terça-feira, 24 de julho de 2012

Um pouco sobre relacionamento: afetividade, sexualidade e a ditadura dos estereótipos


Hoje vamos conversar sobre um assunto diferente. Política, economia, filosofia e demais figuram pálidas diante dos temas que realmente reinam nos corações e mentes dos mancebos e senhoritas de todo o mundo: relacionamento afetivo-sexual, comportamento, afetividade. Mais precisamente, vamos investigar a dinâmica das relações contemporâneas que envolvem sexualidade, amizade e o "jeito-de-ser'' que caracteriza, principalmente, nossa juventude, de forma bem sucinta.

E como falar de relacionamento sem falar de pessoas? Mas não são pessoas que, como eu e você, vivem neste mundo e nele agem, que podem ser vistas e tocadas; são conceitos. Podemos dividi-las entre homens e mulheres, mas, aqui, denominarei, usando tipos ideais, de "Hércules'' (machão) e "Afrodite'' (gostosona). Mas que homens e mulheres são esses? Seria injusto dividir cada pessoa da Terra nesses dois conceitos; teríamos de usar milhares. Mas eles são justamente os que predominam, em todos os sentidos. Em cada filme, música ou livro que você tem acesso, lá estão eles, encobertos, em todos os lugares, sussurrando, como se fossem entidades tão naturais quanto a lei da gravidade ou a luz do sol.

Hércules, ou machão, é o homem clássicoForte, ousado, tem como principal característica o fato a sexualidade extremada e externalizada por inúmeras conquistas amorosas, é fanático por esportes (principalmente, futebol), jogos violentos, filmes violentos e músicas agitadas, além de farras regadas a alcool e erotismo. Despreza o que considera como sentimentos femininos (amor, demonstrações de afeto etc), e a maior parte das espécies de emotividade; é um herói, em sua própria visão, buscando aventuras, sexo e status, como o semideus mitológico que lhe emprestou o nome, sempre em busca de um corpo musculoso, ao qual cultua (o que contrasta com sua "masculinidade''...). Os valores morais e a importância do bem comum são entediantes para ele: ele tem de demonstrar que "é homem'' em todas suas ações.


Afrodite, ou gostosona, é o novo tipo de mulher. Independente (segundo ela mesma), sente-se autorizada a fazer o quiser com seu corpo, ao qual cultiva com afinco em academias, exercícios e dietas sem fim. Vê todos os homens como canalhas e, por isso, não sente-se obrigada a ser honesta com eles. Seu principal atributo é seu corpo, que se torna moeda pela qual exerce algum poder sobre os homens. Se se considera independente, por outro lado, vive inebriada em contos de fadas em busca de príncipes encantadas, quase sempre proprietários de carros do ano e gordas contas bancárias; vive entre os paradoxos "mulher fatal'' e "princesinha mimosa'', sem se decidir por nenhum. Adora o excesso de emotividade, mas, principalmente, tem aficção por sua aparência externa, por meio da qual vive em busca de sapatos, roupas e maquiagens sempre novos. Vive competindo com as outras mulheres, e apaixona-se com uma frequência quase diária, seja por homens comuns ou por "ídolos'' da música e do esporte. Bem ao estilo da deslumbrante deusa que lhe inspirou, geniosa, caprichosa, superficial e promíscua, além de invejosa e absolutamente "interesseira''.

Sim, Hércules e Afrodite (ao lado, escultura grega retratando a deusa) não existem, pelo menos não materialmente. São estereótipos, pelos quais podemos classificar pelo menos a maioria dos jovens que conhecemos ou não. O fato é esses modelos de conduta são apresentados como modelos a serem seguidos pela mídia e, de forma quase inconsciente, como se fosse a coisa mais natural do mundo, estamos impondo, uns aos outros, esses "jeitos-de-ser'' como critérios de aceitabilidade das pessoas na sociedade- diga-se, em nosso círculo de amizades. É neles, precisamente, que usamos as máscaras de Hércules e Afrodite para nos promover e viver vidas que não são as nossas, e nem deveriam. 

Não se sabe quem impôs esses estereótipos, se o sistema capitalista ou se nós mesmos o fizemos; o que temos certeza é de que eles se reproduzem a partir de nossa adesão a eles, e do fato de os usarmos como critérios de para nos ligarmos ou não as outras pessoas. Em suma, somos as antenas que introjetam naqueles que estão ao redor o desejo de serem, também eles, Hércules ou Afrodite. Estes, muito embora tentemos, são meros modelos inalcançáveis, ao qual sempre buscaremos, sem sucesso... e gastando muito com isso, diga-se. E o grande símbolo desses estereótipos é o ficar: o uso do outro como um objeto de prazer, por tempo curtíssimo, afim de "testar'' a pessoa e "classificá-la'' para ser usada ainda mais em uma etapa posterior, chamada "namoro''. O pior é que outro tipo de aberração começa a tomar força, como amizades coloridas, a moda dos "heteroflex'' e outras coisas as quais o pudor me impede de citar.

O grande problema de tudo isso é que acabamos perdendo nosso maior diferencial- a individualidade- ao tentar encarnar os estereótipos. Invariavelmente, eles nos tornam superficiais, escravos de pequenos desejos e manias das quais sequer gostamos realmente. A mulher é fútil, segundo os homens, mas eles são ainda mais por imporem isso à maioria das mulheres; ou seja, a futilidade feminina decorre da futilidade e superficialismo masculinos, que impõe, ideologicamente, certas ações estereotipadas as mulheres. E, claro, vice-versa, embora os machões ainda dominem a sociedade, de uma certa forma.

Agora pensem bem... quantos que Hércules (ao lado, Hércules matando a Hidra) e Afrodites você não conhece? Quantas vezes você não quis ser um? E, a pergunta mais valiosa... será que isso permitiu a você firmar bons relacionamentos?

Chegamos ao ponto. Relacionamentos entre Hércules e Afrodites dariam, em tese, muito certo. Todavia, são relações altamente transitórias, instáveis, marcadas pelo superficialismo das mulheres e pela brutalidade masculina, onde ainda há o agravante da sexualização extremada, onde o número de mulheres "jantadas'' e o número de homens "pegos'' fazem parte de um jogo obsceno que deveria divertir seus participantes; isso, materializado do "ficar'', ou "usar''. Tudo se resume a verdadeiros torneios, disputados desde as baladas até o dia-a-dia, onde o "jogo da conquista'' é caracterizado pelo maior prazer possível, com a vaga esperança de, ao fim de alguns anos, encontrar-se, para as mulheres, o príncipe motorizado e, aos homens, a mulher mais fútil, artificial e "gostosa'' o possível, um verdadeiro troféu pelo qual ambos ostentam status na sociedade da desigualdade. Desnecessário dizer que, por ostentarem modelos de conduta impostos, a grande maioria das pessoas tem medo de abrir seus sentimentos aos "amigos'', e vice-versa, o que resulta num processo de solidão difícil de se superar. Não sabem quem são as pessoas com quem passam a maior parte do tempo.

E, muito longe de serem o que aparentam, nossos pequenos machões e gostosonas são pessoas inseguras, incertas sobre si mesmas, relativamente incapazes de pensar em temas mais complexos (como política...) ou em outras formas de ser; não sabem quem são. Têm tendência fácil à depressão e ao desânimo, e muitas vezes, embora ostentem sorrisos triunfais, estão destruídos por dentro, lançando, inconscientemente, gritos de socorro para aqueles que estão ao seu redor, na forma de uma revoltas injustificadas, vícios (como o álcool e as drogas, ou extrema promiscuidade), brigas constantes com a família e amigos, desinteresse pela vida.

Assim, temos relacionamentos instáveis, superficiais, imaturos, marcados pela promiscuidade e cujo centro são as exigências da sociedade e não as pessoas do casal. São incapazes tais relações de serem duradoras, firmes, desmanchando-se ante a infidelidade ou "minguação'' do desejo meramente sexual que enlaça os sujeitos, frequentemente maquiado pelas falsas demonstrações de afeto, principalmente por parte das mulheres. A supervalorização das aparências, como antes, fazem os relacionamentos figurarem como cascas vazias, assim como machões e gostosonas o são, e desembocam na depressão, solidão e involução da afetividade humana, que fica presa à infância, numa eterna imaturidade. Pessoas e relacionamentos precários numa palavra.

Um homem não precisa ser um fanático por futebol para ser masculino tampouco, precisa aparenta frieza e desprezo ante as mulheres, usando-as como objetos, para ser aceito pelos amigos. Não precisa cultivar um corpo inchado de músculos, enquanto mantêm o cérebro vazio. Uma mulher não é só seios, nádegas e cinturas definidos, muito menos é bela por ser um saco de ossos; ainda menos uma mulher o é de verdade por ser uma dondoca emotiva, frívola, fanática por apetrechos, maquiagens e roupas que só são um disfarce para esconder a própria ruína interior. Homens e mulheres só precisam ser eles mesmos.

Feitas as críticas, vamos comentar um pouco sobre como um relacionamento (de verdade) deve ser. A primeira palavra de ordem é "maturidade''. Ninguém pode construir amizades ou namoros sem estar psicologicamente preparado para tal, o que, no último caso, dispensa relacionamentos precoces, muitas vezes imposto por "amigos'' ou por más-influências da mídia. Cada pessoa é como uma planta, que depende da maturidade para poder se desenvolver. Uma laranja verde não é muito saborosa, não? Uma criança de 13 anos (me perdoem o exagero) não tem base emocional para vivenciar um relação. Ponto. 

A segunda palavra de ordem é "paciência''. Você, caríssimo leitor, se é jovem, ainda está formando sua personalidade, pelo menos o núcleo-base. Como espera ter amores se sequer sabe quem é ou quem será? Espere desenvolver-se, leia, estude, forme sua personalidade, suas próprias opções éticas, esteja atento para o mundo e procure entender sua sociedade, o lugar onde você vive. Naturalmente, eu diria, pessoas semelhantes a você vão ser atraídas por você, pelo seu jeito-de-ser, sua personalidade, pensamentos e opções éticas, e algumas serão amigas e outras, algo mais. Como um imã, mas que só atrai o pólo semelhante, as pessoas ideais estarão ao seu redor, com o passar do tempo. Tem de ser apenas você mesmo, e esperar que possa sê-lo, o que só se dá com o tempo.

Liberte-se das aparências e busque sentir suas emoções em relação as pessoas. Veja o que há além dos rostos, sejam bonitos ou feios, e admire-os mais que as roupas, músculos ou formas das pessoas. É impressionante como as pessoas podem ser ricas, e essas riqueza mental é advinda somente da individualidade de cada um, nas pessoas insubstituíveis que estão além das cascas mortas dos estereótipos. Terceira palavra, então: substância.

Mas, cuidado, principalmente as moças, com o excesso de romantismo; isso aliena, não permite que você pense ou pondere os fatos. Trata-se de uma figuração que impede que se conheça a individualidade das pessoas. Então, cuidado com os besteiróis românticos que volta e meia ascendem na mídia. É a quarta palavra, "prudência''. (Ao lado, a involução as pessoas rumo à animalidade de Hércules e Afrodites).

Enfim, o ficar precisa ser abolido. Você não precisa usar o outro para ser feliz ou emular um modelo de conduta que lhe é imposto por uma sociedade decadente e hedonista. Ficar é uma atitude de imaturidade, de desregro e entrega aos próprios desejos, que apenas faz a juventude involuir; é a negação de nossas palavras de ordem.

Então sejamos pacientes, maduros, subsistentes e prudentes, quatro pequenas leis do relacionamento que humildemente proponho. Esqueçam esse objetivo insano de serem machões ou Afrodites. Só precisam serem vocês mesmos. Quebrem as correntes que os aprisionam, saiam as cavernas da superficialidade , divisem a luz que brilha nos seus próprios peitos, muito tempo oculta por essa carapaça que impuseram a você, e faça-a brilhar para que todos possam ver. Não tenha medo de ascender tochas e gritar pela condenação à pena de morte desses dois tiranos, Hércules e Afrodite; recupere a individualidade que tentam roubar-te todos os dias. E viva o amor.

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