terça-feira, 19 de junho de 2012

O Poderoso chefão

Pelos corredores do Congresso Nacional, a passos lentos e controlados, um senhor simpático desfila, há mais de 50 anos, em belos ternos italianos. Cumprimenta os porteiros, seguranças, agentes de limpeza e, com um aceno, saúda algum aliado pelos funestos corredores da Casa do povo. Sempre cercado por homens de terno, sorrindo, com seu sotaque nordestino se impondo, mesmo a partir de sua voz baixa e macia, de forma quase majestática, sobre os murmúrios daqueles que observam. Esse homem, um idoso de mais de 80 anos, é o homem-chave da política nacional: José Sarney de Araújo Costa. Nada melhor que o capo di tuti capi (poderoso chefão, na Máfia siciliana) do Maranhão para estrear mais uma série de nosso modesto Blog, já que, apesar de sua exposição frequente na mídia, poucos realmente sabem como Sarney entrou na política e como galgou os maiores postos da República. Vamos contar, resumidamente, a história daquele que, muitas vezes, teve o meu, o seu e o destino do país inteiro nas mãos.

Nascido no Maranhão, em 1930, José Ribamar Araújo da Costa (seu nome original), era filho de Sarney Costa, um desembargador modesto e, ademais, mulherengo, que devia o cargo aos favores políticos do governador do Maranhão à época, Victorino Freire. Sua mãe, Kyola, era uma mulher simples. Sarney pai devia o nome à gratidão do pai a um comandante inglês que visitara o Maranhão no início do século, que batizou seu primogênito com o nome do tal gringo: Sir Ney, que abrasileirou-se como "Sarney''. Apesar da família passar por dificuldades financeiras, Sarney Costa educou seu filho no Liceu de São Luís, um centro de educação de alta qualidade, durante os anos 40. De lá, o pequeno ingressou diretamente na Faculdade de Direito de São Luís, onde passou a fazer parte de um grupo literário famoso, pós-modernista, ao lado de Ferreira Gullar, Mário Quintana e outras grandes mentes da época. O maior sonho do jovem José Ribamar era integrar a Academia Maranhense de Letras, conhecida como a "Atenas brasileira'', veja só...

Durante seus estudos, José foi indicado, pelo pai, para um cargo no fórum, onde, já desiludido com as promessas de glórias literárias, passou a engendrar seus primeiros esquemas e articulações políticas. Era o responsável pelo sorteio dos processos a serem distribuídos, e, claro, realizou seus primeiros "negócios'' distribuindo os processos certos aos desembargadores certos. Antes de formar-se, foi nomeado assessor do governador Victorino, que viu grande futuro no filho do seu compadre Sarney Costa. Foi com o governador que José aprendeu a velha arte da política, principalmente sobre o funcionamento do fisiologismo, das brechas legais e, sobretudo, foi pelas suas mãos que foi iniciado no mundo das boas amizades da politica. José aprendeu tanto que, logo após formar-se, já casado, conseguiu se tornar quarto suplente de deputado federal, de onde, coma ajuda de seu "padrinho'' Victorino, esquadrinhou sua campanha própria, chegando ao Congresso Nacional pelo voto de 3000 maranhenses. Filiado à ala de esquerda da UDN, nosso herói era uma das figuras destacadas de oposição ao governo JK.

Correspondente de alguns jornais em São Luís, o recém-formado político- e recém casado- obteve a tão sonhada cadeira na Academia Maranhense de Letras, por alguns poemas feitos em honra de sua esposa. Na verdade, a satisfação dessa pequena vaidade foi de pouca valia para Sarney- que acompanhava, atentamente, os rumos da política nacional. A construção de Brasília inaugurou, para sua sorte, uma era caracterizada pela forte intervenção estatal na economia e em sua aliança com entes privados, e, mais que isso, caracterizado pelo aumento absurdo dos gastos públicos com obras e serviços de bem-estar, executados pela iniciativa privada, na figura das grandes empreiteiras. O esquema basilar da política nacional, baseado na lucrativa parceria dos políticos e de tais empresas, financiadoras de suas campanhas, estava em germinação.


O jovem José rapidamente fez contato com os grandes empresários interessados em executar obras para o governo, conseguindo, a partir de seus amigos de bancada da UDN, indicar as pessoas certas- para ele- para cargos-chave da administração pública. A troca de vantagens era simples: indicado pelo Executivo para um cargo de gerência ou chefia, o "beneficiado'' favorecia as empresas "certas'' em processos licitatórios, que, por sua vez, usavam a riqueza obtida-  via superfaturamentos, remessas de lucros, sonegações fiscais- para financiar os políticos que serviram de ponte para o fechamento de novos e futuros contratos com a Administração pública. Assim, o sistema se reproduzia. E Sarney, aos poucos, tornou-se especialista na área.

Lentamente, Sarney articulou uma grande base de apoio, por meio da qual, cada vez mais, os interessados em cargos públicos de confiança- aqueles disponíveis nos "cabides'' da máquina pública- dependiam dele para obterem suas nomeações. Muitos políticos do Maranhão, para nomear as pessoas de sua confiança para os cargos adequados, recorriam a Sarney, já um habilidoso traficante- de influência, é claro. Essas articulações entre políticos, funcionários e empresas era complementada pela ação de José enquanto parlamentar, nas votações de importantes projetos de lei- concedentes de benefícios fiscais, emendas parlamentares ao orçamento (o "negócio'' mais lucrativo depois das licitações)- onde era um poderoso articulador nos bastidores das discussões.

Após 12 anos como parlamentar, nosso herói acompanhou, após o golpe de 1964 (ao qual apoiou vigorosamente, compondo a recém-formada ARENA, sustentáculo político da jovem ditadura), sua grande chance de sair do dito "baixo clero'' da câmara dos deputados surgir. Aproveitou os tempos de crise e agitação política, onde os militares procuravam apoiadores civis para suas políticas de ajuste fiscal e, posteriormente, de crescimento econômico. Sarney era, assim, aos olhos dos militares, um homem com as conexões políticas necessárias- entre os demais políticos e os empresários, assustados com o Golpe- para o estabilização do Regime e a asseguração de maiorias parlamentares sólidas, além de ser absolutamente confiável (entenda-se: não era um subversivo comunista). Foi assim que o então presidente da República, o Marechal Humberto Castelo Branco, já amigo de Sarney de outras épocas, apoiou a candidatura de José ao governo do Estado do Maranhão, contra a coligação orientada por Victorino Freire, seu mestre na política.  Dessa vez, o aluno superou seu mestre: Sarney forjou intrigas (pediu ao então coronel Figueiredo que ameaçasse de cassação o então governador e seu candidato, ambos indicados por Victorino; logo, o tal candidato resolveu esnobar o coronel, lançando-se sozinho, sem o apoio nem de Victorino ou do governador) que resultaram num racha político entre Victorino e seu candidato ao governo, que, sem alternativa, lançou-se sozinho na campanha, já contra outro candidato apoiado por Vic. Aproveitando a divisão dos inimigos- "dividir para conquistar''- e com o apoio dos militares, José Ribamar vence a eleição. Sua vitória, apesar dos podres conchavos que a sustentavam, foi entusiasticamente saudada  pelo povo maranhense. Em sua posse, filmada pelo cineasta Glauber Rocha, Sarney prometeu uma democracia de oportunidades, investimentos da indústria, geração de empregos, combate à fome, construção de hospitais. O povo foi a loucura, imortalizado pelo cineasta no documentário "Maranhão 66''. Veja abaixo:


Glauber ficou fascinado pela ousadia do jovem de 36 anos e pelo seu carisma popular. Pouco depois, Sarney mostraria ao que veio. Espertamente, antes de candidatar-se ao governo, sabia que os militares iniciariam um programa de altos investimentos na região norte, sobretudo na região oeste do Maranhão (o Projeto Carajás), centro do Pará e alto Amazonas; mobilizando seus contatos em Brasília e a bancada da UDN, José articulou a vitória das empresas "aliadas'' nos bilionários processos de construção de hidrelétricas na região norte. Tais empreiteiras remuneraram muito bem os serviços do governador.  A Camargo Correia e a Odebrecht são bons exemplos dessa lucrativa parceria e, com a aliança de Sarney, passaram a monopolizar (até hoje) os contratos de obras públicas em todo o país.

Por outro lado, a proliferação de empresas estatais gerou um grande número de cargos públicos passíveis de nomeação, tanto no governo estadual quanto na cúpula federal. E Ribamar- nessa época, já havia retirado o seu segundo nome- participava e indicava a maioria dos nomes. Logo, a empresa de energia do Maranhão- a CEMAR- estaria sob seu comando. O contrato da maior empresa produtora de alumínio brasileiro- Alumar- com o governo, para a obtenção de energia barata (o alumínio consome muita energia), foi negociado por Sarney e por seus agentes. E, a partir desse poder acumulado, o governador foi estendendo seus tentáculos rumo ao topo do setor energético nacional, onde até hoje determina o nome do ministro de minas e energia (uma exceção foi Dilma Roussef) e do presidente da Eletrobrás (sem contar a ANEEL, Furnas, Light...).

O governador Sarney ganhou milhões de dólares com o setor energético, sendo essa sua principal fonte de lucros, mas apenas o primeiro tripé de seu esquema de dominação política. O segundo foi a opção preferida das elites nacionais, concentração de terras terras. E ele fez isso por meio da Lei estadual de Terras, de 1969: pequenos proprietários foram desapropriados (literalmente, tiveram suas terras penhoradas por novos impostos não pagos ou pela cobrança dos antigos) e isenções fiscais foram dadas às grandes propriedades. O governo estadual, ao longo de duas décadas, foi tomando as terras dos camponeses e leiloando-as a grandes grupos econômicos, que lucraram com o apoio do governo, a mão-de-obra barata e os corredores de exportação de commodities produzidas no latifúndio. A crueldade da concentração fundiária- que não era até então um problema no Maranhão- resultou na diáspora de mais de 1 milhão de maranhenses pelo pais, que fugiram da pobreza, da fome (já que sem agricultores e terras para cultivar alimentos, a oferta destes diminui e seu preço aumenta, prejudicando sobretudo as classes populares) e da perseguição dos latifundiários. Quem ficou foi para as cidades ou se sujeitou a um regime de semi-escravidão nas fazendas de arroz, exportado para o resto do país a preço baixo.

O próprio Sarney, por meio de laranjas, adquiriu suntuosos latifúndios- e, até mesmo, uma ilha inteira.

Ao sair do governo, no início dos anos 70, Sarney foi eleito senador e comandou, por anos, o ARENA, seguindo fielmente as ordens dos generais presidentes e estendendo sua influência a todo o país. Recebia ligações dos governadores nordestinos, de políticos diversos, dos militares, embaixadores, grandes empresários interessados em seu enorme- e, há quem diga, seu maior atributo- e infinito poder de nomear as pessoas certas para os cargos certos. Por fim, o último tripé, segundo Palmério Dória, do império nada-secreto de José Sarney, foram as telecomunicações: dezenas de rádios e os dois únicos canais de televisão do Maranhão- dentre eles, a Tv Mirante, afiliada da Rede Globo- são "propriedade'' sua, um pequeno presente dos generais e, posteriormente, do próprio Sarney a si mesmo, quando distribuiu mais de mil concessões de radio-televisão a parlamentares em troca do apoio destes ao alongamento de seu mandato presidencial.

Sim, ele estava em todas, nos anos 80. Seus filhos já estavam crescidos, formados e atuantes nos esquemas do pai: a mais velha, Roseana, era assessora sua em Brasília, onde dava festas monumentais- regadas a muita bebida e jogos de azar, nos quais é viciada- com seu marido Murad; Zequinha Sarney, posteriormente, seria ministro do meio ambiente de FHC e deputado federal; e, finalmente, Fernando Sarney, treinado por ninguém menos que Paulo Maluf, iria suceder o pai na articulação dos esquemas de corrupção sob o império da família Sarney.

Foi durante essa época em que, viajando pelo mundo, Sarney fez amigos na política internacional, posando de intelectual e lançando seus livros no mercado- o que lhe garantiu um lugar na Academia Brasileira de Letras, contra o ex-colega Mário Quintana. Em uma conferência mundial, na cidade de Nova York, Sarney conheceu Ana Maria Roiter, a mais bela repórter da Globo na cidade, que gentilmente recusou o senador quando este, um pouco bêbado, assediou-a, batendo-lhe a porta do quarto de hotel na cara. "O senador delirava só em pensar sobre a realização de sua mais íntima fantasia- uma bela lambida no dedão do pé'', disse Palmério Dória em "Honoráveis bandidos'', uma irônica biografia sobre o senador.

Mas tudo bem. Afinal, não se pode ganhar sempre.

Com seus dividendos seguros na Suiça ou em nome de laranjas, Sarney dedicou-se a exercer o papel de articulador-mor da politica nacional. Nessa época, a ditadura, da qual era um filho querido, estava morrendo, pela mãos das Diretas Já e da irreversível redemocratização- e, Sarney, como bom filho, abreviou a dor de sua querida mãe e deu-lhe um tiro de misericórdia, ao apoiar Tancredo Neves contra Maluf, de seu próprio partido, durante as eleições indiretas ao Planalto, em 1984. Foi o vice na chapa, fundando, com Marco Maciel e outros políticos que abandonaram a ditadura, o PFL. Mas um triste acontecimento mudaria para sempre o seu destino e o do Brasil.

Sarney não esperava subir mais na vida. Na verdade, estava desesperadamente- como outros figurões do ARENA- tentando salvar-se do barco furado da ditadura e ingressar no regime democrático em uma posição confortável, no recém-criado PDS. Não imaginava que, após a vitória de Tancredo, este seria gravemente internado um dia antes da posse e, poucas semanas depois, pereceria. O medo dos militares, ainda no poder, de ver a ascensão de Ulysses Guimarães em uma possível eleição direta os fez apoiar aquele a quem já haviam renegado como traidor- Sarney. Nem nos seus melhores sonhos, o já imortal da Academia Brasileira de Letras imaginaria envergar o tradicional smoking do chefe da nação e, em uma cerimônia simples, cingir a faixa de Presidente da República.

A ditadura terminou pelas mãos de um dos seus filhos. Sarney assumiu rapidamente seu velho discurso populista, logo durante a posse, prometendo acabar rapidamente com a inflação, reestruturar o país, pagar a dívida externa herdada dos militares (a maior do mundo), construir escolas e hospitais país a fora- tudo conversa fiada. Seu artificial e perigoso plano econômico- o Cruzado-, que congelou os preços ascendentes, lhe garantiu aquele que ainda hoje (mesmo depois de Lula) foi o maior índice de popularidade dos presidentes da República (92%, em 1986). Apesar dos graves problemas gerados pelo plano, Sarney insistiu em mantê-lo em vigor até as eleições, quando sua base aliada venceu em 21 dos 23 estados brasileiros e lhe garantiu uma pesadíssima maioria no Congresso. Ele estava livre para, finalmente, moldar o novo Brasil à sua imagem e semelhança.

O presidencialismo de coalizão, depois da Constituição de 1988 (da qual, a contragosto, foi o convocante) foi sua maior herança política ao país. O complexo jogo de alianças, troca de favores, negociamento de cargos e emendas ao orçamento, favorecimento de empreiteiras em processos licitatórios e nomeações negociadas aos cargos-chave da República foram estendidos a todo o país e profundamente enraizados no Planalto Central, onde ainda hoje são a alma da política brasileira- o fisiologismo.

Após a maior vitória de sua vida, Sarney sofreu derrotas. O rumo da Assembleia constituinte fugiu-lhe do controle- para nosso alívio-; o Cruzado teve de ser revogado, ocasionando a volta da hiperfinflação, jamais derrotada até 1994; lideranças políticas despontavam ao criticá-lo; a população revoltou-se, derrubando sua popularidade para a pior da história da República. Pelo país, os bancos imprimiam dinheiro a torto e a direito- por meio dos títulos da dívida-, a máquina pública era loteada de cargos, a inflação atingiu o maior nível da história brasileira e, por fim, o governo pediu moratória da Dívida pública, um vexame internacional sem precedentes. Os barões da federação- governadores estaduais- dominavam a política, financiando despesas correntes com receitas de capital (empréstimos), explodindo os gastos em fim de mandato para deixar ao sucessor uma terra arrasada. Enfim, Sarney lançou o país no delicioso caos.

No fim, nenhum candidato às eleições de 1989 se filiou ao governo. Sarney, contudo, já havia obtido mais um ano na presidência, de onde articulou sua candidatura ao Senado, pelo Amapá (um estado recém-criado), onde jamais havia pisado, numa das eleições mais hediondas desde a República velha. Em um último golpe, quase emplacou a candidatura de Silvio Santos ao Planalto- uma manobra abortada, a tempo, pelo Judiciário.

Odiado pelo povo, aos gritos de "Sarney, salafrário, tá roubando meu salário, Sarney, ladrão, Pinochet do Maranhão'', nosso herói exilou-se em sua mansão no Maranhão, permanecendo na moita enquanto Collor era derrubado e FHC elegia-se presidente. Como tinha de reorganizar o país (e desfazer a obra de Sarney, caracterizada pela farra com a Coisa Pública), o novo presidente precisou de uma sólida maioria parlamentar e, claro, ninguém melhor que Sarney para lhe garantir isso. Logo, ao lado dos velhos companheiros do ARENA- agora PFL- pelo PMDB- ao qual se filiara em 1989-, José comandou o Senado e garantiu a FHC que suas reformas fossem aprovadas. Sua força permaneceu igual, e, já em 1994, elegeu sua filha Roseana Sarney governadora do Maranhão. Em 2002, articulou a candidatura dela à presidência do país, na qual era líder nas pesquisas. Isso até José Serra acionar a Polícia Federal, que descobriu malotes de dinheiro na empresa de Roseana em São Luís, na operação Linus. E o sonho da família de voltar ao Planalto acabou.

Na última década, publicando novos romances, Sarney resolveu se conformar com o cargo não-oficial de manda-chuva da política nacional, usando seus velhos super-poderes de indicação de nomes a cargos públicos (usada como moeda de troca com o governo, na consecução das maiorias parlamentares destinadas ao apoio dos programas de governo). Assim, a articulação das maiorias parlamentares, atingida pela distribuição de cargos públicos e emendas ao Orçamento pelas forças políticas atuantes no Congresso Nacional é o coração do poder de José Sarney; nenhum governo subsistirá sem o seu apoio. Seguindo sempre o mesmo modus operandi, fez novas experiências, como o apoio a Lula, tradicional oponente, em seus dois governos, mantendo seu poder absoluto sobre o ministério de Minas Energia- não enquanto Dilma esteve na pasta, porém- e intacto seu infinito poder de nomear. Seus filhos, contudo, foram alvo de dezenas de operações da PF, sendo Fernando Sarney quase preso, em 2009.

Contudo, Zé sofreu uma grande derrota, com a vitória de Jackon Lago nas eleições estaduais maranhenses de 2006, sob Roseana; ora, em "seu'' estado, um esquerdista venceu! Contudo, mobilizando seu poder, Sarney conseguiu a anulação da vitória com base em falsas acusações, e, por meio de uma aberração jurídica, a posse da filha, para cumprir menos de um ano de mandato restante. No comando da máquina, Roseana seria reeleita governadora do Maranhão em 2010.

A família de Sarney crescia, contudo, com netos, apadrinhados, primos, irmãos e até conhecidos de esquina sendo empregados pela máquina estatal. O vice-governador atual de Roseana - chamado de "Carcará''- comanda os mafiosos propriamente ditos, responsáveis pela solução violenta dos problemas da família. Nas telecomunicações, a Tv Mirante continua nas mãos da família, junto com dois jornais e dezenas de rádios. Acrescente-se a isso os inumeráveis cargos públicos ocupados pelos "servidores'' da família, até mesmo no Senado (vide o escândalo dos atos secretos, em 2009, que quase derrubou Sarney do comando do Senado). Terras, mansões, conventos centenários (transformados em mausoléus, onde um busto de ouro de Sarney aguarda em um túmulo ricamente decorado sua morte), contas na Suiça e um verdadeiro exército de dependentes- desde uma enfermeira qualquer de um postinho de saúde comum da periferia de São Luís, à presidência da Eletrobrás, passando por eleições de políticos do baixo clero, indicação de ministros diversos e mesmo os conchavos que apoiam o próprio presidente da República- sustentam seu poder cinquentenário; os presidentes passam, desde os anos 60, mas Sarney e seu exército mafioso permanecem no poder, dando as cartas. No Maranhão, o poder do império da família é palpável: pode-se ir ao colégio José Sarney, pela Avenida Sarney Costa, passando pela ponte Kyola Sarney; verificar as contas públicas, no Tribunal de Contas Roseana Sarney; ser internado no Hospital Regional José Sarney; ou, ainda, reclamar contra os desmandos da família mafiosa no fórum Sarney Costa, através da sala de Defensoria Pública José Sarney...

O que concluir com essa estafante e pequena biografia?

A história de um homem explica muito sobre a história de um país. Em Sarney, percebemos que o vínculo com a história colonial (Victorino), a ação dos militares, a aliança com as grandes empresas e, sobretudo, a sorte (a virtú de Maquiavel?) conduziram, em boa parte, o Brasil nesses 50 anos de atuação sarneyziana. Este homem, outrora nobre e literato, se tornou o líder que fundaria a política do século XXI no país- inconvenientemente calcada na corrupção, violência e incompetência. Populista, manipulador, sedento de poder a absurdamente bem relacionado- um verdadeiro artista que soube jogar com os desejos dos homens de poder e valer-se deles para subir na política-, José Sarney é a cara do Brasil patrimonialista e patriarcalista, que bebeu das fontes do colonialismo, do império, das oligarquias, do estadonovismo, terceira república e, finalmente, da ditadura militar; personifica cada elemento negativo da história do país em sua figura imponente. Ele é, e sempre será enquanto respirar, o poderoso chefão da política brasileira- o verdadeiro padrinho do setor energético, da máquina pública, dos latifúndios e das telecomunicações. Bon giorno, don Sarney.

4 comentários:

  1. Qual a participacao real desse cara e seu Cla, nas firmas de Aluminio por la, com eletrecidade subsidiada pelo povo Brasileiro? Sam

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. José Sarney agenciou os contratos entre os governos federal e estadual do Maranhão para o fornecimento de energia elétrica subsidiada para a Alumar, a maior empresa produtora de alumínio do país, que atualmente fatura U$ 430 milhões. Assim, a Alumar só pagou 20%-25% do valor real de suas contas de energia, já que o processo de produção do alumínio consome muita energia; e a família Sarney recebeu uma comissão pelos serviços. Sarney indica gente sua para a presidência das estatais do ramo de energia ou que regulam o setor, como a ANEEL, que o governo é obrigado a aceitar para continuar a ter apoio do PMDB, partido de Sarney, no Congresso.

      Em 2007, a ALUMAR fez o pronunciamento de sua última expansão no país na mansão de Sarney, onde homenageou a família pelos serviços prestados.

      Não tenho informações sobre as outras empresas produtoras de Alumínio... mas ALUMAR, que é a maior, banca boa parte da fortuna da família Sarney. Claro que há terras, canais de TV, outras obras públicas fraudadas... a fortuna da família chega facilmente a bilhões.

      Excluir
    2. É uma estratégia chamada de triangulação. As construtoras consturiram as hidreletricas, e as estatais administram a geração de energia. Só que quem administra as estatais são pessoas indicadas por Sarney, que também agencia quais construtoras serão beneficiadas. Ele também negociou contratos altamente desfavoráveis ao Estado, como o que garante as empresas de alumínio pagar menos de 1/4 do que o cidadão comum paga. Logo, Sarney é a ponte entre a Alumar, as construtoras e o governo.

      Nos anos 2000, a Camargo Correia entrou com um pequeno aporte para Alumar construir uma voa fábrica. A Alumar, por sua vez, construiu, mas demandou mais energia barata do governo. A Eletronorte, responsável pelo setor, e presidida por um indicado de Jader Barbalho, um dos integrantes da quadrilha de Sarney, cedeu mais um subsídio a empresa. Para isso, ampliou a rede de distribuição de energia elétrica, contratando justamente a Camargo Correia para executar o serviço. A licitação foi fraudada, é claro... juntas, Alumar e Camargo Correia ganharam U$ 2 bilhões... agora, tire 10% ou 15% para Sarney e seu bando: em uma jogada, eles faturaram mais de U$ 200 milhões, ou seja, R$ 400 milhões hoje. Belo Monte, no Pará, faz parte desses esquemas...

      A festa na casa de Sarney, promovida pela Alumar, foi para comemorar essa "expansão'' da empresa...

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir