segunda-feira, 26 de setembro de 2016

As eleições em Garanhuns: "tempo perdido''?



É comum que, quando se trata das eleições em Garanhuns, jornalistas e comentaristas a considerem como uma das menos interessantes do Estado por sua “definição precoce’’. O jogo, como dizem, parece já estar jogado, mas reducionismos favoritistas não expressam a realidade política do município. Para tal, é preciso uma análise triangular das peculiaridades da política garanhuense, sob uma linha histórico-estrutural, conjuntural e potencial.


1- "Tempo perdido'': a história política recente de Garanhuns e suas macroestruturas políticas

Em 2012, Garanhuns viu o encerramento de um ciclo. Se iniciava uma nova era em sua história, sacramentada por uma expressiva vitória do então deputado estadual Izaías Régis sobre o “perigoso’’ Zé da Luz, um forasteiro acusado de ser “ficha-suja’’.

Mas como as coisas evoluíram a este ponto? Para entender como o atual grupo político chegou ao poder e caminha para conservá-lo por mais quatro anos, é preciso olhar para o passado. Garanhuns tem uma peculiaridade que poucas cidades do interior nordestino possuem, e talvez a que mais determine sua política diferenciada: a ausência de famílias “tradicionais’’ que, em grupos aliados ou opostos, exercem domínio político sobre o município. Essa é uma herança histórica diretamente influenciada pela “hecatombe de Garanhuns’’, que vitimou boa parte dos chefes políticos locais no início do século XX, ao ponto em que os sucessores foram, paulatinamente, sendo substituídos por “novatos’’ no exercício dos cargos eletivos, se verificando grande rotatividade no preenchimento destes.

Por outro lado, a promoção, durante os anos 60 e 70 do século XX, de uma política urbana e industrializante foi promovendo a transferência da população rural para a cidade, enfraquecendo proprietários de terras e contribuindo para que a divisão de terras no município se tornasse cada vez mais minifundiária, com o abandono das lavouras de café em prol da pecuária e da agricultura de subsistência. No fim do século, dois grupos políticos não oriundos de famílias tradicionais – um liderado pelo ex-prefeito Ivo Amaral e o outro pelo seu oponente, o então prefeito, Bartolomeu Quidute – espelhavam, na cidade, a rixa entre o PSB de Miguel Arraes e o PFL de Marco Maciel e Joaquim Francisco. Bartolomeu estava em vias de fazer o sucessor e contou com o massivo apoio de Arraes, então governador, para emplacar Silvino Duarte, nas históricas eleições de 1996, o que rendeu comentários, por parte do derrotado Ivo, de que “os precatórios de Arraes’’ estiveram por trás da vitória do Silvino.

É com tal eleição que, além da ausência de chefes e famílias tradicionais, verificando-se grande rotatividade de lideranças políticas precoces, rapidamente surgidas e rapidamente exauridas, se consolida outros dois pilares da estrutura política garanhuense: o apelo sem pudores à força econômica e o personalismo fraco. E não é segredo que a injeção robusta de recursos na campanha foi vital para a vitória de Silvino, que inaugurou uma forma de fazer política que já batizei, anteriormente, como “silvinismo’’.

Como Garanhuns, apesar de geralmente estar alheia às transformações do país, não deixa de seguir as ideologias da moda, tal época foi a do “neoliberalismo’’ na cidade. Com um forte ajuste fiscal, renegociação da dívida municipal e revisão de contratos, o novo governo saneou as contas públicas e constituiu uma reserva para, principalmente, investir em obras públicas de grande visibilidade, como a construção do “pop shop’’, o mercado popular da cidade, inaugurando uma espécie de "prefeitura mínima'' responsável somente pela área de infraestrutura, deixando a saúde e a educação "em mãos privadas''. Por outra via, praças, calçamentos e asfaltamentos foram executados por toda a cidade, garantindo ao prefeito o desfrute de significativa popularidade, o suficiente para garantir uma reeleição tranquila e o apoio de quase todos os vereadores. Estes, por sua vez, agiam como cabos eleitorais em tempo integral do prefeito, traficando pequenas vantagens e favores para suas bases eleitorais, como vagas de emprego, distribuição de cargos comissionados na Câmara ou na Prefeitura, consultas médicas, doação de remédios e internações hospitalares. Chamei tais práticas de "política pornográfica''. E assim o sistema tinha tudo para se reproduzir, e se reproduziu, com a eleição do herdeiro do “silvinismo’’, o prefeito Luiz Carlos de Oliveira.

Enquanto Silvino Duarte ganhou prêmios de gestão pública nacionais quando esta se resumia a cortar gastos e elevar impostos, deixando para o espontaneísmo do mercado a solução das graves desigualdades sociais (que se agravaram no município, com metade da população vivendo abaixo da linha da pobreza e parte desta na mais absoluta miséria, principalmente na empobrecida zona rural e nas periferias de formação caótica, formada por migrantes do campo ou de pequenas cidades que orbitam em torno de Garanhuns – que hoje tem papel vital na atual eleição, conforme se demonstrará) o Brasil mudou com a chegada do PT ao poder. Mas, dessa vez, Garanhuns não acompanhou o compasso.

A gestão Luiz Carlos seguiu as linhas deixadas pelo antecessor, embora tenham, conforme a tendência garanhuense oriunda do personalismo fraco de que os líderes políticos se sucedem rapidamente entre si (com um chefe político apoiando um sucessor e sendo por ele defenestrado, assumindo o último a chefia da cidade, até a próxima “traição’’), rompido posteriormente. Enquanto cidades como Arcoverde, Caruaru, Petrolina e Gravatá compreenderam que agora o governo federal adotara uma política de investimento na região nordeste, através de obras públicas de grande relevo, expansão da rede universitária federal, concessão de vantagens econômicas para a instalação de empresas de grande porte, programas sociais como o luz para todos e um grande volume de recursos através do PAC, o governo de Garanhuns continuou com uma política fechada, bairrista, cuidando meramente de calçar ruas em período pré-eleitoral, lotear a máquina pública e vender favores em troca de votos. E o bonde passou, o presidente Lula veio e se foi, e Garanhuns não viu uma única obra social de relevo, a não ser a instalação do campus da UFRPE, fruto direto da atuação de deputados como Fernando Ferro, que não contou com ajuda alguma por parte da prefeitura. Absolutamente nenhuma empresa de grande porte se instalou na cidade, que chegou ao ponto vergonhoso de ter menos de 10 estabelecimentos industriais (Caruaru, na mesma época, chegou a ter mais de 700!) e ter sido preterida por Bom Conselho para a instalação de grandes empreendimentos. Logo, viveria seguidas crises na agricultura e na pecuária, perdendo o posto de polo leiteiro para cidades próximas, sob as barbas da prefeitura, que permaneceu inerte diante do processo de “desindustrialização’’ e “abandono do campo’’.

Não bastasse a inércia, a gestão degringolou em irresponsabilidade fiscal. Os gastos superaram as receitas, o número de funcionários comissionados da prefeitura só aumentava (chegou-se ao pico de 3 mil, muito superior ao número de servidores públicos efetivos até hoje, tornando o município o maior empregador da cidade) e, por fim, vieram os escândalos. O que começou com o desvio de verbas públicas na reforma da ponte de um sítio – empenhada, liquidada e devidamente paga, mas jamais realizada – revelou sistemáticos desvios e fraudes a licitações públicas. Com as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado, que delineou todos os desvios e violações legais cometidas pelo prefeito em fraudes nas licitações para a compra de material escolar e demais expedientes (uma breve lista: superfaturamento de obras, uso da máquina pública para promoção pessoal, pagamento de gratificações ilegais... a lista é grande!), a popularidade do gestor ficou no chão (com picos de rejeição batendo os 75%) e, depois de deixar o cargo, foi alvo de ação de improbidade administrativa que chegou a congelar seus bens, sendo ainda condenado a devolver quase R$ 700 mil aos cofres públicos.

Como agravante, o governo ainda adotou uma política bairrista, sendo incapaz de se articular com o governo do Estado e o governo Federal, tanto pela relação tempestuosa com o então deputado Izaias Régis, que representava a cidade na ALEPE, tanto pela ausência de canais políticos em Brasília. Garanhuns, pela fraqueza de lideranças, virou uma terra de ninguém, onde candidatos aventureiros fundavam comitês para arrancar dois, três ou quatro mil votos a cada quatro anos, esquecendo completamente a cidade entre um e outro mandato. Tal movimento chegou às raias do absurdo quando a candidata a deputada federal Ana Arraes, que nunca moveu um fio pela cidade, foi a mais votada nas eleições de 2010.

Diante da derrocada monumental do prefeito, o deputado Izaias Régis passou a liderar uma “oposição branca’’ contra o Executivo. A ideia era substituir a inércia de Luiz Carlos por uma gestão mais ativa, com muito “trabalho’’ e realizações concretas, trazendo desenvolvimento para a cidade. Aliás, durante toda sua carreira política, o deputado, aliado de Armando Monteiro – o grande nome dos industriais pernambucanos – prometeu “trazer indústrias’’ para a cidade, gerando emprego e renda. A ausência do cumprimento das principais promessas, contudo, não impediu que este lançasse a candidatura a prefeito, em 2012, sob forte clima de renovação política, para ocupar o vácuo da aparente queda do silvinismo, ainda mais como reação ao perigo de que Zé da Luz, ex-prefeito de Caetés, fizesse da cidade sua nova conquista política.

Silvino Duarte, antes candidato, retirou-se da disputa para apoiar Izaias, que venceu facilmente Zé da Luz e o candidato Paulo Camelo. Parecia o início de uma nova era, onde a ausência de chefes e famílias tradicionais, a efemeridade das lideranças políticas, os rompimentos constantes entre ex-aliados e inimigos mortais, o bairrismo e o assistencialismo pareciam com os dias contados.


2- "Abracadabra’’ e a ilusão da “grande gestão’’: a conjuntura de Garanhuns hoje

Sob fogos de artifício, o novo governo começou “cortando na carne’’. O corte de despesas foi significativo, contratos foram revistos e se pôs a casa em ordem. Com o equilíbrio fiscal voltando ao normal, após o primeiro ano de mandato foi iniciado uma série de ações e obras de pavimentação que, em grande parte, foram a marca da gestão Régis na prefeitura. Próximo ao senador Armando Monteiro, o governo municipal conseguiu a liberação de verbas há muito atrasadas, e viu aumentar o volume de transferências voluntárias por parte da União (dinheiro que, vindo do governo federal, não é de obrigatório repasse aos municípios, se tratando em grande parte de convênios com o ministério das cidades e emendas parlamentares ao orçamento federal). O dinheiro extra foi responsável por levar saneamento básico e calçamento à populações periféricas, principalmente das Cohabs, onde uma massa eleitoral esquecida que foi a principal arma de Zé da Luz contra Izaias em 2012.

Mas nada melhor que ouvir o próprio gestor fazer um balanço de seu governo. Em entrevista à TV Asa Branca, o prefeito Régis destacou a pavimentação de 432 ruas, enunciando que sua prioridade foi investir na periferia, bem como a substituição da iluminação pública da cidade por lâmpadas de LED. Ainda teria adotado uma visão empresarial na gestão da cidade, aumentando em “200%’’ a arrecadação do município e feito cortes necessários, como o fechamento do hospital municipal, onde “um parto custava cerca de R$ 330 mil’’ e feito um convênio com o hospital infantil para que realizasse os partos e promovesse a saúde da mulher. Destacou o concurso realizado para guardas municipais, alegou ter construído 6 creches e mais 3 postos de saúde, além de assegurar o pleno funcionamento das 35 unidades existentes. Por fim, alardeou ter realizado o “natal mais bonito do nordeste’’, o natal luz de 2015.

Dentre as realizações do prefeito, é inegável a boa gestão fiscal e sobretudo a política de transparência dos gastos públicos, sem dúvidas uma das melhores do país. É possível acompanhar o destino de cada centavo de dinheiro público manejado, bem como ter acesso a relatórios detalhados no site da Controladoria Municipal mantido em tempo real pela Prefeitura. Mas, em paralelo com o ensinamento bíblico, nem só de transparência vive o homem.

Como todo governo deve fazer escolhas e tomar decisões, deve igualmente fazer sacrifícios. No caso, o atual governo, que exerceu desde sempre uma boa gestão da Coisa Pública, conseguiu reduzir as despesas a ponto de ter uma boa margem para aplicar em investimentos (ou “despesas de capital’’, o tipo de gasto que pode gerar, no futuro, mais receita para a Administração ou que expande seu patrimônio, diferente das despesas correntes, do dia-a-dia, como o pagamento de funcionários) e tomou uma decisão sobre como aplicar o dinheiro. E tal decisão foi a de aplicar os recursos, prioritariamente, na infraestrutura da cidade.


A escolha trouxe benefícios, mas teve um custo.
Enquanto a cidade se tornava menos desestruturada, outras áreas, como a saúde e a educação, permaneceram subfinanciadas, com a estagnação dos postos de saúde (três foram construídos nestes 4 anos), que estão da raiz da crise de superlotação do Hospital Regional Dom Moura, para onde a maior parte da população se dirige em busca de remédios, exames simples e consultas básicas, devido à carência dos postos de saúde em prover tais demandas. A educação, embora bem gerida, não apresentou resultados expressivos ao não entregar, em 4 anos, nenhuma das creches em construção – o prefeito alega que “problemas da gestão anterior’’ levaram a cancelar a licitação, realizar uma nova e só assim dar seguimento às obras, que, seguindo tal lógica, já duram pelo menos 5 anos, sem falar que foram planejadas pela gestão anterior, e não pela atual, tornando nula a contribuição educacional do atual governo. Em que pese bons resultados do IDEB, houve crises constantes entre educadores e o governo, com a alteração do abono percebido pelos professores e até mesmo a decretação do estado de greve.

No que concerne aos servidores municipais, o município foi praticamente obrigado pelo Ministério Público a efetuar um concurso através de um Termo de Ajustamento de Conduta (um “puxão de orelha’’ para evitar que o MP proponha ação que obrigue o município a tal), com o fim de substituir o grande número de cargos comissionados por efetivos, em um processo longo, caótico e fiscalizado de perto pela instituição. Não fosse a atuação do MPPE, o exército de comissionados continuaria inalterado – embora, devido ao baixo número de vagas (pouco mais de 120), o grosso de comissionados continue a constituir o coração da administração municipal.

No geral, a prefeitura de Garanhuns foi como um estudante do ensino médio que tirou altas notas em matemática - mais teve desempenho pífio em histórica, português e geografia, as disciplinas que permitem refletir sobre o agir crítico do ser humano e seu papel histórico, essencialmente um agir projetado para o futuro. 


3- O futuro perdido?

A decisão por priorizar investimentos na área viária gerou consequências negativas ainda maiores, com o já citado fechamento do hospital municipal. O golpe maior foi a desistência, por parte da prefeitura, de realizar o Festival de Jazz municipal, evento de porte nacional que já havia se tornado patrimônio cultural da cidade. Alegou-se que, por gastos com o “Natal Luz’’, seria incabível realizar mais um evento festivo, embora não se tenha cessado os investimentos em calçamentos e asfaltamentos constantes. Ao custo de menos de R$ 1 milhão, o festival gerava muito mais em termos de renda, ocupação da rede hoteleira e fomento ao combalido setor comercial da cidade, e decidir pela sua não-realização foi um duro golpe na vocação turística do município. Enquanto isso, Gravatá abraçou o festival - e, atente-se, durante um período em que sofreu intervenção estadual por causa do altíssimo descontrole das contas públicas - e, nele vendo uma chance de ouro, o transformou em um sucesso.

Além do risco econômico causado pela perda do festival, o prefeito pecou pela não-realização de propostas vitais que o levaram ao poder. O fechamento do hospital municipal (que deveria se transformar em centro de saúde da mulher), o esquecimento sobre a construção de um laboratório de medicina do trabalho, a não aplicação de um programa de qualificação continuada para trabalhadores da saúde, a omissão na assistência odontológica e, principalmente, a omissão quanto à construção de um centro de diagnósticos em Garanhuns (com exames de raio-X, ultrassom etc., uma das maiores carências da cidade), revelam uma lista muito grande, e até inaceitável, de sacrifícios feitos para se manter um programa de obras públicas reconhecidamente eficiente. O pior, no entanto, para o governo foi fazer do saneamento e das obras básicas suas bandeiras políticas, mas ignorar o problema do acesso ao transporte público e da mobilidade em uma cidade que dobrou sua frota de carros na última década, efeito direto da adoção de uma das mais caras passagens, proporcionalmente, de ônibus do país.


E, em que pese afirmar estar construindo uma espécie de distrito industrial e “já estarem sendo gerados 70 empregos’’ e “algumas empresas já estarem se instalando’’ o sonho do desenvolvimento econômico nunca esteve mais distante. A cidade continua baseando sua economia no comércio com as cidades ao redor, omissa diante de uma seca que deixou de joelhos a zona rural e encareceu produtos básicos nas feiras dos bairros. Garanhuns vai perdendo sua grande vocação, de linha imanentemente agrícola – o solo da cidade é de grande fertilidade, bem como existem centenas de reservas de água em seu subsolo, prontas para irrigarem um novo ciclo do café e da pecuária – e abrindo mão de eventos que confirmam seu potencial turístico.

É uma cidade que vai perdendo as bases para um futuro de desenvolvimento econômico, ao sucatear a saúde, estagnar a educação, abandonar investimentos no campo e deixar de promover a cultura. Tanto é que o município não pretende realizar investimentos ou estimular a promoção de empreendimentos comerciais que, na Lei de Diretrizes Orçamentárias mais recente enviada pela Prefeitura, não se preveem renúncias fiscais ou incentivos fiscais para os próximos anos. Ou seja, sabe aquelas cidades que aplicaram a renúncia ou o incentivo fiscal para receber novos investimentos e cresceram? Garanhuns não é, e nem vai ser, como elas.

Destaque-se que, longe de aumentar a arrecadação em “200%’’, esta continua baixa e deixa a cidade dependente dos repasses do governo estadual e municipal, que vem minguando nos últimos anos. Já se prevê, para o ano que vem, um aumento no endividamento e nas despesas com a dívida municipal, como “ressaca’’ dos intensos gastos que foram realizados este ano. O risco é que a prefeitura mantenha o ritmo dos gastos enquanto as receitas enviadas por outras esferas de governo caiam, ou seja obrigada a reduzir tanto os gastos que fique incapaz de realizar investimentos. Ao invés de ter investido para criar as bases do futuro, a gestão Izaias investiu no presente, preferindo apresentar resultados de curto prazo para a população na forma de obras públicas, resgatando o silvinismo no sentido a usar a máquina pública para a promoção pessoal do administrador e fazer obras para “cativar’’ o eleitorado, usando como força motriz o exército de comissionados e clientes de líderes políticos aliados do poder municipal.

Em suma, o governo Izaias corre o risco de ser, como os últimos quatro governos, um governo de “tempo perdido’’, que desperdiçou chances históricas de desenvolver o município a partir de políticas públicas de longo prazo. O futuro da cidade, aquele ente perdido que leva muitos jovens a deixar o município em busca de oportunidades em outras terras, continua irrealizável.

E quando me perguntam que tipo de futuro me refiro, parece ser bem óbvio: uma velha teoria dizia que certos países e regiões produzem certos bens a custos menores que outros. A produção a custo menor se chama “vantagem comparativa’’, que simplificadamente significa “vocação natural’’. A de Garanhuns, surpreendentemente, abarca desde a agricultura até a indústria e o setor de serviços, por que além de terreno fértil, localização estratégica, presença de água e ser o centro econômico do agreste meridional (um mercado de pelo menos meio milhão de pessoas), a cidade possui o ativo mais valioso destes tempos globalizados: conhecimento. São três instituições de ensino superior, mais um campus do Instituto Federal de Garanhuns, todas bem avaliadas e renomadas, praticamente inutilizadas ou desintegradas da economia municipal, com alunos, professores e um potencial absurdo de projetos possíveis de serem aplicados na região, com reflexos na mecanização e massificação da agricultura, na construção de uma cooperativa pecuária que disponibilize a seus cooperados assistência técnica, na produção de softwares e empreendimentos na área de informação e tecnologia e, sobretudo, no investimento e valorização da educação de base, por parte de uma das maiores unidades da UPE no interior do Estado. Com tais pilares, fora os instrumentos jurídicos adequados (reforma do código tributário municipal para possibilitar uma tributação mais justa e eficiente, sem os abusos verificados na cobrança do IPTU e de contribuições de iluminação pública absurdamente altas, fora um planejamento urbano mais eficiente através da revisão do Plano diretor), estariam postos os fundamentos para um novo ciclo de desenvolvimento virtuoso, centralizado em Garanhuns, que teria condições de produzir políticos para, nacionalmente, continuar a trazer benefícios para a cidade. Atualmente, nenhum deputado estadual ou federal é de Garanhuns.

Não bastasse tais observações, a euforia em relação ao atual prefeito permite sacrificar o futuro em troca da ilusória promessa de permanência da atual situação. Como já se defendeu, os ciclos políticos de Garanhuns são curtos e terminam com os antigos chefes políticos sendo engolidos ou traídos pelas lideranças que eles mesmos alimentam, impedindo-se a formação de famílias ou chefes longamente influentes na cidade. Esta seria uma característica positiva se a cidade fosse politizada – o que, efetivamente, não é, imperando uma grande apatia quanto aos negócios públicos, pois estes se reduzem à mórbida gestão do presente.

Esta é uma cidade que prefere lançar sobre si mesma o feitiço do tempo e sacrificar o amanhã para dilatar o hoje. Por isso que não surpreende a possível vitória fácil do atual governo, cujas lantejoulas faíscam ilusões de uma vida melhor nas calçadas e praças, mas continuamente sofridas nos postos de saúde, escolas e no mercado de trabalho. Infelizmente, o atual prefeito não traz, entre suas propostas, nada que edifique o futuro da cidade, teimando em repetir o bordão de "fazer'' obras de infraestrutura como revitalizar praças e a entrada da cidade. Até nesse sentido, contudo, o atual gestor peca: nem mesmo o famoso "shopping center'' deixou de habitar a placa de anúncio onde está, bem na entrada da cidade, recepcionando os visitantes de Garanhuns como um símbolo sinistro de que, na terra de Simoa, o futuro sempre fica para o amanhã. 

As eleições em Garanhuns: "tempo perdido''?



É comum que, quando se trata das eleições em Garanhuns, jornalistas e comentaristas a considerem como uma das menos interessantes do Estado por sua “definição precoce’’. O jogo, como dizem, parece já estar jogado, mas reducionismos favoritistas não expressam a realidade política do município. Para tal, é preciso uma análise triangular das peculiaridades da política garanhuense, sob uma linha histórico-estrutural, conjuntural e potencial.


1- "Tempo perdido'': a história política recente de Garanhuns e suas macroestruturas políticas

Em 2012, Garanhuns viu o encerramento de um ciclo. Se iniciava uma nova era em sua história, sacramentada por uma expressiva vitória do então deputado estadual Izaías Régis sobre o “perigoso’’ Zé da Luz, um forasteiro acusado de ser “ficha-suja’’.

Mas como as coisas evoluíram a este ponto? Para entender como o atual grupo político chegou ao poder e caminha para conservá-lo por mais quatro anos, é preciso olhar para o passado. Garanhuns tem uma peculiaridade que poucas cidades do interior nordestino possuem, e talvez a que mais determine sua política diferenciada: a ausência de famílias “tradicionais’’ que, em grupos aliados ou opostos, exercem domínio político sobre o município. Essa é uma herança histórica diretamente influenciada pela “hecatombe de Garanhuns’’, que vitimou boa parte dos chefes políticos locais no início do século XX, ao ponto em que os sucessores foram, paulatinamente, sendo substituídos por “novatos’’ no exercício dos cargos eletivos, se verificando grande rotatividade no preenchimento destes.

Por outro lado, a promoção, durante os anos 60 e 70 do século XX, de uma política urbana e industrializante foi promovendo a transferência da população rural para a cidade, enfraquecendo proprietários de terras e contribuindo para que a divisão de terras no município se tornasse cada vez mais minifundiária, com o abandono das lavouras de café em prol da pecuária e da agricultura de subsistência. No fim do século, dois grupos políticos não oriundos de famílias tradicionais – um liderado pelo ex-prefeito Ivo Amaral e o outro pelo seu oponente, o então prefeito, Bartolomeu Quidute – espelhavam, na cidade, a rixa entre o PSB de Miguel Arraes e o PFL de Marco Maciel e Joaquim Francisco. Bartolomeu estava em vias de fazer o sucessor e contou com o massivo apoio de Arraes, então governador, para emplacar Silvino Duarte, nas históricas eleições de 1996, o que rendeu comentários, por parte do derrotado Ivo, de que “os precatórios de Arraes’’ estiveram por trás da vitória do Silvino.

É com tal eleição que, além da ausência de chefes e famílias tradicionais, verificando-se grande rotatividade de lideranças políticas precoces, rapidamente surgidas e rapidamente exauridas, se consolida outros dois pilares da estrutura política garanhuense: o apelo sem pudores à força econômica . E não é segredo que a injeção robusta de recursos na campanha foi vital para a vitória de Silvino, que inaugurou uma forma de fazer política que já batizei, anteriormente, como “silvinismo’’.

Como Garanhuns, apesar de geralmente estar alheia às transformações do país, não deixa de seguir as ideologias da moda, tal época foi a do “neoliberalismo’’ na cidade. Com um forte ajuste fiscal, renegociação da dívida municipal e revisão de contratos, o novo governo saneou as contas públicas e constituiu uma reserva para, principalmente, investir em obras públicas de grande visibilidade, como a construção do “pop shop’’, o mercado popular da cidade. Por outra via, praças, calçamentos e asfaltamentos foram executados por toda a cidade, garantindo ao prefeito o desfrute de significativa popularidade, o suficiente para garantir uma reeleição tranquila e o apoio de quase todos os vereadores. Estes, por sua vez, agiam como cabos eleitorais em tempo integral do prefeito, traficando pequenas vantagens e favores para suas bases eleitorais, como vagas de emprego, distribuição de cargos comissionados na Câmara ou na Prefeitura, consultas médicas, doação de remédios e internações hospitalares. Chamei tais práticas de "política pornográfica''. E assim o sistema tinha tudo para se reproduzir, e se reproduziu, com a eleição do herdeiro do “silvinismo’’, o prefeito Luiz Carlos de Oliveira.

Enquanto Silvino Duarte ganhou prêmios de gestão pública nacionais quando esta se resumia a cortar gastos e elevar impostos, deixando para o espontaneísmo do mercado a solução das graves desigualdades sociais (que se agravaram no município, com metade da população vivendo abaixo da linha da pobreza e parte desta na mais absoluta miséria, principalmente na empobrecida zona rural e nas periferias de formação caótica, formada por migrantes do campo ou de pequenas cidades que orbitam em torno de Garanhuns – que hoje tem papel vital na atual eleição, conforme se demonstrará) o Brasil mudou com a chegada do PT ao poder. Mas, dessa vez, Garanhuns não acompanhou o compasso.

A gestão Luiz Carlos seguiu as linhas deixadas pelo antecessor, embora tenham, conforme a regra de que os líderes políticos se sucedem rapidamente entre si (com um chefe político apoiando um sucessor e sendo por ele defenestrado, assumindo o último a chefia da cidade, até a próxima “traição’’), rompido posteriormente. Enquanto cidades como Arcoverde, Caruaru, Petrolina e Gravatá compreenderam que agora o governo federal adotara uma política de investimento na região nordeste, através de obras públicas de grande relevo, expansão da rede universitária federal, concessão de vantagens econômicas para a instalação de empresas de grande porte, programas sociais como o luz para todos e um grande volume de recursos através do PAC, o governo de Garanhuns continuou com uma política fechada, bairrista, cuidando meramente de calçar ruas em período pré-eleitoral, lotear a máquina pública e vender favores em troca de votos. E o bonde passou, o presidente Lula veio e se foi, e Garanhuns não viu uma única obra social de relevo. Absolutamente nenhuma empresa de grande porte se instalou na cidade, que chegou ao ponto vergonhoso de ter menos de 10 estabelecimentos industriais (Caruaru, na mesma época, chegou a ter mais de 700!) e ter sido preterida por Bom Conselho para a instalação de grandes empreendimentos. Logo, viveria seguidas crises na agricultura e na pecuária, perdendo o posto de polo leiteiro para cidades próximas, sob as barbas da prefeitura, que permaneceu inerte diante do processo de “desindustrialização’’ e “abandono do campo’’.

Não bastasse a inércia, a gestão degringolou em irresponsabilidade fiscal. Os gastos superaram as receitas, o número de funcionários comissionados da prefeitura só aumentava (chegou-se ao pico de 3 mil, muito superior ao número de servidores públicos efetivos até hoje, tornando o município o maior empregador da cidade) e, por fim, vieram os escândalos. O que começou com o desvio de verbas públicas na reforma da ponte de um sítio – empenhada, liquidada e devidamente paga, mas jamais realizada – revelou sistemáticos desvios e fraudes a licitações públicas. Com as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado, que delineou todos os desvios e violações legais cometidas pelo prefeito em fraudes nas licitações para a compra de material escolar e demais expedientes (uma breve lista: superfaturamento de obras, uso da máquina pública para promoção pessoal, pagamento de gratificações ilegais... a lista é grande!), a popularidade do gestor ficou no chão (com picos de rejeição batendo os 75%) e, depois de deixar o cargo, foi alvo de ação de improbidade administrativa que chegou a congelar seus bens, sendo ainda condenado a devolver quase R$ 700 mil aos cofres públicos.

Como agravante, o governo ainda adotou uma política bairrista, sendo incapaz de se articular com o governo do Estado e o governo Federal, tanto pela relação tempestuosa com o então deputado Izaias Régis, que representava a cidade na ALEPE, tanto pela ausência de canais políticos em Brasília. Garanhuns, pela fraqueza de lideranças, virou uma terra de ninguém, onde candidatos aventureiros fundavam comitês para arrancar dois, três ou quatro mil votos a cada quatro anos, esquecendo completamente a cidade entre um e outro mandato. Tal movimento chegou às raias do absurdo quando a candidata a deputada federal Ana Arraes, que nunca moveu um fio pela cidade, foi a mais votada nas eleições de 2010.

Diante da derrocada monumental do prefeito, o deputado Izaias Régis passou a liderar uma “oposição branca’’ contra o Executivo. A ideia era substituir a inércia de Luiz Carlos por uma gestão mais ativa, com muito “trabalho’’ e realizações concretas, trazendo desenvolvimento para a cidade. Aliás, durante toda sua carreira política, o deputado, aliado de Armando Monteiro – o grande nome dos industriais pernambucanos – prometeu “trazer indústrias’’ para a cidade, gerando emprego e renda. A ausência do cumprimento das principais promessas, contudo, não impediu que este lançasse a candidatura a prefeito, em 2012, sob forte clima de renovação política, para ocupar o vácuo da aparente queda do silvinismo, ainda mais como reação ao perigo de que Zé da Luz, ex-prefeito de Caetés, fizesse da cidade sua nova conquista política.

Silvino Duarte, antes candidato, retirou-se da disputa para apoiar Izaias, que venceu facilmente Zé da Luz e o candidato Paulo Camelo. Parecia o início de uma nova era, onde a ausência de chefes e famílias tradicionais, a efemeridade das lideranças políticas, os rompimentos constantes entre ex-aliados e inimigos mortais, o bairrismo e o assistencialismo pareciam com os dias contados.


2- "Abracadabra’’ e a ilusão da “grande gestão’’: a conjuntura de Garanhuns hoje

Sob fogos de artifício, o novo governo começou “cortando na carne’’. O corte de despesas foi significativo, contratos foram revistos e se pôs a casa em ordem. Com o equilíbrio fiscal voltando ao normal, após o primeiro ano de mandato foi iniciado uma série de ações e obras de pavimentação que, em grande parte, foram a marca da gestão Régis na prefeitura. Próximo ao senador Armando Monteiro, o governo municipal conseguiu a liberação de verbas há muito atrasadas, e viu aumentar o volume de transferências voluntárias por parte da União (dinheiro que, vindo do governo federal, não é de obrigatório repasse aos municípios, se tratando em grande parte de convênios com o ministério das cidades e emendas parlamentares ao orçamento federal). O dinheiro extra foi responsável por levar saneamento básico e calçamento à populações periféricas, principalmente das Cohabs, onde uma massa eleitoral esquecida que foi a principal arma de Zé da Luz contra Izaias em 2012.

Mas nada melhor que ouvir o próprio gestor fazer um balanço de seu governo. Em entrevista à TV Asa Branca, o prefeito Régis destacou a pavimentação de 432 ruas, enunciando que sua prioridade foi investir na periferia, bem como a substituição da iluminação pública da cidade por lâmpadas de LED. Ainda teria adotado uma visão empresarial na gestão da cidade, aumentando em “200%’’ a arrecadação do município e feito cortes necessários, como o fechamento do hospital municipal, onde “um parto custava cerca de R$ 330 mil’’ e feito um convênio com o hospital infantil para que realizasse os partos e promovesse a saúde da mulher. Destacou o concurso realizado para guardas municipais, alegou ter construído 6 creches e mais 3 postos de saúde, além de assegurar o pleno funcionamento das 35 unidades existentes. Por fim, alardeou ter realizado o “natal mais bonito do nordeste’’, o natal luz de 2015.

Dentre as realizações do prefeito, é inegável a boa gestão fiscal e sobretudo a política de transparência dos gastos públicos, sem dúvidas uma das melhores do país. É possível acompanhar o destino de cada centavo de dinheiro público manejado, bem como ter acesso a relatórios detalhados no site da Controladoria Municipal mantido em tempo real pela Prefeitura. Mas, em paralelo com o ensinamento bíblico, nem só de transparência vive o homem.

Como todo governo deve fazer escolhas e tomar decisões, deve igualmente fazer sacrifícios. No caso, o atual governo, que exerceu desde sempre uma boa gestão da Coisa Pública, conseguiu reduzir as despesas a ponto de ter uma boa margem para aplicar em investimentos (ou “despesas de capital’’, o tipo de gasto que pode gerar, no futuro, mais receita para a Administração ou que expande seu patrimônio, diferente das despesas correntes, do dia-a-dia, como o pagamento de funcionários) e tomou uma decisão sobre como aplicar o dinheiro. E tal decisão foi a de aplicar os recursos, prioritariamente, na infraestrutura da cidade.


A escolha trouxe benefícios, mas teve um custo.
Enquanto a cidade se tornava menos desestruturada, outras áreas, como a saúde e a educação, permaneceram subfinanciadas, com a estagnação dos postos de saúde (três foram construídos nestes 4 anos), que estão da raiz da crise de superlotação do Hospital Regional Dom Moura, para onde a maior parte da população se dirige em busca de remédios, exames simples e consultas básicas, devido à carência dos postos de saúde em prover tais demandas. A educação, embora bem gerida, não apresentou resultados expressivos ao não entregar, em 4 anos, nenhuma das creches em construção – o prefeito alega que “problemas da gestão anterior’’ levaram a cancelar a licitação, realizar uma nova e só assim dar seguimento às obras, que, seguindo tal lógica, já duram pelo menos 5 anos, sem falar que foram planejadas pela gestão anterior, e não pela atual, tornando nula a contribuição educacional do atual governo. Em que pese bons resultados do IDEB, houve crises constantes entre educadores e o governo, com a alteração do abono percebido pelos professores e até mesmo a decretação do estado de greve.

No que concerne aos servidores municipais, o município foi praticamente obrigado pelo Ministério Público a efetuar um concurso através de um Termo de Ajustamento de Conduta (um “puxão de orelha’’ para evitar que o MP proponha ação que obrigue o município a tal), com o fim de substituir o grande número de cargos comissionados por efetivos, em um processo longo, caótico e fiscalizado de perto pela instituição. Não fosse a atuação do MPPE, o exército de comissionados continuaria inalterado – embora, devido ao baixo número de vagas (pouco mais de 120), o grosso de comissionados continue a constituir o coração da administração municipal.

No geral, a prefeitura de Garanhuns foi como um estudante do ensino médio que tirou altas notas em matemática - mais teve desempenho pífio em histórica, português e geografia, as disciplinas que permitem refletir sobre o agir crítico do ser humano e seu papel histórico, essencialmente uma agir projetado para o futuro. 


3- O futuro perdido?

A decisão por priorizar investimentos na área viária gerou consequências negativas ainda maiores, com o já citado fechamento do hospital municipal. O golpe maior foi a desistência, por parte da prefeitura, de realizar o Festival de Jazz municipal, evento de porte nacional que já havia se tornado patrimônio cultural da cidade. Alegou-se que, por gastos com o “Natal Luz’’, seria incabível realizar mais um evento festivo, embora não se tenha cessado os investimentos em calçamentos e asfaltamentos constantes. Ao custo de menos de R$ 1 milhão, o festival gerava muito mais em termos de renda, ocupação da rede hoteleira e fomento ao combalido setor comercial da cidade, e decidir pela sua não-realização foi um duro golpe na vocação turística da cidade. Enquanto isso, a cidade de Gravatá abraçou o festival e, nele vendo uma chance de ouro, o transformou em um sucesso.

Além do risco econômico causado pela perda do festival, o prefeito pecou pela não-realização de propostas vitais que o levaram ao poder. O fechamento do hospital municipal (que deveria se transformar em centro de saúde da mulher), o esquecimento sobre a construção de um laboratório de medicina do trabalho, a não aplicação de um programa de qualificação continuada para trabalhadores da saúde, a omissão na assistência odontológica e, principalmente, a omissão quanto à construção de um centro de diagnósticos em Garanhuns (com exames de raio-X, ultrassom etc., uma das maiores carências da cidade), revelam uma lista muito grande, e até inaceitável, de sacrifícios feitos para se manter um programa de obras públicas reconhecidamente eficiente. O pior, no entanto, para o governo foi fazer do saneamento e das obras básicas suas bandeiras políticas, mas ignorar o problema do acesso ao transporte público e da mobilidade em uma cidade que dobrou sua frota de carros na última década, efeito direto da adoção de uma das mais caras passagens, proporcionalmente, de ônibus do país.


E, em que pese afirmar estar construindo uma espécie de distrito industrial e “já estarem sendo gerados 70 empregos’’ e “algumas empresas já estarem se instalando’’ o sonho do desenvolvimento econômico nunca esteve mais distante. A cidade continua baseando sua economia no comércio com as cidades ao redor, omissa diante de uma seca que deixou de joelhos a zona rural e encareceu produtos básicos nas feiras dos bairros. Garanhuns vai perdendo sua grande vocação, de linha imanentemente agrícola – o solo da cidade é de grande fertilidade, bem como existem centenas de reservas de água em seu subsolo, prontas para irrigarem um novo ciclo do café e da pecuária – e abrindo mão de eventos que confirmam seu potencial turístico.

É uma cidade que vai perdendo as bases para um futuro de desenvolvimento econômico, ao sucatear a saúde, estagnar a educação, abandonar investimentos no campo e deixar de promover a cultura. Tanto é que o município não pretende realizar investimentos ou estimular a promoção de empreendimentos comerciais que, na Lei de Diretrizes Orçamentárias mais recente enviada pela Prefeitura, não se preveem renúncias fiscais ou incentivos fiscais para os próximos anos. Ou seja, sabe aquelas cidades que aplicaram a renúncia ou o incentivo fiscal para receber novos investimentos e cresceram? Garanhuns não é, e nem vai ser, como elas.

Destaque-se que, longe de aumentar a arrecadação em “200%’’, esta continua baixa e deixa a cidade depende dos repasses do governo estadual e municipal, que vem minguando nos últimos anos. Já se prevê, para o ano que vem, um aumento no endividamento e nas despesas com a dívida municipal, como “ressaca’’ dos intensos gastos que foram realizados este ano. O risco é que a prefeitura mantenha o ritmo dos gastos enquanto as receitas enviadas por outras esferas de governo caiam, ou seja obrigada a reduzir tanto os gastos que fique incapaz de realizar investimentos. Ao invés de ter investido para criar as bases do futuro, a gestão Izaias investiu no presente, preferindo apresentar resultados de curto prazo para a população na forma de obras públicas, resgatando o silvinismo no sentido a usar a máquina pública para a promoção pessoal do administrador e fazer obras para “cativar’’ o eleitorado, usando como força motriz o exército de comissionados e clientes de líderes políticos aliados do poder municipal.

Em suma, o governo Izaias corre o risco de ser, como os últimos quatro governos, um governo de “tempo perdido’’, que desperdiçou chances históricas de desenvolver o município a partir de políticas públicas de longo prazo. O futuro da cidade, aquele ente perdido que leva muitos jovens a deixar o município em busca de oportunidades em outras terras, continua irrealizável.

E quando me perguntam que tipo de futuro me refiro, parece ser bem óbvio: uma velha teoria dizia que certos países e regiões produzem certos bens a custos menores que outros. A produção a custo menor se chama “vantagem comparativa’’, que simplificadamente significa “vocação natural’’. A de Garanhuns, surpreendentemente, abarca desde a agricultura, a indústria e o setor de serviços, por que além de terreno fértil, localização estratégica, presença de água e ser o centro econômico do agreste meridional (um mercado de pelo menos meio milhão de pessoas), a cidade possui o ativo mais valioso destes tempos globalizados: conhecimento. São três instituições de ensino superior, mais um campus do Instituto Federal de Garanhuns, todas bem avaliadas e renomadas, praticamente inutilizadas ou desintegradas da economia municipal, com alunos, professores e um potencial absurdo de projetos possíveis de serem aplicados na região, com reflexos na mecanização e massificação da agricultura, na construção de uma cooperativa pecuária que disponibilize a seus cooperados assistência técnica, na produção de softwares e empreendimentos na área de informação e tecnologia e, sobretudo, no investimento e valorização da educação de base, por parte de uma das maiores unidades da UPE no interior do Estado. Com tais pilares, fora os instrumentos jurídicos adequados (reforma do código tributário municipal para possibilitar uma tributação mais justa e eficiente, sem os abusos verificados na cobrança do IPTU e de contribuições de iluminação pública absurdamente altas, fora um planejamento urbano mais eficiente), estariam postos os fundamentos para um novo ciclo de desenvolvimento virtuoso, centralizado em Garanhuns, que teria condições de produzir políticos para, nacionalmente, continuar a trazer benefícios para a cidade. Atualmente, nenhum deputado estadual ou federal é de Garanhuns.

Não bastasse tais observações, a euforia em relação ao atual prefeito permite sacrificar o futuro em troca da ilusória promessa de permanência da atual situação. Como já se defendeu, os ciclos políticos de Garanhuns são curtos e terminam com os antigos chefes políticos sendo engolidos ou traídos pelas lideranças que eles mesmos alimentam, impedindo-se a formação de famílias ou chefes longamente influentes na cidade. Esta seria uma característica positiva se a cidade fosse politizada – o que, efetivamente, não é, imperando uma grande apatia quanto aos negócios públicos, pois estes se reduzem à mórbida gestão do presente.

Esta é uma cidade que prefere lançar sobre si mesma o feitiço do tempo e sacrificar o amanhã para dilatar o hoje. Por isso que não surpreende a possível vitória fácil do atual governo, cujas lantejoulas faíscam ilusões de uma vida melhor nas calçadas e praças, mas continuamente sofridas nos postos de saúde, escolas e no mercado de trabalho. Infelizmente, o atual prefeito não traz, entre suas propostas, nada que edifique o futuro da cidade, teimando em repetir o bordão de "fazer'' obras de infraestrutura como revitalizar praças e a entrada da cidade. Até nesse sentido, contudo, o atual gestor peca: nem mesmo o famoso "shopping center'' deixou de habitar a placa de anúncio onde está, bem na entrada da cidade, recepcionando os visitantes de Garanhuns como um símbolo sinistro de que, na terra de Simoa, o futuro sempre fica para o amanhã. 

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

O xadrez pós-Dilma: a espera do xeque



Em que pese o atual presidente Michel Temer comandar um governo com ministros incapazes e trapalhões, suas jogadas até aqui vem sendo de um maquiavelismo ímpar na política brasileira. Talvez um padrão que possa ser identificado dentre suas muitas manobras é uma conhecida estratégia de avanços e recuos rápidos, onde o presidente, ou seus ministros, propõem alguma ideia absurda para testar a reação social e assim colher dados sobre a viabilidade da medida.

O exemplo mais claro dessa estratégia se deu na celeuma da extinção/recriação do Ministério da Cultura, e mais recentemente no anúncio de uma reforma trabalhista obscura e gravosa ao trabalhador. Mas o que passa despercebido nessas manobras é um efeito pouco debatido: toda vez em que propõe algo absurdo (como reforma trabalhista com picos de jornada em 12 horas, anistia do caixa dois etc.) há o objetivo oculto de aproveitar-se da distração gerada pelas repercussões negativas para se trabalhar pelo que realmente o governo almeja. O efeito de distração também gera um subproduto, o desgaste e o cansaço da opinião pública, já saturada por quase dois anos de crise política. A estratégia, no fundo, é aquela prescrita por Maquiavel há 500 anos, qual seja, "dividir para imperar'', nesse caso bombardeando a opinião pública com discussões infrutíferas e prematuras para desviar sua atenção e diminuir as resistências diante do sonho de consumo do governo.

O conteúdo desse sonho ainda não foi revelado. E, em que pese a maioria dos analistas acharem que o governo tinha planos secretos sobre as reformas e que esses planos foram anunciados de forma atrapalhada e acidental pelos ministros, penso justamente o oposto. As ações, pronunciamentos e entrevistas dos ministros, que pareciam trapalhadas, foram cuidadosamente calculadas para gerar o efeito que geraram. Na primeira fase, repulsa, protesto. Na segunda, distração. Na terceira, cansaço. E, na quarta, ninguém sabe no que dará. A confiar pelo que o próprio governo diz, a PEC dos gastos públicos e a reforma da Previdência são as finalidades essenciais. É viver para ver.

Seja o que for que o governo planeje, está conseguindo, lentamente, vencer pelo cansaço sua oposição. É possível que o que esteja sendo preparado seja da magnitude do Plano Real ou faça parte de um projeto de poder mais amplo do PMDB, que envolve o ministro José Serra e/ou o ministro da Fazenda, Meirelles. Mas como todo bom jogo de xadrez, vai terminar quando as peças do presidente Temer encurralarem a oposição e ocuparem as posições estratégicas do tabuleiro. 

Temer joga bem. Pôs o país inteiro na roda. Só falta anunciar o "xeque''. 

A "Pátria Educadora'' do governo Temer: para manter a ordem


O bom da nova burrice do governo Temer é promover uma discussão necessária sobre a educação brasileira. Mas, como tudo nesse país, é mais um debate que nasce ideologizado e partidarizado. 

Particularmente me preocupa quem deseja “flexibilizar’’ o currículo escolar ou mesmo extingui-lo, deixando para as crianças e pais a tarefa de “escolher’’ o que vai ser ensinado, um “self service’’ de disciplinas e conteúdos.

Isso por que, se tem uma coisa que aprendi como ex-estudante de Licenciatura em História, é que o ser humano possui diversos tipos de racionalidade e inteligência (inteligência emocional, discursiva, reflexiva, lógico-matemática...) e que cada ramo do saber e conteúdo ministrado estimulam essas capacidades distintas. É só assim que uma delas vai aflorar e guiará nossa futura escolha profissional: sim, você pode nunca mais ter que realizar uma equação, mas ela ajuda a desenvolver um tipo de inteligência que “puxa’’ as demais e te deixa com mais embasamento para escolher o caminho mais adequado às suas capacidades.

Exemplo? Platão era um filósofo, talvez o maior que já existiu. Mas todas as suas fantásticas ideias, que influíram principalmente nas “ciências humanas’’, foram germinadas enquanto ele fazia cálculos matemáticos e geométricos, “forçado’’ por seus mestres... e se Platão fosse um estudante brasileiro e detestasse as “ciências exatas’’? Será que ele desenvolveria um pensamento tão complexo sem a inteligência lógica que deixaria de adquirir? É isso mesmo. Platão ficaria na caverna e nunca sequer pensaria em "sair para a luz''!

E aqui vai a principal lição que as ações irresponsáveis do governo Temer e seu ministro da educação nos levam a concluir: a educação não é terra de ninguém, a ser “flexibilizada’’ e moldada de acordo com o “gosto’’ das pessoas, ainda mais a partir de uma “canetada’’ imperial feita às pressas, mas um ramo do saber em si, com profissionais habilitados – os professores – que precisam de valorização, investimento, consideração, respaldo.

Por que o grande problema da nossa educação não é o que se ensina ou o que se deixa de ensinar, mas o “como se ensina’’: nosso problema é metodológico, didático. O professor precisa ser formado para, acima de tudo, saber lidar com a interdisciplinariedade; e muitos são, mas com salas de 50, 60, 70 alunos, auferindo um dos mais baixos salários para professores do mundo, sem qualquer estrutura física, sofrendo cobranças constantes e “canetadas’’ ingratas (aumentar a jornada do ensino médio pra 7 horas? É sério isso, gente?).

Não há liberdade real para o aluno sem investimento no professor, sem o ensino de conteúdos mínimos (sim, o currículo é desenvolvido, ou deve ser, por profissionais que estudam anos para tal, com o fim de proporcionar ao estudante o mínimo para que possa escolher o que seguir...), sem investimento NA ESCOLA?

Educação não se faz com ideologia, com canetadas ou proselitismo. Se faz com trabalho, e enquanto continuarmos MARGINALIZANDO nossos trabalhadores educacionais (agora, qualquer um que tiver "conhecimentos relacionados à matéria'' poderá dar aula, sem necessidade de ter licenciatura!) e consagrando a Escola como terra de ninguém, a retirada de Sociologia e Filosofia do currículo obrigatório só será uma pequena parte daquilo que já toma ares de projeto: o de sucateamento e precarização da educação, como parte de um projeto de poder maior para manter o Brasil exatamente como é. Um país governado por um golpista que transformou 8 mil refugiados em 90 mil diante de uma reunião internacional; um país onde a lei diz “a prisão é medida excepcional’’, mas que termina se tornando a regra por causa de “interpretações’’ duvidosas; um país onde uma empresa (a Samarco) despeja milhares de toneladas de lama tóxica em cima de uma cidade, por anos, e ninguém percebe nada de errado, já que “ninguém mais usa química depois da escola’’; um país onde um ex-ator ruim tem mais acesso ao ministro da educação do que os melhores profissionais da pedagogia; um país onde, pela falta de conhecimento, tudo se reduz à uma ou outra ideologia, enquanto vamos para o buraco.

E “Pátria educadora’’ era o lema do governo. Foi, sem dúvidas, uma sinistra profecia. Se a educação é revolucionária, então ela será a primeira vítima dos inimigos do progresso e amantes da "ordem''. A "ordem'' que tão bem conhecemos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Pernambuco sob o domínio do medo: do caos sempre surge um tirano


As pessoas tem medo de dizer claramente o óbvio do óbvio. Pois bem: o governo de Pernambuco perdeu inteiramente o controle da segurança pública, e no pior momento possível. Veja a sequência dos desastres só este ano: fuga em massa da Penitenciária do Barreto do Campelo (53 foragidos, número desconhecido de mortos e feridos); três dias depois, fuga em massa do Complexo do Curado (vulgo Aníbal Bruno), com direito a explosão do muro, duas mortes da fuga e especulações de até 100 prisioneiros fugitivos; crescimento de 38% no número de assaltos a ônibus na Capital (com picos de até nove assaltos a cada 24 h); quase 60 assaltos consumados a bancos (a maioria no interior, com uso de armamento de guerra e totalmente livre da ação da polícia) e mais de outros 50 tentados, um aumento de mais de 30% (alguns falam, extraoficialmente, em até 300%!).

O último dado que explicita o descontrole da situação é o crescimento rápido da taxa de homicídios, em mais de 10%, e o assustador número de assaltos a mão armada (dados raramente divulgados, curiosamente) - nesse sentido, apesar do total de estupros ter caído, as mulheres são os alvos preferenciais dos assaltantes. O pior mesmo é a famosa "cifra oculta'': milhares de crimes que ocorrem todos os dias e que jamais chegam ao conhecimento da polícia. No cotidiano, arrastões no Recife Antigo, no Parque Treze de Maio e em Boa Viagem, homicídios em cidades interioranas e antigamente tranquilas como Caruaru, Arcoverde e Petrolina mostram que todo o Estado está prestes a entrar no colapso de um estado de guerra.

Como é impossível aguentar a pressão por tantas catástrofes, o governador vem se movendo o mais rápido que pode. Fez dois concursos para aumentar os efetivos das polícias, mas não está interessado em fazer o óbvio, talvez por medo: reconhecer que a atual estratégia de segurança pública é um desastre e rever todo o sistema do zero. E isso parte da necessidade de finalmente enxergar que somente contratar mais pessoal não resolve. As forças de segurança precisam de um soldo digno (atualmente, PMs e Civis recebem uma das piores remunerações do país; os civis, principalmente delegados, vivem em estado de quase greve nos interiores por que o governo não manda dinheiro nem para a limpeza das delegacias), treinamento capacitado e modernizado em técnicas não-letais, restruturação de equipamentos (viaturas, coletes, armas de fogo), e essencialmente, investimento no setor de inteligência, com o mapeamento das zonas do crime, elaboração do perfil dos criminosos e, o que é mais importante, desarmar a bomba relógio dos presídios e das penitenciárias do Estado, que no fundo estão na origem, ao lado do descaso do governo, desta onda de crimes que tomou o Estado (a maior parte dos criminosos é reincidente e pertence a gangues baseadas em presídios). Se vivemos uma crise fiscal que impede maiores investimentos, pelo menos na área da inteligência se precisa focar.

Ora, se é no setor de inteligência que está o problema, não é admissível que a Polícia civil continue sucateada, subfinanciada, com apenas 40% da capacidade, baixíssimos salários e nenhuma logística para a investigação. Já passou da hora de se montar uma operação de grande escala, por exemplo, para desmontar as quadrilhas de roubo e desmonte de veículos (crimes que vem batendo recordes) e de assaltos a bancos (esse nem se fala); mas quando nos perguntamos por que tal operação não existe, a resposta está na cegueira do governo, que continua a crer que a Polícia Militar vai dar conta do recado. Polícia esta pouco equipada, mal distribuída (existem municípios onde, pasmem, há apenas dois ou três policiais) pelo território do Estado e totalmente despreparada, do ponto de vista da inteligência, para derrubar tais quadrilhas. E não é de se surpreender, pois tal missão é da polícia civil e do seu setor de inteligência, que o governo insiste em sucatear: o caminho para a redução da violência passa pelo fortalecimento da Polícia civil, não da polícia militar - se cada uma cumprir seu papel, dentro de uma mesma estratégia de inteligência coordenada, o Estado desorganizado pode ter uma chance contra a criminalidade.

De outra banda, outro grande problema, na verdade a matriz desse gravíssimo quadro de instabilidade social, é a não-reinserção dos antigos detentos, presidiários e afins na sociedade. Enquanto não forem pensadas estratégias alternativas que viabilizem penas alternativas, ou o cumprimento das condenações em colônias agrícolas e industriais, com o acompanhamento psicológico e de qualificação profissional do preso, não se poderá matar o motor da criminalidade.

Mas para fazer tais movimentos, o que é mais importante é aceitar que Pernambuco corre o gravíssimo risco de sofrer com o mesmo destino do Ceará (que começou com índices absurdos de violência fruto em última instância de crises no sistema penitenciário): de amargar ver a queda dos índices de criminalidade pela ascensão ao poder, dentro dos presídios, do Primeiro Comando da Capital, que dominou Fortaleza e impôs uma drástica redução de homicídios para maximizar os lucros com seu império das drogas, contrabando e atividades ilícitas. Ou nós agimos para retomar o controle da segurança pública, ou a criminalidade "desorganizada'' se organizará para construir um Estado paralelo e por em permanente risco todos nós.

O Ceará já foi tomado pelo PCC. Até marcha comemorativa a população humilde fez, para celebrar a queda dos homicídios decorrentes da instalação do império criminoso. Pernambuco está no mesmo caminho, e, se o governador não agir rápido, vai entrar para a história como o governante que entregou Pernambuco, o Estado que expulsou os holandeses do Brasil e se rebelou diversas vezes em nome da liberdade, para a tirania de um império do crime. Ou escolhemos combater o crime com inteligência, nos dois sentidos (e não com mera truculência), ou nos curvamos a deixar que os próprios criminosos resolvam a situação.

Em suma, vivemos com medo de admitir o óbvio e mesmo de brechar pelas janelas; o governador tem medo de admitir que perdeu o controle do Estado; os policiais, seres humanos como nós, também tem medo de ir trabalhar e não mais voltar; e só quem não tem medo, esta terra de ninguém, são os criminosos. Como já dizia um famoso escritor, é em situações de completo caos que os homens preferem ver um tirano no poder do que perder suas vidas, mas nem mesmo Thomas Hobbes poderia prever o que aconteceria quando aqueles que deviam pagar pelos seus delitos é que estão no poder: no nosso caso, o Leviatã sentado no Palácio do Campo das Princesas vai ser domado por uma Hidra cujas sete cabeças se espalham por todo o Brasil. Não é uma propaganda de televisão que vai cortar as cabeças da fera.