liberado, já que sua proibição causa milhares de mortes de pobres mulheres que abortam e ainda são criminalizadas por isso''. Podem ser considerados os herdeiros dos hippies e da memorável geração da França de 1968, sendo que o slogan ''é proibido proibir'' descreve-os muito bem.

A maior crítica contra os liberatudo é sua ingenuidade e cegueira ideológicas. Ingênuos, porque não realizam uma crítica radical - no sentido de ir até a raiz- da sociedade, não propondo, no lugar do atual capitalismo financeiro consumista, nenhuma alternatica real, e ainda mais por acreditarem que a pauta política liberatudo confronta os interesses dos "poderosos''- quando é, justamente, o que mais eles desejam (como se vê na mídia, os grandes empresários desejam o soterramento da moralidade, vista como freio ao consumo, e preferem o fluído, o fugaz, a divinização do prazer e a destruição criativa das tradições - uma constatação brilhante do sociólogo Zigmunt Bauman). São cegos, ideologicamente, por não perceberem a inutilidade prática de seus axiomas: afinal, o problema da desigualdade social, da fome e da miséria vai ser resolvido, magicamente, com a liberação do casamento gay e do aborto (aliás, qual a relação dessas pautas com a "proteção aos grupos sociais em situaçao de miséria e exclusão''?), não? Por fim, não enxergam que suas doutrinas são inteiramente estranhas à nossa população, que rejeita suas propostas liberacionistas. Sendo minoria, os liberatudo gostam de impor suas ideias sob a forma de "realização e garantia dos direitos fundamentais'', repetindo um fenômeno diagnósticado por Bauman, onde não mais a sociedade e seu bom funcionamento estão - como deveriam estar- na pauta política, mas a realização dos "direitos fundamentais'', que consagram a proteção às "diferenças'' entre os indivíduos...

7- Petistas e pelegos

Alguns estudantes são vinculados à "doutrina PT'' e, geralmente, conseguem comandar a UNE por várias gestões seguidas. Raramente - eu, pelo menos, nunca vi os dirigentes da UNE o fazerem - criticam o governo, e agem diretamente como pelegos universitários, "pondo panos frios'' sobre os temas polêmicos toda vez que a barra pesa para o governo com os estudantes. Nos grandes confrontos entre o governo e os universitários, tomam chá-de-sumiço ou buscam agir como apaziguadores dos sempre latentes e convulsionados ímpetos de rebelião dos estudantes. Têm o mérito, contudo, de serem os reais herdeiros da esquerda estudantil, e alguns de seus membros são críticos do governo e ainda se conduzem de forma relativamente independente. Geralmente, são também liberatudo ou paleomarxistas - estes, uma minoria de comunistas tradicionais que ainda apoia o PT.

8- Tô-nem-aí: "eu sou mais eu!''

Esse grupo é, de longe, a esmagadora maioria dos grupos políticos que podemos classificar. Geralmente, são jovens - ou não!- da nova classe média, que só se interessam em concluir o curso e garantir um emprego bem lucrativo e nababesco. Podem aderir, momentaneamente, a qualquer das tendências descritas anteriormente, como também, no outro dia, defender ideias totalmente opostas - sempre incidentes, casuais e particulares, que a eles interessem diretamente. São os mais pragmáticos de todos: "isso aí serve pra que?''; "o professor viaja muito"; "meu filho, eu quero é ganhar dinheiro!''; "Marx só fala m____a!'' são alguns de seus mandamentos supremos. Gostam de vida mole nos cursos, sempre propondo que se deixe a prova pra outra data mais distante, ou mesmo proclamando a plenos pulmões a substituição do exame por um "trabalho em grupo, pra entregar daqui há um mês''. Ah, e são escorões também... são maioria nos cursos de Direito (nas 1312, sei lá, faculdades de Direito que tem por aí...) e nas faculdades particulares, embora também sejam uma praga nas públicas... são os maiores consumidores de álcool do país - dizem as más-línguas...-, tremendamente promícuos e "gostam de curtir a vida''. As moças são, em geral, periguetes, e os rapazes são bombados nos músculos e atrofiados cerebralmente...

-Conclusões
Apesar de existirem outros grupos (pequenas "seitas'', como os neonazistas, ou religiões, como os budistas e os evangélicos militantes...) os grupos descritos são a "maioria'' dos universitários, ou, então, as correntes mais relevantes. Alguns estudantes, claro, estão em mais de uma tendência, formando grupos e indivíduos híbridos: libertários que podem ser bom-moços, liberatudos que se mostram pelegos, pelegos que são melancias, e por aí vai. Contudo, salvo raras exceções, a classe estudantil brasileira de hoje está muito abaixo, cultural e politicamente, das gerações anteriores. A grande importância dos universitários, em outros períodos, é apenas uma pálida lembrança do passado, diante da inércia política e até indiferença moral que a atual geração faz questão de eleger como valores absolutos. Aqueles que possuem algumas pautas políticas ainda, mesmo que decadentes, anacrônicas, totalmente desmioladas ou sumamente desagradáveis e ingênuas, não conseguem lograr nem um décimo da influência política anteriormente gozada pelos estudantes. Parece-me que os atuais universitários desejam apenas "garantir o seu'' emprego, família e dinheiro, mandando o resto para o raio que o parta. E viva os universitários do Brasil... e que o povo (n)os perdoe.

Um comentário:

  1. Como rotular os milhares de brasileiros que foram às ruas recentemente? Foi um somatório de minorias?

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