sábado, 3 de novembro de 2012

A Crise de identidade da juventude brasileira: a cultura do exagero e da polivalência

 
O universo musical brasileiro enfrenta um período de relativo marasmo, onde artistas de baixo calibre ascendem ao sucesso e são esquecidos da mesma forma que castelos de areia engolfados pelo oceano. Esse ambiente caótico, pelo qual as músicas da moda guardam apenas o elemento em comum do mau-gosto (muitas vezes regado à base da promiscuidade) maximizado pela super-exposição midiática, constitui um elemento cultural essencial e revelador da identidade sócio-cultural da juventude brasileira. 
 
Partindo dessa linha, a música acima, "This love'', interpretada pelo grupo "Sambô'', é muito exemplificativa para entender a atual geração. Ela mistura o ritmo do samba, "genuinamente'' brasileiro, com uma letra inglesa de uma música de rock, constituindo o casamento simbólico, muito apreciado pela juventude de nossas elites, entre o "melhor'' da cultura nacional (a alegria, a sensualidade, a euforia) e o 'internacionalismo'', "classe'' e modernismo que a língua anglo-saxã representa. 
 
Trata-se de uma espada de dois gumes: o ritmo contagia todos, mesmo aqueles que não podem entender a letra (grande parte da população), sendo tal entendimento uma espécie de monopólio das elites; elas dançam e se contagiam, como qualquer analfabeto, com a música, mas somente as classes altas, letradas no inglês (a marca distintiva de nossa 'nata' juvenil), podem apreciá-la completamente. É uma forma de incluir e, ao mesmo tempo, excluir. É o retrato acabado de nossas elites, que balançam, como um pobre pêndulo, entre a luz da investidura da identidade nacional e a opção sombria e conveniente de simplesmente importar uma dos centros do capitalismo. 
 
Não podendo optar pelos extremos, essa juventude anglófona, usuária do facebook e frequentadora assídua de Miami, dão um toque de brasilidade a essa terrível escolha, a partir de um "jeitinho'': usam o que de melhor há em ambas as culturas, em um ecletismo sem precedentes. Antropofagismo puro, mas despropositado, movido pela sanha infinita das elites de copiar, esquizofrenicamente, outras culturas, ou de simplesmente seguir um padrão social de conduta e gostos (a "moda'', ditada por EUA e Europa) cegamente, com um mau-gosto típico dos provincianos. 
 
 Mas o que representa, no fim, músicas assim, cada vez mais comuns? Aqui, se considera que tal ecletismo rítimico é uma forma de transmutação da cultura nacional, "adaptando-a'' aos moldes oferecidos pelo centro do capitalismo. E, claro, com a ascensão social das classes menos favorecidas, se trata de uma maneira de distinguir nossa elite do populacho; esse processo agora ocorre nem tanto pelo poder aquisitivo, mas por elementos culturais (o domínio do inglês, por exemplo).

Ou seja, mesmo distribuindo renda e quebrando as amarras da desigualdade social, esta persistirá, a partir de estratégias ocultas e discretas, como a erição de muralhas culturais entre as classes. Claro que se trata de um processo classicamente levado a cabo por nossas elites (antes, falar francês, estudar na Europa, apreciar literatura europeia e demais costumes franco-burgueses eram os estigamas que diferenciavam os poderosos e bachareis de esquina da multidão bestial, o povo), e que, hoje, adquire contornos novos. Que se veja, nesse ponto, a proliferação de costumes introduzidos pela globalização (a vinculação das relações sociais à internet, a libertinagem sexual, a difusão das músicas pop´s ou de rock, marcas de roupas etc,  constituindo uma forma de comportamento que poderíamos considerar a "padrão'' dos cidadãos globais, leia-se norte-americanos).

Assim, nossas moças bronzeadas de cabelos escorridos e descoloridos, tal como nossos rapazes artificialmente musculosos e metidos em roupas caras, misturam tantos elementos culturais que acabam por perder a identidade cultural. Isso tem consequências dramáticas já que um indivíduo sem identidade cultural não tem vinculação emotiva com seu país. Trata-se de um relativismo tão extremo, causado pelo "self-service'' de culturas baixas que promove-se através do bombardeio das mídias, que muitos brasileiros acabam por se tornar títeres dóceis a dançar conforme a música tocada, literalmente, pelos estrangeiros (artistas, empresas, filmes) ou por quem detenha o mega-fone da mídia "nacional''. Se tornam copos vazios a encher-se de qualquer líquido que lhes seja apresentado, para depois pô-los para fora, e repetir o processo. Isso porque a patologia social do "exagero'' e da "polivalência'' (lembra daquele seu amigo que ouve desde forró tradiciona a rock, arrochas, funks e MPB? Pois é...), causada pela imensa oferta de produtos culturais de origem diversa, acaba por despertar o velho instinto humano de a tudo experimentar. 
 
Há uma analogia que está intimamente relacionada a esse processo que exemplifica essa orgia do exagero e da polivalência: a recente moda dos "heteroflex''. Importou-se dos EUA o desgradável costume, praticado principalmente por jovens, de manter relações sexuais com todas as pessoas, de qualquer sexo, cuja vontade lhes apetecer. Um verdadeiro caos, exemplo da crise de identidade que vive nossa atual juventude, cujos caminhos misturam homo e heterossexualismo desenfreadamente, num evidente sintoma de patologia social e da crise que reflete-se também nos gostos musicais de nossas elites (embora esses sintomas estejam se estandendo também às novas classes médias).

Enfim, o excesso e a polivalência acabam por impor tantas "identidades'' culturais diferentes à juventude que esta simplesmente escolhe uma parte de cada uma, por mais contraditórias que sejam. O pior de tudo é que tais identidades alienam a juventude, relativizando os problemas nacionais e polítocos, tornando os jovens máquinas de consumo despersonalizadas, perdidas em um mundo midiático que lhes inculca a ausência de limites e o ecletismo cultural.
 
E, por fim, temos atingido o cruel objetivo oculto, por trás da divulgação maciça de músicas como "This Love'', do Sambô: domesticar a única força capaz (a juventude) de desestabilizar o sistema cultural imposto, cuja função é a de formar consumidores obedientes, acomodados e, ainda mais, satisfeitos com tal situação. A grande jogada macabra que os capitalistas descobriram, como nova e moderna forma de dominação, foi fazer com que os dominados quisessem, ardentemente, desfrutar das benesses do sistema. Que quisessem a opressão, amando-a, desejando-a, auxiliando-a, porque sem elas não há "heteroflex'', ecletismo musical, sexo e consumo sem limites. É a adoração de Hipnos, que já aludimos aqui. E da morte e do medo, também.

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