quarta-feira, 18 de setembro de 2024

As eleições de 2024 em Garanhuns: O Mágico de Oz


Reassisti ao clássico "O Mágico de Oz" recentemente. Ver toda aquela fantasia, que hoje me parece enfadonha, assim como a previsibilidade da história, me fez pensar: será que a Cidade das Esmeraldas é tão distante assim da triste Garanhuns?

Não que a Cidade das Flores não tenha seus leões covardes, homens de lata sem coração ou espantalhos sem cérebro, mas o marasmo de "já ter visto essa história várias vezes" domina quem se propõe a analisar as eleições municipais de 2024.

Por isso, começo aqui pela conclusão: o atual prefeito, Sivaldo Albino, será reeleito. Seus truques de mágico barato surtiram efeito, e os números cabalísticos das pesquisas confirmam sua vitória, mantendo a longa tradição iniciada pelo aliado Silvino Duarte.

Isso se dá pela baixa rejeição ao prefeito, pela ausência de fatos políticos explorados pela oposição e, principalmente, pelo erro da própria oposição em disputar o pleito dividida em duas candidaturas, repetindo o equívoco do ex-prefeito Izaias em 2020, que permitiu a dois aliados disputarem sua sucessão. Com a situação dividida, o atual prefeito unificou a rejeição ao candidato Silvino e saiu vencedor.

A segunda observação — e que chamou a atenção de todos — foi a baixa quantidade de candidatos, inclusive a vereadores. Isso ocorreu por causa da lei eleitoral, que reduziu o número máximo de candidatos a vereador por partido, burocratizou as campanhas e diminuiu a propaganda eleitoral, com o objetivo de reduzir a fragmentação partidária através da imposição de barreiras. 

No entanto, parece-me que restringir tanto os candidatos e partidos acaba centralizando o poder de apresentar candidaturas nas mãos dos dirigentes partidários e dos endinheirados que podem financiar uma campanha. Em Garanhuns, cidade tipicamente governada por uma pequena elite, isso resultou exatamente em poucas candidatura$ a prefeito. Nesse cenário, dispondo de mais fundo partidário, cargos e poder, foi fácil para o prefeito arregimentar as principais lideranças do município e bater recorde de candidatos a vereador, batendo quase 80 dos 150 candidatos deste ano.

Para o povo, restou a tarefa desagradável de escolher entre três ex-aliados, sendo dois deles, como ensinou a atual governadora, capazes de muito bem se reconciliarem na "pizza de domingo" da família.

Por fim, outra coisa que faz as eleições em Garanhuns parecerem um capítulo perdido de "O Mágico de Oz" é a fantasia entediante na qual o garanhuense vive.

Ora, sabemos que o atual prefeito vencerá, mas por quê? A varinha mágica das obras de ocasião trabalhou bem, vitaminada pelas verbas do orçamento secreto (R$ 100 milhões, como disse o próprio gestor), fazendo o povo engolir a péssima prestação dos serviços de saúde, limpeza urbana, iluminação e manutenção das vias públicas. É como um pacto com uma força maligna, cuja celebração se deu no profano Festival de Inverno deste ano e no Natal Luz (que já nem sei mais qual o nome da ocasião).

Mesmo com o domínio total do mágico gestor, as bruxas do subdesenvolvimento, desemprego, crise na saúde e falência da zona rural ainda rondam a cidade. Só no ano passado, Garanhuns perdeu 1.219 empregos, batendo o recorde de desempregados em um único mês: 1.718 vagas a menos, justamente em dezembro, o mês áureo do Natal Luz. Sobre a qualidade dos PSFs e o abandono do campo, não há o que comentar.

E os críticos, o que fizeram? Iludiram-se com as eleições de 2022, em que o deputado Izaias venceu o prefeito e a família real, mas a falta de influência no governo estadual (que maltrata bastante Garanhuns) selou a derrota da oposição.

Esse é o cenário deste ano: as mágicas do vil metal garantirão mais quatro anos de reinado da família real, mesmo com as bruxas à solta. Parece a história de sempre, com os personagens de sempre, morosa e previsível, mas com um final diferente: aqui, a mocinha ingênua não vence as bruxas nem desmascara o mágico impostor, mas prefere deixar tudo exatamente como está.

Não haverá fada madrinha ou príncipe encantado para salvar Garanhuns. Aqui, o mal vencerá pelo 32º ano seguido, fazendo da terra de Simoa uma cidade das Esmeraldas: perfeita apenas nas ilusões fabricadas por um mágico de araque. 

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

As eleições em Garanhuns: terá fim a noite de 24 anos?

 Sob as nuvens da pior pandemia do século, candidatos e candidatas começaram, depois de dois anos, a percorrer as ruas da saudosa Garanhuns. Brigando ombro a ombro pela dignidade de comandar a 9ª maior cidade de Pernambuco, três pretendentes se apresentam com mais força - e refletem muito do desânimo que assola a política nacional como um todo.

Afinal, os quase 150 mil mortos brasileiros - e, destes, pelo menos 80 só em Garanhuns - juntamente à crise econômica não deixam muito ânimo para que os cidadãos pensem em política. Todas as campanhas estão mirradas, num efeito nacional. Pouco se fala, nos noticiários e nas ruas, sobre os candidatos.

Mas, não fosse este o clima nacional, bem o poderia ser em Garanhuns. Ora, dentre os pretendentes melhor posicionados na corrida para a prefeitura, nenhum nome é novo ou desperta muito entusiasmo; na verdade, é uma eleição muito ditada pela velha política.

E não se trata de um trocadilho a um candidato específico. Trocando em miúdos, há 24 (vinte e quatro) anos a cidade está sob domínio de um mesmo grupo político e está prestes a iniciar um novo ciclo em sua história. Essa situação gera cansaço e despolitização.

Mas, em que pese tal desânimo, nunca foi tão importante pensar bem em quem deve governar Garanhuns. A maior crise econômica em 100 (cem) anos está às nossas portas e nunca antes na história as prefeituras serão tão necessárias para reparar, atenuar ou combater as inevitáveis mazelas sociais que surgiram, surgem e surgirão por conta da crise que o país atravessa. 

É por isso que começamos com os problemas. Garanhuns, há muito, sofre com desemprego alto, sendo que as vagas que existem não exigem muita qualificação profissional - o que gera salários baixos e pobreza, com grande parte da força de trabalhos sobrevivendo informalmente, através de "bicos''. A economia local é pouco diversificada, dependente ao extremo do comércio e dos serviços, bem como do mercado consumidor das cidades vizinhas.

 O maior problema social, fora o desemprego e a inércia econômica, com certeza é o acesso à saúde: a cidade é a única de seu porte (e a única do Agreste, ao lado de Jurema) que não possui Hospital Municipal (fechado pela atual gestão) e nem fornece a seus cidadãos algum centro de diagnósticos; os postos de saúde não tem médicos ou remédios, o que gera uma super demanda ao Hospital Estadual Dom Moura muito conhecida para funcionários e pacientes; sequer possui uma casa de passagem e acolhida para os garanhuenses que precisam se deslocar à capital. Vários postos de saúde abandonados, em que pese construídos pela atual gestão, criam mato, se deterioram e são utilizados para acobertar crimes. E que nem se fale na UPA: esta, uma vez pronta, foi, tal como os postos de saúde, literalmente abandonada e, às pressas, reativada na pandemia, numa "reforma'' (quem já viu reformar o que acabou de ser construído?) polêmica e que pouco agregou à cidade.

Outro problema jamais atacado nessas quase três décadas é o declínio irreparável da zona rural. A começar por um redimensionamento da área do município efetuado pelo IBGE (que tirou de Garanhuns muitas terras rurais e as passou para Caetés e Paranatama), os agricultores e produtores enfrentaram quase uma década de seca (2011-2017) sem apoio algum da Prefeitura. A produção de leite é praticamente a mesma que há dez anos, e até menor; as culturas de feijão, macaxeira e milho, vitais para alimentação do povo nas feiras populares, estão decaindo há cerca de cinco anos. Os feirantes não tem apoio do governo municipal, que, quando agiu, o fez para prejudicar os produtores, como quando impôs uma empresa para organizar as feiras populares da cidade, voltando atrás diante dos altos custos a serem suportados pelos feirantes e denúncias de maracutaias envolvendo a dita empresa - que, sediada em Caruaru, se provou ser uma "empresa-fantasma''. Até mesmo a CEAGA - a central de abastecimento da cidade - está há anos em reforma e não foi entregue, gerando prejuízos incalculáveis para feirantes e populares.



Na educação, Garanhuns possui um avançado polo de ensino superior pouco inserido na economia local, ao contrário de outras cidades, que tem programas de estágios e estímulos para os estudantes ficarem e produzirem na cidade após concluídos os estudos, nela empregando o que aprenderam em instituições renomadas como a UPE e a Universidade Federal do Agreste. A escola técnica municipal foi fechada, aliás, e as mães e pais que trabalham não tem creches para deixarem os filhos - até foram construídas, mas hoje juntam mato e servem de ponto de distribuição de drogas. Outras escolas, como a Padre Agobar Valença, nunca terminaram suas obras. 

Todos esses problemas, por incrível que se pareça, foram reconhecidos pelos principais candidatos a prefeito em seus planos de governo. Todos disseram que irão reabrir o Hospital Municipal, construir mais postos de saúde, inserir as universidades na economia local, atrair investimentos privados através de estímulos fiscais, inaugurar creches e "dar apoio'' ao agricultor. Desnecessário dizer que, também, consentem em expandir a programação turística da cidade, seja transformando Garanhuns na "terra dos festivais'', dando 30 dias ao Festival de Inverno ou ressuscitando o Festival de Jazz - este, perdido para Gravatá na última gestão. 

As propostas, assim, são boas e partem de um diagnóstico parcialmente correto do que a cidade precisa. Mas aí, entra a realidade: vocês acham mesmo que a cidade, que, segundo o atual gestor, estaria "quebrada'', tem mesmo condições de levar a cabo tantas e tão custosas obras e ações?

Veja-se que um dos candidatos, aquele que diz ser doutor, quer dar uma bolsa para jovens estudantes terem "o primeiro emprego'' nas empresas da cidade, copiando o programa Jovem Aprendiz às custas do erário. Aí eu me pergunto: onde um jovem agrônomo irá trabalhar em Garanhuns? De onde vai sair o dinheiro para pagar, digamos, 200 bolsas de cerca de R$ 1.000,00 (um valor médio de uma bolsa de estágio) no atual cenário de penúria?

Ora, se trata, evidentemente, daquele tipo de proposta destinada a jamais ver a luz do dia. Outra, pouco desenhada na prática, e repetida por todos os candidatos, é "dar estímulos fiscais'' para que as empresas se fixem em Garanhuns. Meus amigos, como a cidade pode se dar ao luxo de perder receita - porque dar estímulo fiscal é exatamente isso: diminuir os impostos e contribuições para que determinado setor da economia se instale - na atual situação, quando ela gasta mais que arrecada, junto com o resto do país?


Tem candidato até mesmo prometendo aumentar o número de cursos da AESGA, também sem dizer de onde vai sair a grana. Outro, aquele mesmo que diz ser doutor, quer terminar as obras do atual governo, de quem é continuador. Se não conseguiram terminar as obras quando a cidade nadava em dinheiro, como irão terminar agora, quando a fonte secou?

A pior desfaçatez fica mesmo com as propostas para o setor rural. Ajeitar estradas e distribuir sementes é tudo o que dois dos candidatos propõem, aliado à coisas genéricas e sem sentido. Apenas um propõe levar os estudantes da Universidade Rural ao campo e criar um programa de estímulo à agricultura familiar com base em estudos científicos e fortalecendo a auto organização dos produtores, incentivando as cooperativas; aliás, uma proposta de baixo custo para o erário público, mas de enorme repercussão econômica. 

As demais propostas nem merecem comentários. O custo milionário para construir um Hospital Municipal, Postos de saúde e creches simplesmente são, hoje, irrealizáveis: Garanhuns é, como a maioria das cidades nordestinas, uma terra falida, que depende da boa vontade do Governo Federal, gastando mais do que arrecada. 

Então, meus amigos, não adianta distribuir bolos com recheio de ar. Apesar de partirem de uma boa leitura das necessidades de Garanhuns, os candidatos rivalizam em populismo; cada um com um plano de governo mais inexequível que o outro. 

Mas o que mais chama a atenção em tudo isso é que o próprio candidato do prefeito é o que tem, talvez, o programa de governo mais extenso. Aliás, o Plano de governo do "doutor Silvino'' é quase uma negação do que foi o governo Izaías Régis: promete reabrir o Hospital que o padrinho fechou, jura terminar os postos de saúde que ele nunca inaugurou, diz que vai estimular empregos e dar a tal bolsa aos jovens que o governo Régis (podendo fazê-lo) jamais o fez, bate na mesa que vai dar estímulos para as empresas virem para Garanhuns (coisa que a gestão atual deixou para lá) e até mesmo se prontifica a trazer de volta o Programa "Prefeitura presente'', da gestão Luiz Carlos, onde a prefeitura fazia ações sociais nas periferias, distribuía cestas básicas, realizava mutirões e estimulava atividades culturais, como levar crianças pobres ao cinema e ao teatro. 

A conclusão maior é de que o plano de governo e as promessas do tal doutor são quase uma confissão de culpa pelo que ele mesmo, quando foi prefeito (1996-2004), seu sucessor indicado Luiz Carlos (2004-2012) e seu aliado de sempre e hoje padrinho eleitoral Izaías Régis (2012-2020) simplesmente não fizeram: assegurar uma Saúde digna aos garanhuenses, ao menos na realização de consultas e exames eletivos e, principalmente, oportunidades de emprego e desenvolvimento econômico.

Dessa forma, é muito difícil que, depois de 24 anos, os mesmos sujeitos de sempre cumpram o que prometeram. E tudo isso pode ser dito sem se olhar para o vasto histórico criminal do candidato do PTB (Silvino, o doutor), que se livrou de várias denúncias e processos pelo fato de ter mais de 70 anos (aos amigos leigos nas letras jurídicas, ao se atingir tal idade, os prazos para que um sujeito seja processado por crimes cai pela metade. Como a maioria dos processos de Silvino era antiga, quase todos prescreveram, sendo arquivados sem jamais se apurar a culpa dele, embora o Tribunal de Contas do Estado tenha rejeitado duas prestações de contas suas - 2003 e 2004 - e o mantido inelegível por anos). 

Silvino Duarte, o nome que sempre utilizou nas urnas (e talvez o "doutor'' Silvino seja para iludir a população de que se trata de outro Silvino que não aquele que sumiu em 2004), não é apenas o candidato do atraso: é o candidato da conformidade. Com ele, aqueles que buscam de forma desesperada dilatar o hoje, sufocando o amanhã, tentam uma última chance de manter suas benesses e vantagens sem entender que um dia não pode durar 24 anos. 

Isso porque a vitória de Silvino, dando continuidade à atual forma de governar a cidade (calçar ruas em época de campanha, enfeitar a cidade com piscas-piscas, patrocinar farras para o povo e manter uma extensa camarilha de funcionários/militantes comissionados), no atual cenário de crise do país será a morte definitiva da cidade. Ou Garanhuns se reinventa e aposta no desenvolvimento, na atração de indústrias e grandes produtores para se instalarem no município e utiliza a economia potencial criativa oriunda dos centros educacionais aí sediados, ou será engolida por uma crise econômica terrível que levará décadas para ser superada. O povo tem alguma noção disso e daí existir mais intenção de votos aos adversários de Silvino do que ao bom doutor.

Silvino, assim, é o mais rejeitado dos candidatos e, na soma dos adversários, perde nas pesquisas. Isso mostra que, na reta final, os eleitores que não o querem de jeito nenhum vão migrar para o oposicionista mais forte e garantir sua vitória - assim espero. 

Se o amanhã vai chegar ou o triste dia em que a era Silvino começou em Garanhuns vai se perpetuar por mais 4 anos, só o bom senso da população irá dizer. É por isso que este post começa com a imagem que representa muito bem a Garanhuns do último quarto de século: a placa desbotada do Shopping jamais construído, a representação de que, na Terra de Simoa, o desenvolvimento nunca passou de promessa eleitoral. 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

O Orçamento impositivo é uma farsa: ou de como um TCC pode prever o futuro!


Corria o ano de 2015 – o início da crise política, econômica e social que vivemos até hoje. Então concluindo o curso de direito, sob orientação do mestre Cláudio César de Andrade, e diante das opções de elaborar uma monografia sobre temas batidos, resolvi investigar algo realmente relevante.
Naquela época, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mantinha uma guerra aberta com a presidente Dilma Rousseff. Uma de suas principais munições contra a titular do Executivo foi tornar as emendas parlamentares ao orçamento “impositivas’’ – para quem não se recorda, o orçamento público federal, ao ser enviado pelo presidente da República ao Congresso para ser debatido e aprovado, pode ser alterado pelos parlamentes. Suas excelências sempre dispuseram de alguns nacos milionários para destinar a seus redutos eleitorais. Acontece que apenas o presidente da República liberava, se e quando desejasse, esses valores. Isso muitas vezes acontecia após o parlamentar votar de acordo com os interesses presidenciais.
O que era ruim se tornou ainda pior. A partir das mudanças patrocinadas pelo ilustre deputado Cunha, o presidente se veria obrigado a executar – a gastar, em suma – o valor que os parlamentares desejassem. Esse valor se limitava a 1,2% da receita líquida do governo, na época coisa de 10 bilhões de reais. Cada parlamentar poderia dispor de algumas dezenas de milhões para fazer o que desejar.
Nas conclusões da minha monografia, sustentei, além da evidente inconstitucionalidade de tal alteração constitucional, que os parlamentares não tinham qualificação técnica nem elaborariam estudos sobre a melhor forma de aplicar o dinheiro de tais emendas. Basicamente, o dinheiro serviria para a promoção pessoal, populista e eleitoreira dos próprios deputados e senadores, acarretando grande risco de desperdício de recursos públicos:

“É de se considerar que, no momento em que as emendas de despesa passam a ter execução obrigatória, os parlamentares passam a agir como administradores de recursos públicos, sendo os formulares até mesmo de programas de governo e obras públicas nas suas regiões de interesse eleitoral. A grande problemática desse fato é que não há uma garantia sólida de como a decisão política tomada pelo parlamentar, no momento em que destina uma emenda de despesa a seu município ou Estado de origem, é tomada: ora, qual o critério para se destinar a emenda para o ministério da saúde e não para o da educação? Por que se devia construir um posto de saúde no bairro A e não no município B, ainda mais carente? O real beneficiado pela execução da emenda parlamentar é mesmo o cidadão? O interesse público é atendido? Todas essas deficiências põem em cheque a capacidade dos parlamentares de 1) identificar, com precisão, quais as necessidades coletivas que devem ser satisfeitas pelo Estado; 2) formular, com base em tal seleção, uma política pública eficaz para guiar a formulação da despesa pública; 3) estruturar e planejar o gasto público, com base em estudos técnicos, de forma a atender à necessidade escolhida.’’ (GUIMARÃES, Jorge. “O Orçamento impositivo’’: Um novo capítulo na crise da Separação dos três poderes à luz da Emenda Constitucional nº 86/2015)

Por tais motivos, não foi surpreendente ler hoje que “TCU aponta baixa eficácia na aplicação de emendas parlamentares’’(in: https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/politica/2019/12/714830-tcu-aponta-baixa-eficacia-na-aplicacao-de-emendas-parlamentares.html) , especialmente o seguinte:

“Recursos destinados por deputados e senadores para financiar obras e programas nas suas bases eleitorais não contribuem para melhorar a vida das pessoas. Na hora em que se decide para onde parte das emendas parlamentares deve ser enviada, necessidades reais da população são ignoradas. Estas são algumas das conclusões de uma auditoria em emendas feitas entre 2014 e 2017 que o Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de concluir.
Todos os anos, parlamentares podem decidir onde o governo deve colocar parte dos recursos públicos. Ao todo, cada um tem o direito de apresentar até 25 emendas individuais. O valor muda ano a ano. Em 2020, serão R$ 15,9 milhões por parlamentar, o que significa que o destino de R$ 9,5 bilhões será decidido pelos 513 deputados e 81 senadores do Congresso.’’

A coisa ficou pior do que o previsto. Deputados e senadores destinaram recursos públicos para obras fraudulentas; shows e festividades milionárias; compras viciadas e desnecessárias. Se tornou comum as notícias, em blogs e sites de notícias regionais e locais, que o “deputado fulano destina n milhões para a saúde de tal lugar’’.
Foram exatamente tais situações que me levaram a considerar a EC 86/2015, que criou a nefasta figura do orçamento impositivo parlamentar, não apenas inconstitucional, mas um sintoma de crise política e, ela própria, uma perversão da democracia:

“Diante da prevalência das emendas parlamentares como instrumento de poder tanto nas mãos do presidencialismo forte quanto numa crescente oligarquização dos partidos políticos presentes no interior do Congresso Nacional, acrescido da baixa representatividade das forças políticas no interior do Legislativo, não se vê necessidade técnico-jurídica para a manutenção das emendas parlamentares ao Orçamento. Estas, na verdade, constituem unicamente um mecanismo de barganha política e fermento do personalismo político, transformando o legislador em gestor público, algo que, a rigor, contraria a própria função de legislar e invade o campo de atuação do Executivo.
O orçamento impositivo das emendas parlamentares, assim, vem com ideia oposta a que se propagandeia. Confere independência não ao poder Legislativo, mas aos próprios parlamentares para continuar a dispor de recursos públicos segundo seus interesses; confunde legislador e gestor numa figura híbrida que não deixa de confessar sua parentela com antigas práticas oligárquicas ainda reinantes no cenário político nacional; e, por pior, impede que recursos públicos essenciais sejam alocados para onde realmente devem, visto ser o parlamentar um ente quase descolado de seus representados devido às vicissitudes do sistema eleitoral vigente.’’

É triste notar como a realidade deixou tais previsões mais amargas. As emendas ao orçamento se tornaram um instrumento de oligarquização e “coronelização’’ da política brasileira que, além de tudo, transformou o modelo da Separação de Poderes de um sistema ocasionalmente em crise para um sistema permanentemente em crise. O desperdício de recursos públicos em plena grave crise econômica e fiscal, em um cenário onde a população hostiliza e não reconhece seus próprios representantes legais, denuncia não apenas o modelo de competências do Estado nacional afundou, mas, sobretudo, faliu.
Essa constatação parte da visão de que o Estado brasileiro se tornou desfuncional por completo. Em resumo: legislador governa; presidente não governa e legisla; Judiciário legisla e governa... e assim o projeto iluminista encontrou seu fim em terra brasilis


terça-feira, 25 de setembro de 2018

O CORONEL CONTRA O LOBISOMEM: CIRO GOMES E O DRAGÃO DA MALDADE


Definir um voto vem sendo cada vez mais difícil. Mas, diante de tudo o que estamos passando hoje, vou me socorrer na história, a quem atribuo algum sentido: nos últimos 30 anos, reconquistamos nossa redemocratização, vivemos a estabilização econômica, festejamos a redução da pobreza e, por fim, caímos em um precipício onde todas essas conquistas estão ameaçadas. É o momento em que ou passamos para a fase de desenvolvimento seguinte ou vamos ter que iniciar tudo de novo, se é que me entendem.

Por isso, é fundamental o voto em alguém (ou em um “projeto’’) que se comprometa a conservar tudo o que foi realizado. Isso exclui o apoio a quaisquer aventuras antidemocráticas que, sob uma falsa promessa do retorno de uma época onde o “parecer’’ ser honesto, limpo e organizado era mais importante do sê-los de fato, atiçam o que há de pior na alma humana, como o velho desejo de que poucos devem comandar muitos e, o que é pior, de que algumas categorias de seres humanos são naturalmente “degenerados’’, verdadeiros cidadãos de segunda classe; por isso, merecem ganhar menos dinheiro, merecem sofrer com a pobreza da qual não são culpados, merecem ser surrados por sua orientação sexual, merecem a mordaça cultural, social e existencial. 

Tal discurso, apesar de usar a máscara da disputa eleitoral, já declaradamente proclamou a possibilidade de destruir a democracia e pôs em cheque o processo eleitoral – mas somente se perder nas urnas. É a fera que chega à meia-noite, meio homem, meio besta. 

Esse mesmo projeto autoritário busca aumentar os impostos sobre os mais pobres e a classe média, aliviando os mais ricos, onde a taxa de poupança é maior, acabando com o motor do crescimento nacional, que é o consumo das famílias; tenta realizar uma abertura indiscriminada da nossa economia, por puro fanatismo ideológico; almeja, por uma mistificação de uma suposta superioridade do setor privado sobre o público, privatizar o patrimônio nacional com uma voracidade que deixaria o príncipe das privatarias tucanas corado de vergonha – e aqueles que andam, há décadas, de olho nas riquezas do Brasil, finalmente satisfeitos.

Trata-se do projeto que, além de assumir seu compromisso com a concentração de renda e a desigualdade social, arrisca destruir, em poucos meses, quase que a totalidade da estrutura produtiva brasileira – ou alguém acha que o agronegócio brasileiro, que incrivelmente apoia essa proposta suicida, vai resistir quantos meses contra o agronegócio subsidiado norte-americano, se perder os subsídios que o governo brasileiro lhe concede?

Por isso, meu voto é destinado ao único candidato que tem o compromisso de preservar o estado de direito e, ao mesmo tempo, combater a loucura do elitismo econômico no Brasil. Tudo isso realizando um necessário ajuste nas finanças do país, detendo a escalada da dívida pública mudando a natureza da mesma para títulos com maior prazo de resgate e menores juros; isso se fará aumentando receitas, tributando quem nunca foi tributado no Brasil (lucros e dividendos das grandes empresas, e heranças multimilionárias, hoje subtaxadas) e reduzindo desonerações tributárias insanas, que custam mais de R$ 300 bilhões ao ano, permitindo espaço para revogar a insana “emenda’’ que congela os gatos públicos por 20 anos. Com isso, temos nossa “normalidade’’ fiscal de volta. E assim será possível os “capitalistas’’ voltarem a ver algum futuro no Brasil.

E país que acena ter um bom futuro é país onde as taxas de emprego e consumo sobem. Não é a toa que uma puxa a outra, e não é insanidade alguma lançar um programa que permita a 63 milhões de endividados voltarem a serem inseridos na roda da economia, consumindo como antes, gerando demanda e emprego, restaurando o patamar produtivo pré-crise, só que dessa vez beneficiado por uma desregulamentação maior do setor bancário, permitindo que as cooperativas de crédito possam competir com os grandes bancos para oferecer o crédito necessário ao crescimento do país. Um programa emergencial de empregos, reativando pequenas obras públicas, ajuda a dar o gatilho.

Nada disso é possível sem um governo que tenha algum planejamento econômico.

Nenhum país dos nossos tempos deixa de influenciar em setores estratégicos para a economia nacional, e não seremos nós a sermos os diferentes: a riqueza em petróleo, o potencial na área de defesa, o antigo título de maior produtor de biocombustíveis do mundo e a necessidade de redução da dependência do setor fármaco-médico são de atuação vital para a sobrevivência do país.

Tudo isso possibilita uma necessária reforma tributária, finalmente instituindo o IVA (imposto sobre valor agregado), substituindo quase uma dezena de outros impostos e reduzindo a burocracia, consequentemente, aumenta a arrecadação da Previdência e, assim, possibilita uma reforma do atual e insustentável modelo para o regime de capitalização misto para os futuros segurados – onde você só tira, quando se aposentar, o que poupou, mas o governo banca os desassistidos não mais com o dinheiro que o trabalhador entrega à Previdência, mas com seu próprio orçamento.

E, claro, ao lado da reforma trabalhista (revogando-se a atual e propondo uma nova, onde o poder de negociação individual entre empregado e empregador não frature direitos trabalhistas básicos) e de uma nova forma de atuação do Banco Central, com a implantação, paralela à meta de inflação, de uma meta de redução do desemprego (como o BC norte-americano faz), temos a receita de uma recuperação econômica racional e possível – e que se assemelha à receita econômica aplicada por Getúlio Vargas para superar, em três anos, a maior crise da história do capitalismo brasileiro, a de 1929.

Veja, nós tentamos a saída ortodoxa, com corte de gastos sociais, limitação de gastos públicos, elevação dos juros e aprovação de uma “reforma trabalhista’’ que deu em menos 900 mil empregos... e tentar fingir que é possível voltar à fase do crescimento dos anos 2000 usando as mesmas ferramentas – ignorando que o partido que as utilizou sujou-se na lama da corrupção, mesmo que não tenha criado o “mecanismo’’, e insistiu em políticas econômicas alucinadas, como controle de preços a la Sarney, que levaram à crise – é mero fanatismo partidário.

Um país entra em suas crises pelo fato do projeto anterior de país ter se esgotado; e não sai de sua pior crise por saudosismo, mas com um novo projeto de nação. Fingir que o relógio vai voltar dez anos no tempo é um estelionato eleitoral tão grave quanto o que foi aplicado na última eleição; fingir que o controle de preços e, após as eleições, o ajuste fiscal insano não quebrou o país é maldizer a inteligência do eleitor; fingir que é pura vítima de um golpe e ao mesmo tempo se aliar e confraternizar com os golpistas é fazer o país dançar à beira de uma nova mentira – nem todas as soluções passam pela máxima de Fernando Henrique Cardoso, “mais quatro anos’’.

Sobre o PT, por falar em "quatro anos'', basta um olhar para o último quadriênio. Venceram uma eleição prometendo manter o status quo, mas aplicaram uma receita de governo própria da coligação derrota, cortando gastos sociais e fortalecendo a crise que se esforçaram para esconder; não satisfeitos em levar à cabo um estelionato eleitoral contra o povo, ainda quedaram-se mudos diante das revelações da lava-jato. Sejamos sensatos: apesar de não ter montado o "maior esquema de corrupção do mundo'', os companheiros dele se beneficiaram. Pior: não fizeram qualquer tipo de autocrítica nem pelas propinas e "doações'' via caixa dois, nem pelas pérfidas alianças com quadrilhas políticas. Pior ainda: já estão aliados a eles de novo, depois do "golpe''!

Solução perfeita, no entanto, não há. A história nos leva a ver em um político proveniente de uma família tradicional, com trejeitos mais broncos e as vezes deselegantes (embora saiba ser humildade para reconhecer seus erros), como o único capacitado a levar o Brasil à sua quarta fase de desenvolvimento: a do alicerçamento do crescimento econômico condizente com nossas potencialidades mediante algo que não mencionei antes e que deixei por último por sua importância. A educação. Dela, ele entende: o Estado que já foi por ele governado é o campeão nacional nesse quesito. Professores não são sub-remunerados lá, nem espancados ou vítimas de deboche. E ele é o único candidato que tem um projeto firme e geral para mudar a educação brasileira, apostando nela todas as suas fichas. É o "coronel'' que gosta de colocar o professor como prioridade de suas gestões.

Não é preciso citar, também, a longa experiência política imune a processos de corrupção, os êxitos como prefeito, governador e duas vezes ministro de Estado.


Chegou a hora e a vez de Ciro Gomes, porque, como disse um conterrâneo seu, autor de "O guarani'': "o poder nasce do querer. Sempre que o homem aplicar a veemência e perseverante energia de sua alma a um fim, vencerá os obstáculos, e, se não atingir o alvo fará, pelo menos, coisas admiráveis.“ Temos diante de nós o "dragão da maldade'' suspirando por uma chance de devorar nossa democracia.

Chegou a hora de fazer o admirável pelo Brasil. Meu voto é seu!

Catilina à brasileira



Lúcio nunca foi levado a sério. Em muitos anos como político, não fez nada demais a não ser acumular patrimônio. Até que, oportunista como era, viu seu país entrar na pior crise da sua história, com antigos líderes presos e uma polarização cada vez maior entre ricos e pobres, “gente do campo’’ e “gente da cidade’’, “partido popular’’ e “partido aristocrático’’. Chegara a sua hora, pensou: defendendo a morte dos corruptos, “mudando tudo o que está aí’’, “ cobrando menos impostos para o cidadão’’ e erguendo a bandeira da “volta aos bons tempos em que o exército mandava’’, Lúcio, tendo como guru um antigo ditador, se lançou candidato ao maior posto político de seu país. E perdeu.

Mas não desistiu. Tentou por fogo (metaforicamente, espalhando notícias falsas e apocalípticas sobre os adversários; e literalmente, com muito óleo inflamável) na capital para, em meio ao caos, tomar o poder. Muitos dos que queriam “o retorno dos bons tempos’’ o apoiaram. E ele terminou morto na primeira das muitas guerras civis que dilaceraram Roma e a transformaram, afinal, numa ditadura imperial por quatro séculos.

Ao longo da história, muitos pretensos líderes tentaram reeditar a trajetória de Lúcio Sérgio Catilina. Quase todos ex-militares, cujo pensamento político variava da pura grosseria intelectual até sofisticadas construções teóricas. Nesses fluxos e refluxos da história, um padrão parece se repetir: um louco sempre “abre as alas’’ de uma fase política autoritária para um verdadeiro tirano, que se assenta no poder com base no rescaldo deixado pelo “homem-bomba’’.

Hoje, nós infelizes tetranetos tropicais dos romanos vivemos essa fase. Não é mais o nosso Catilina (cujo nome não me permito pronunciar) que é uma ameaça. É o incêndio que ele causou. O maior medo não é Catilina triunfar, já que seu próprio estilo tosco faz muita gente concordar com a velha denúncia de Cícero (“até quando abusarás da nossa paciência?’’).

É que, 20 anos depois das loucuras catilinárias, veio César e acabou com a democracia romana. Sempre existe coisa pior esperando no futuro, depois que os arautos do autoritarismo tem sucesso. 

Ó tempos, ó costumes!

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Ansiedade

"Hoje te trago sob ferros
e não mais serei pego por teus erros
aquele amar sôfrego de náufrago
deixei na ilha onde te fiz de afago

deusa do amor mau
onde estais, senhora do presságio ruim?
agora, que tuas lições morreram
e descestes ao último degrau?

Ânsia faminta, encontrastes tua cura
um toque de infanta, um olhar de moça pura
para sempre te esconjurou
e ao meu mundo mudou.''

A cura de Aurora

"Semente de Carlos
Cheia de encantos
de serpente nada tens
mas a chuva é o sinal de que vens

como pode tanta graça
oculta ter dançado
sob os olhos de um cego de nascença
que agora regozija com teus traçados?

Um rosto incomum, como uma nuvem no céu
pois no jardim das flores do mundo
não existe perfume mais puro
a me fazer sonhar: a eterna noite se encerrou.''