O bom da nova burrice do governo Temer é promover uma discussão necessária sobre a educação brasileira. Mas, como tudo nesse país, é mais um debate que nasce ideologizado e partidarizado.
Particularmente me preocupa quem deseja “flexibilizar’’ o currículo escolar ou mesmo extingui-lo, deixando para as crianças e pais a tarefa de “escolher’’ o que vai ser ensinado, um “self service’’ de disciplinas e conteúdos.
Isso por que, se tem uma coisa que aprendi como ex-estudante de Licenciatura em História, é que o ser humano possui diversos tipos de racionalidade e inteligência (inteligência emocional, discursiva, reflexiva, lógico-matemática...) e que cada ramo do saber e conteúdo ministrado estimulam essas capacidades distintas. É só assim que uma delas vai aflorar e guiará nossa futura escolha profissional: sim, você pode nunca mais ter que realizar uma equação, mas ela ajuda a desenvolver um tipo de inteligência que “puxa’’ as demais e te deixa com mais embasamento para escolher o caminho mais adequado às suas capacidades.
Exemplo? Platão era um filósofo, talvez o maior que já existiu. Mas todas as suas fantásticas ideias, que influíram principalmente nas “ciências humanas’’, foram germinadas enquanto ele fazia cálculos matemáticos e geométricos, “forçado’’ por seus mestres... e se Platão fosse um estudante brasileiro e detestasse as “ciências exatas’’? Será que ele desenvolveria um pensamento tão complexo sem a inteligência lógica que deixaria de adquirir? É isso mesmo. Platão ficaria na caverna e nunca sequer pensaria em "sair para a luz''!
E aqui vai a principal lição que as ações irresponsáveis do governo Temer e seu ministro da educação nos levam a concluir: a educação não é terra de ninguém, a ser “flexibilizada’’ e moldada de acordo com o “gosto’’ das pessoas, ainda mais a partir de uma “canetada’’ imperial feita às pressas, mas um ramo do saber em si, com profissionais habilitados – os professores – que precisam de valorização, investimento, consideração, respaldo.
Por que o grande problema da nossa educação não é o que se ensina ou o que se deixa de ensinar, mas o “como se ensina’’: nosso problema é metodológico, didático. O professor precisa ser formado para, acima de tudo, saber lidar com a interdisciplinariedade; e muitos são, mas com salas de 50, 60, 70 alunos, auferindo um dos mais baixos salários para professores do mundo, sem qualquer estrutura física, sofrendo cobranças constantes e “canetadas’’ ingratas (aumentar a jornada do ensino médio pra 7 horas? É sério isso, gente?).
Não há liberdade real para o aluno sem investimento no professor, sem o ensino de conteúdos mínimos (sim, o currículo é desenvolvido, ou deve ser, por profissionais que estudam anos para tal, com o fim de proporcionar ao estudante o mínimo para que possa escolher o que seguir...), sem investimento NA ESCOLA?
Educação não se faz com ideologia, com canetadas ou proselitismo. Se faz com trabalho, e enquanto continuarmos MARGINALIZANDO nossos trabalhadores educacionais (agora, qualquer um que tiver "conhecimentos relacionados à matéria'' poderá dar aula, sem necessidade de ter licenciatura!) e consagrando a Escola como terra de ninguém, a retirada de Sociologia e Filosofia do currículo obrigatório só será uma pequena parte daquilo que já toma ares de projeto: o de sucateamento e precarização da educação, como parte de um projeto de poder maior para manter o Brasil exatamente como é. Um país governado por um golpista que transformou 8 mil refugiados em 90 mil diante de uma reunião internacional; um país onde a lei diz “a prisão é medida excepcional’’, mas que termina se tornando a regra por causa de “interpretações’’ duvidosas; um país onde uma empresa (a Samarco) despeja milhares de toneladas de lama tóxica em cima de uma cidade, por anos, e ninguém percebe nada de errado, já que “ninguém mais usa química depois da escola’’; um país onde um ex-ator ruim tem mais acesso ao ministro da educação do que os melhores profissionais da pedagogia; um país onde, pela falta de conhecimento, tudo se reduz à uma ou outra ideologia, enquanto vamos para o buraco.
E “Pátria educadora’’ era o lema do governo. Foi, sem dúvidas, uma sinistra profecia. Se a educação é revolucionária, então ela será a primeira vítima dos inimigos do progresso e amantes da "ordem''. A "ordem'' que tão bem conhecemos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário