Dentre os personagens do teatro eleitoral, o papel de protagonista do pleito de 2024 cabe à atração principal do show: o prefeito Sivaldo Albino. Uma vez abertas as cortinas, todos estão fixos nos seus truques; mas quem é o homem por trás da cartola?
Sivaldo era um típico garanhuense comum até se eleger vereador, há mais de 20 anos. Pesava a seu favor o fato de ser filho de um ex-vereador e de representar uma nascente classe média em Garanhuns. E foi para esse público que ele pautou sua política por mais de uma década.
Apontado como uma estrela em ascensão, a amizade com o então todo-poderoso prefeito Silvino Duarte lhe garantiu uma posição de destaque no governo de Luiz Carlos, o sucessor de seu padrinho. Foi aí que Sivaldo se tornou presidente da Câmara e conduziu o legislativo nos anos perdidos do governo Luiz Carlos, não tomando qualquer medida para reverter a perda de indústrias ou investimentos importantes dos anos dourados do governo Lula.
Sem maiores destaques enquanto presidente da Câmara, se lançou candidato a deputado estadual em 2010, sem grandes resultados, e apoiou o retorno do padrinho Silvino em 2012, cujo pleito terminou com uma reviravolta: Silvino desistiu da candidatura para apoiar Izaias Régis, visto que ambos iriam perder para Zé da Luz. Albino seguiu seu padrinho.
Inicialmente aliado de Izaias, Sivaldo terminou se transformando no único vereador de oposição ao citado. Era comum ele surgir, nas rádios, com "denúncias" e as vezes até chorar se dizendo perseguido, alem de se apresentar como o síndico da cidade e homem mais ético em um raio de 200 km. Nessa época, era o vereador mais votado na cidade, graças ao voto da classe média que sempre o apoiou.
Até 2016, Sivaldo era o típico político conservador saudosista dos anos FHC, indignado com a corrupção do governo petista e organizador das passeatas pró-impeachment de Dilma Rousseff. Isso porque, além de Silvino, seu outro padrinho político era o deputado Raul Jungmann, principal liderança do PPS ao lado do ex-senador Roberto Freire.
Ocorre que esse grupo do PPS deixou a oposição ao governo estadual do PSB para apoiar o então governador Eduardo Campos, visto que este rompeu com o PT. Assim, Sivaldo se transformou em um membro da "Frente Popular" que combateu desde o início da sua vida política.
E foi como o único político expressivo da Frente Popular em Garanhuns que, em 2016, os chefes do PSB resolveram escolhê-lo para ser candidato a prefeito contra o bem avaliado Izaias. A escolha se deu às portas da eleição e consistiu em uma aposta: já se sabia que Izaias venceria com facilidade, mas também se identificou um nicho de oposição ao seu governo que, até então, não tinha um candidato. Naquela eleição a chance de vencer não existiria, mas a parte da população que rejeitava Izaias poderia ser a base para, nos pleitos posteriores, dar bons resultados eleitorais em 2018 e, assim, permitir ao PSB e sua Frente Popular retomar o controle de uma prefeitura perdida há vinte anos.
Sivaldo, então, se reinventou politicamente, esquecendo o passado recente de conservador, e saiu das eleições de 2016 com aproximadamente 16 mil votos, praticamente o dobro do esperado. A derrota sedimentou uma base eleitoral forte o bastante para que o então governador Paulo Câmara o nomeasse para um cargo no governo estadual, além de lhe garantir a indicação dos mais importantes cargos estaduais em Garanhuns.
(Sivaldo, na época em que tinha menos cabelos)
Sivaldo, ungido com o poder, começou a fazer suas mágicas e, em 2018, quase foi eleito deputado estadual, derrotando facilmente o candidato de Izaias, o forasteiro Álvaro Porto - que devolveu o apoio de Izaias levando o frigorífico e toda a verba que podia para sua cidade, Canhotinho.
Mesmo sem ser eleito, o governador nomeou um dos deputados do PSB para o secretariado e permitiu a Sivaldo exercer o mandato de deputado.
O neoesquerdista deu um tapa no visual, botou cabelo onde não tinha e chegou a 2020 como candidato oficial a prefeito em nome do governador e do PSB. O partido investiu muito nessa empresa, mas 2020 foi o ano da pandemia e a campanha politica foi muito afetada. Longe de poder fazer o mão-a-mão de sempre, Sivaldo teve que disputar o voto com mais cinco candidatos, sendo os mais expressivos Zaqueu e o padrinho do próprio Sivaldo, Silvino Duarte.
Silvino foi imposto pelo deputado Fernando Rodolfo, a contragosto do próprio Izaias Régis, que simplesmente fez corpo mole pelo antigo aliado. Já Zaqueu absorveu parte dos apoiadores do governo e, com a situação dividida, o voto do eleitor que rejeitava Izaias e Silvino se concentrou em Sivaldo - que só passou a atacar os antigos aliados na reta final da campanha.
Com uma penca de votos, Sivaldo chegou ao trono de Garanhuns e, ali, pareceu que os 24 anos de domínio do mesmo grupo político havia chegado ao fim.
Isso pareceu ser verdade no primeiro decreto da gestão, assim que Albino assumiu a prefeitura: demitiu todos os comissionados, da noite para o dia, ocupando os cargos lentamente ao longo de 2021. Lembro, aliás, de figuras desesperadas por perder um ganha-pão que julgavam ser eterno.
A "varrida", no entanto, causou a paralisia da máquina pública e tornou a prefeitura incapaz de responder aos graves problemas deixados por Izaias, principalmente nas dezenas de obras acabadas, asfalto se abrindo a céu aberto e crise até na coleta de lixo. Para completar, o prefeito resolveu nomear dois irmãos como secretários de governo, além de por primos e parentes por toda a Administração municipal, muitos deles sem qualquer formação ou experiência.
Foram símbolos do desastre dos dois primeiros anos de governo a tragédia de uma moça que foi sugada por um buraco e a inesquecível cratera da Paulo Guerra, que causou pânico aos moradores da região. Ao passo em que a cidade perigava ser engolida por uma voçoroca, Albino e seus aliados ostentavam em viagens e festas de luxo, exibindo cada vez mais sinais de riqueza pessoal.
Mesmo que tenha, em seu primeiro ano, tido quase unanimidade na Câmara de vereadores, a popularidade do prefeito andava em baixa, justamente em 2022, ano eleitoral. Havia a expectativa de derrota iminente do PSB e Sivaldo, aí, comete o pior erro da sua vida política: lançou seu próprio filho como candidato oficial a deputado estadual.
Como não podia deixar de ser, a população viu aquela candidatura como apenas mais um Albino tentando assumir um cargo para nomear parentes e o príncipe Albino não conseguiu êxito, sendo derrotado, na cidade, pelo ex-prefeito Izaias. Viralizou, na época, um áudio do próprio Sivaldo implorando a João Campos, então prefeito do Recife, uns 3 ou 4 mil votos para viabilizar a eleição do príncipe garanhuense.
No entanto, as eleições de 2022 não foram uma derrota total para Sivaldo, que conseguiu entregar cerca de 10 mil votos a seu deputado federal, o empresário radicado carioca Carreras, que devolveu o apoio com muitas emendas parlamentares do orçamento secreto.
Com o dinheiro entrando, a Câmara de vereadores sob controle e uma oposição que já acreditava estar com um pé na prefeitura, Sivaldo montou o seu show: o prefeito que deixou a cidade ser engolida pelos buracos se transformou no tocador de obras, entregando praças, prédios, escolas, postos de saúde e até um parque. Com dois toques da varinha de mágico, o prefeito entrou em 2024 como favorito.
No entanto, o prefeito deixou a população a ver navios em muita coisa. O hospital municipal continua como um sonho distante, nada do teleférico, nem dos novos festivais, nem das indústrias, incubadoras de empresas ou apoio às feiras populares.
Para a nova gestão, Sivaldo prometeu revisar o Plano diretor de Garanhuns (que impede que a cidade cresça verticalmente), além de pavimentar todas as ruas da cidade (ambicioso, não?) e construir um acesso ligando a Liberdade à Cohab II. Na educação, além de ampliar e melhorar o que já existe, Albino pretende conceder a seus súbitos mais 4 creches e escolas em tempo integral, além de propostas revolucionárias como entregar fardamento e kits escolares (e se propõe, é porque isso não acontece hoje, imagino).
Mas, se as propostas da educação parecem ter saído do chat gpt, as da saúde têm mais lógica. A principal delas é a construção do hospital municipal, de uma central de partos e de um centro farmacêutico, com propostas copiadas de outras cidades serviço de enfeite para o plano de governo (como exemplo, a batida ideia de implantar consultórios de rua ou construir mais UBS - mas onde, quando e com quais critérios, ninguém sabe!).
Na assistência social, a ideia é abrir um novo CREAS, criar um centro do idoso e fazer o feijão com arroz na área. Sobre a população de rua em crescimento, o perigo dos dependentes e a assistência à população pobre, nem uma palavra, em que pese Sivaldo prometa construir um abrigo para crianças abandonadas e uma "república" para jovens de 18 e 21 anos (e o restante?). Destaco a promessa de criar um restaurante popular (também copiado do PSB recifense) e a criação de uma casa de apoio em Recife (o que já existe!).
As propostas sobre desenvolvimento, no entanto, são curiosas: ali consta a velha lorota de incentivo ao primeiro emprego, reabertura da escola técnica municipal e microcredito para o empreendedor (uma proposta copiada do plano de governo de João Campos, lá de 2020). Também se propôs criar um banco comunitário e uma moeda de mentirinha ("Garoa". Consegue acreditar?), além de criar uma agência do emprego (um serviço inútil, visto já existir um órgão estadual para isso) e reestruturar os espaços do comércio popular (Pop Shop, mercado 18 de agosto e a CEAGA). Aliás, porque reestruturar a CEAGA, que acabou de ser reformada?
Sobre o turismo, se propôs um monte de programas sem sentido, além de implantar um pavilhão de feiras e eventos, instalar o tão famoso teleférico e criar a festa dos quilombos. O resto são só boas intenções. Nenhuma palavra sobre transformar Garanhuns na terra dos festivais, nem de fomentar indústrias e produtores locais para produzir bens de consumo nos principais eventos do município.
Sobre a cultura, a principal proposta é manter o FIG sob organização da prefeitura, além de criar dois museus, uma escola de arte e uma casa da cultura.
Por fim, as propostas para a para a área rural, se propôs o básico (como cuidar das estradas vicinais) e as velhas promessas de banco de sementes e apoio ao agricultor de acordo com o que ele planta e recuperar culturas de plantio já perdidas, como o café. No meio de tudo, se falou em padronizar ambulantes e as feiras livres (o que não deu muito certo na gestão Izaias).
O que podemos concluir das propostas de Sivaldo? A maioria veio diretamente do Chat GPT e do plano de governo de João Campos de 2020. Outras claramente foram copiadas do plano de governo do próprio Sivaldo em 2020 e, por sua vez, outras ignoram a realidade (como criar algo que já existe ou reformar uma CEAGA que acabou de ser reformada).
Desnecessário dizer, mas com a grande maioria dos candidatos a vereador o apoiando e toda a máquinha dos comissionados da prefeitura, além do reforço do orçamento secreto, a família real ficará mais 4 anos no governo.
Em suma, Sivaldo está há poucos dias de conseguir um segundo mandato, mas duvido que fará o sucessor. Isso porque uma das fontes de receitas para as muitas obras que conduz veio de dívidas contraídas com vários bancos. O cheque não será tão gordo assim ao longo do segundo mandato.
Enfim, Sivaldo Albino está acostumado a fazer mágicas e a se reinventar. Deixou de ser um assalariado para ser vereador, presidente da Câmara e candidato mais votado; ficou careca e, depois, cabeludo; era conservador de direita do tipo que usava camisa da CBF e tudo e, hoje, não só faz o L como traz propostas para populações oprimidas; vivia criticando todo mundo em nome da ética e dos bons costumes e, no poder, cometeu mais atos de nepotismo que os coronéis de antigamente. Demorou um ano para tapar dois buracos, mas entregou um parque em quatro meses e, de promessa jovem da política e esperança da classe média, se transformou em um caudilho familiar das antigas.
Entre a mágica e a pura farsa, Albino vai fazendo seu feitiço que, na verdade, é só a continuação da histórica política dos últimos 30 anos de Garanhuns: prefeitos fracos garantem mais 4 anos com muito apoio espontâneo da Câmara e obras de sal e nunca mais têm relevância após os 8 anos, sendo processados e tendo os bens congelados depois.
Se Sivaldo terminará assim, é uma aposta, e é uma pena que o futuro de 140 mil garanhunenses esteja diretamente nessa nesse bolão!
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