sexta-feira, 22 de junho de 2012

Algumas sugestões musicais- Top 10

O gosto musical é uma das marcas da cultura humana. Praticamente todas as civilizações desenvolveram algum uso ritmado de sons, seja com fins religiosos ou para mero deleite, algo que, com a progressiva escalada técnica e científica da humanidade, vem se tornando mais predominante.

Hoje, essa herança cultural vem se intensificando cada vez mais (basta lembrar que, há cem anos, não havia rádio ou meios acessíveis de se ouvir música-os gramofones eram raros e caros-, a não ser ao vivo), e, cada vez mais, o gosto musical da pós-modernidade vem se degenerando, como sintoma da doença chamada relativismo-materialismo axiológico. Contudo, sem mais deliberações filosóficas, aí vão as indicações do Blog para os interlocutores que apreciam uma boa música, relaxante e reflexiva ao mesmo tempo: estudos comprovam que o tipo de música que você ouve influi no padrão de suas ondas cerebrais, tornando-as mais harmônicas e eficientes, melhorando o desempenho intelectual do ouvinte. Outras, por outro lado, obstruem as ondas cerebrais e tem como efeito "fazer com que não se pense'', e apenas se reproduza, corporalmente, o ritmo musical- ou seja, são músicas que, além de não agregar em nada o aporte cultural, ainda prejudicam as atividades cognitivas do indivíduo de mau-gosto que as ouve. Vamos a um pequeno Top 10 das músicas que aprecio- não necessariamente em ordem crescente ou decrescente de importância. Umas mais, outras menos, ajudaram a fundar a parca e frívola personalidade de quem vos escreve...

1- Chevaliers du Sang real- Hans Zimmer

Essa música foi o tema dos filmes "O Código da Vinci'' e "Anjos e demônios''. É ideal para a reflexão de temas filosóficos ou acadêmicos; sua gradação rítmica começa com uma melodia lenta que, ao seu desenvolvimento, se revela cada vez mais densa e monumental, transmitindo a sensação de que se está desenvolvendo o objeto de reflexão rumo à conclusões extraordinárias. A aventura do conhecimento, a delícia da descoberta, o vislumbre da Alheteia filosófica é uma música para quem deseja ver a luz. Seja ela qual for.


2- Linger- The Cranbierres

Apesar de aparentar ostentar uma letra relativamente simples- que conta a experiência amorosa de uma garota, a partir de seu primeiro beijo- o grande hit dos Cranbierres tem o condão de transmitir uma das mais fascinantes experiências da humanidade- a paixão amorosa- em sua melodia.  Está nela presente o sentimento dual da paixão- a intensidade do amor e, por sua vez, toda a tristeza que resulta de sua maculação. O céu e o inferno do amor, presentes em uma música, pela qual é impossível não lembrar de alguém amado. 


3- Arioso- J. S. Bach

Uma primeira impressão pode sugerir que essa música- obra-prima de Bach- tinha como tema o amor. Na verdade, trata-se de uma das passagens da grande obra de Bach, "A paixão de Cristo segundo S. Mateus'', quando o Mestre, em sua agonia no horto, anuncia seu sacrifício aos discípulos (inciando-se com a Santa Ceia). Toda a tristeza de Jesus e a dor de seu sacrifício- ademais, a esperança de sua vitória sobre a morte- estão carregadas na música, que inevitavelmente traz o ouvinte a seus próprios desafios; há sempre um bem maior pelo qual vale a pena sacrificar-se.

4- Canon em D maior- Pachelbel

Irmão de Bach, Pachelbel não fez tanto sucesso quanto este. Todavia, uma obra em particular, que permaneceu ignorada por quase dois séculos até ser redescoberta por músicos românticos do século XIX, retrata a Oração Eucarística solene, chamada "Cânon romano'', de maneira fantástica. Aqui, uma melodia suave, alegre e criativa expressa a união da Igreja, que se concretiza na corporificação de Deus- o pão, resultado do trabalho de todos, é partido igualmente para a coletividade, resultando na alegria (vinho), que é sangue purificador de Deus, que limpa a humanidade de seus pecados. Assim, diferentemente da sobriedade das demais músicas sacras, o Canon eleva o moral interior e, sobretudo, é uma das melhores músicas para o desenvolvimento de atividades cognitivas, sendo muito usada, na Europa, para ninar os bebês- sua melodia harmoniza os padrões cerebrais e permite um "plus'' em seu funcionamento. 

5- My Immortal- Evanescence

Mais uma música emotiva. Como a maioria dos hits estrangeiros, sua letra não é atraente (que, mais uma vez, fala sobre as desventuras amorosas femininas), mas seu ritmo e embalo tristes suscitam possibilidades de grande reflexão. A maior parte dos seres humanos não morre sem ao menos uma decepção amorosa que lhes incomode em alguma medida- essa tristeza, de forma um pouco melosa, mas brilhantemente composta, é uma marca dessa música; há uma ideia de decadência sentimental que traz a lembrança do ouvinte sua própria vivência amorosa desastrosa. Amores impossíveis, rejeições, traições... quem nunca passou por isso?



6- Por una cabeza- Carlos Gardel

Sucesso na próspera Argentina da metade do século XX, Por una Cabeza é considerado o melhor tango de todos os tempos, "el tango de los tangos''. Tem como tema um dos mais populares hobbies mundiais da era de ouro do rádio- as apostas em cavalos- e sua relação com a mulher amada. Mais uma vez, a melodia, espetacularmente composta, transmite o fogo da paixão entre homem e mulher de uma maneira sumamente elegante; é um verdadeiro mergulho na atmosfera dos bairros burgueses de Buenos Aires, onde o romantismo de uma época de ouro da música portenha imperava. Esqueça Paula Fernades ou os pagodes desmiolados. O verdadeiro romantismo está aqui: a explosão, o olhar fulminante, o entrelace de corpos, a externalização dos desejos e a consumação do amor, tudo isso expresso da maneira mais elegante e bela já elaborada, por uma cabeça...

7- The Godfather Theme- Nino Rota

Filmes extraordinários são caracterizados por trilhas sonoras ainda melhores. Nesta composição de Nino- uma de minhas favoritas- parecem estar presentes duas melodias, onde uma delas nos traz ao velho sentimento de família, onde há um fundamento moral para nossas vidas, tão em falta nesses dias de hoje. Esse pilar moral, contudo, não é imune às corrupções oriundas do mundo externo, e, por mais poderosa que seja a família, por mais que a amemos, ela sempre se contamina com essas más-influências. Quem não ama sua família, mas reprova totalmente algumas de suas práticas, como expresso em "O poderoso chefão'', onde Michael resiste a entrar no mundo familiar, representado pelo seu pai, Don Vito Corleone? Tendemos inicialmente  a rejeitar nosso lugar na família, procurando distância dela, talvez com a ilusão da independência e auto-afirmação. Mas, no fim, Michael (e todos nós, de certa forma) assume o lugar do pai, integrando-se a família e, mais que isso, dando-lhe seu toque pessoal, ao mesmo tempo dando continuidade às tradições que a caracterizam (a cultura siciliana, no caso do filme)- algo que é traduzido na música, quando o tema sinistro inicial é substituído, gradualmente, por uma valsa italiana: ao parar de lutar contra a família, mas a ela integrando-se, assumimos o lugar de nossos pais e encontramos o equilíbrio psicológico e afetivo que nos permite desenvolver nossas potencialidades rumo a um destino incrível- note-se que a valsa tem um tema não alegre, mas monumental, pelo qual o ser humano ascende a outro nível, como visto no caso de Michael, que leva o império da família a ser mais poderoso do que nunca. Então, aceitar nossa família (não importa quão doloroso seja) e nos entendermos como sucessores de pais, avós e bisavós- e não meramente ilhas afetivas que surgem do nada, mas como construtores da família -, iguais a eles, são as principais mensagens dessa música memorável.

8- Tempo Perdido- Legião Urbana

A medida em que o tempo passa, o olhar para o passado não nos deixa de vir a cabeça. Quem nunca especulou sobre o que faria, se tivesse mais tempo ou simplesmente já tivesse, em épocas vindouras, a experiência ou saber atuais? Renato Russo pensou nisso, certamente, quando compôs essa obra-prima do Rock nacional, onde a marcha irrefreável ao futuro diante do tempo perdido- o passado- é dada ao lado da pessoa amada. E nela o consolo pela perda do tempo e a incerteza do futuro é uma marca sensível, onde, também, descobre-se o próprio tempo em que devem viver- o presente. Amor, passado e futuro, incerteza, esperança ("mas tenho muito tempo... temos todo o tempo do mundo'', ou seja, o tempo inteiro do mundo para o amor e para amar) são as marcas dessa que foi, é e será a trilha sonora de muitas pessoas, não somente do ótimo filme "O Homem do Futuro'', que retrata perfeitamente o tema da música nas telinhas.

9- Dona da minha cabeça- Geraldo Azevedo

A música regional tinha de estar presente neste post. Entre tantas opções (gostaria de incluir aqui a produção de Luiz Gonzaga, Flávio José e Zé Ramalho, além de tantos outros) escolhi essa porque o artista foi o mais recente que ouvi. Uma música simples, com os ritmos do nordeste nela embutidos, além de sentimentos sumamente humanos, característicos da humildade do homem do interior, da terra e do gado. A alegria de admirar a beleza feminina- e, ademais, a humildade e boa-fé da moça que "não acredita'' que pode ser tão bonita a ponto de ser a dona da cabeça do um homem, algo em falta hoje em dia, onde nossas mulheres são exemplos de futilidade, superficialismo e egoísmo- é uma das marcas do homem nordestino, como a capacidade de admirar e produzir o belo a partir do simples; mais, eu diria que é o manejo do que é simples (os recursos naturais escassos), do humilde (as virtudes familiares e religiosas sem as quais a sociedade nordestina não seria possível), que torna o homem nordestino tão criativo, comunicativo, socializante, alegre e, por sua vez, produtor de grandes obras de arte, tendo a cultura nordestina como o verdadeiro museu ou exposição permanente da obra de arte que ela mesma é- talvez como forma de resistência diante da hostilidade do meio-ambiente sub-árido, com a mensagem de que, em condições extremas, o homem dá aquilo que é seu melhor. A beleza, sobretudo, é em especial admirada por nós nordestinos- a beleza do simples, daquilo que vira a cabeça dos homens e mulheres, em suma, o próprio amor. Quer algo mais bonito, e mais simples?


10- Cálice- Chico Buarque e Gilberto Gil

Apesar de pouco ouvir a MPB clássica, não poderia deixar de rankear uma amostra do ritmo aqui no top 10 do Blog. Da MPB relativamente debiloide e alienada dos atuais tempos quero distância...
A antiga MPB caracterizou-se pela árdua militância política e pela composição de letras de alto valor significativo, que absorveram as aspirações e angústias de uma geração que sofreu com o terrível "cale-se'' dado ao país pela ditadura militar. E é nesse contexto repressivo que a música é utilizada como arma contra a ditadura, ao driblar os censores, visando atingir o grande público através da alta ambiguidade das letras- sendo uma forma indireta de propagandear a queda da repressão e o retorno da democracia. Não só Chico e Gil, mas inúmeros artistas caracterizaram uma era onde a juventude possuia uma formação intelectual, ideológica e política muito superiores a dos tempos atuais- a comparação chega a ser vergonhosa para a atual juventude...-, motivo pelo qual rebelou-se contra o silêncio imposto pela ditadura e pegou em armas, em alguns casos, para derrubá-la. Essa juventude, brutalmente calada pelas baionetas dos militares, envelheceu, perdeu os antigos ideais ou morreu- ou morre, lentamente-, sendo substituída, paulatinamente, pelas gerações formadas sob a hegemonia da Rede Globo e do sistema educacional montado pela ditadura militar, o que eliminou os indivíduos intelectualizados, críticos, independentes e moralmente livres dos anos dourados da política estudantil. Todo um país emburreceu, conformou-se com a ditadura e, por sua vez, após a redemocratização formal, permitiu que os velhos vícios do regime continuassem a calar a sociedade. Hoje, os oligopólios midiáticos cortam as manifestações de protesto contra a ordem estabelecida; o governo continua a sucatear a educação, com os mesmos objetivos e, por fim, o capital continua com sua busca pela mão-de-obra barata e disciplinada. Não aparenta, assim, ter mudado muito a situação do país, embora a aparente liberdade moral e de expressão sejam marcas que distinguem os tempos presentes dos antigos, não sendo, nem de perto, potencializadoras da democracia; talvez mesmo sirvam como válvulas de escape (sexo livre, programas humorísticos, futebol a vontade, críticas pontuais ao governo...), simples interesses mórbidos, que disfarçam o silêncio do brasileiro ante às questões fundamentais da nação, talvez auto-imposto. O Brasil continua a emudecer diante do ensurdecedor eco do "cale-se'', cujo grito ecoou assustadoramente por todo o país, em 1964, que se traduz nas próprias consequências de 21 anos de uma ditadura brutal, cruel e intolerante. A regra, hoje, é devolver o grito com ainda mais força. Afinal, ninguém segura esse país, que vai pra frente, puxado por 190 milhões de semoventes em ação... "Pai, afasta de nós esse cale-se!''

Espero que tenham apreciado este pequeno Top 10. Se desejarem, podem efetuar críticas, sugestões ou simplesmente jogar uma conversa à fora comentando o post. A gente se vê por aqui...

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