"na porta dos infernos
eu olhava almas sofridas
e os servos de Minos
a julgar suas feridas
até tuas mãos brancas
alvas de tão cândidas
desfazerem os nós das correntes
e ali eu vi que havia ser vivente
quão louco fiquei
por ti, tudo empenhei
fiquei avarento do teu calor
queria teu corpo só para meu amor
pois a luz dos teus cabelos
ali reluziu como um sol
nascido em plena meia-noite
mas pode teu brilho ofuscar tamanhos pesadelos?
teria sido belo dizer
que os apenados contigo se consolaram
mas, para mim, quão bem fez
quando tuas ancas ao meu lado dançaram
observei tua graça ir e vir
por ti cruzei todos os círculos do inferno
na ânsia do desejo, por êxtase terno
e, em meio aos suplícios, sorri
injuriosa, blasfema, desonrosa
gatuna, ávara, orgulhosa
pedante, gulosa e homicida
quantas faces pode ter uma paixão enlouquecida?
sobre ela, até as pedras dos juízes se calam
pois quem pode atirá-las, se te amam
quem não poderia desejar-te, nem te possuir
com a ferocidade de animais a se unir?
me amarraste às pedras
e me fizeste amá-las como a ti
empurro-a e beijo teus pés de figueiras
me julguem ou fechem os olhos
pois tê-la é o único paraíso possível para os condenados
o último sopro de vida,
uma gota de mel sobre um mar morto.''
terça-feira, 28 de março de 2017
segunda-feira, 27 de março de 2017
Amor descartado
atirei na privada
e ela boiou, despejada
ali meu desejo agonizou
nas águas claras, se afogou
não gritou, por exaustão
nem falou, baixinho, adeus
nem mesmo um olhar concedeu
foi-se, como soldado no caixão
será que o fumante inveterado
pode sentir falta de um único cigarro
dentre os milhares inalados?
vi-o girar e sumir
e àquelas águas misturou-se uma lágrima
nunca mais te terei, nem vou te possuir
foi especial por ter sido a última
e quando me juntar a ti na escuridão
vou lembrar daqueles momentos
onde o plástico fundia-se a uma parte de mim
amor raso, de poucos atos, para sempre guardado no coração.
e ela boiou, despejada
ali meu desejo agonizou
nas águas claras, se afogou
não gritou, por exaustão
nem falou, baixinho, adeus
nem mesmo um olhar concedeu
foi-se, como soldado no caixão
será que o fumante inveterado
pode sentir falta de um único cigarro
dentre os milhares inalados?
vi-o girar e sumir
e àquelas águas misturou-se uma lágrima
nunca mais te terei, nem vou te possuir
foi especial por ter sido a última
e quando me juntar a ti na escuridão
vou lembrar daqueles momentos
onde o plástico fundia-se a uma parte de mim
amor raso, de poucos atos, para sempre guardado no coração.
quarta-feira, 22 de março de 2017
CORTAR (N)A CARNE, TERCEIRIZAR A CARNE: DIVIDIR PARA IMPERAR
Onde antes existia um emprego, vão existir pelo menos três ou mais. Onde antes se pagava quase outro salário para manter um trabalhador, agora não se pagará mais nada. Onde antes indenizações e verbas rescisórias eram calculadas às dezenas de milhares, hoje o custo para a empresa com despesas do tipo pode chegar a zero.
Parece propaganda partidária, peça publicitária ou um discurso do Deng XiaoPing, mas esses vão ser os possíveis efeitos da nova lei da terceirização, talvez a medida mais importante emplacada pelo governo (até mais que a PEC dos gastos). Mas algo tão bom assim nem parece ser verdade, não é? E não é mesmo. A geração de empregos e de renda (para quem?) com a terceirização irrestrita e ilimitada (que tal montar uma empresa de terceirização educacional? Excelente para um país que lidera todos os rankings na área...) vai ser paga ao custo de uma renda menor para o trabalhador, precarização das condições de trabalho, imensas dificuldades para garantir direitos (e aí, o trabalhador vai processar quem em busca dos seus direitos? A mãe Joana?).
A terceirização vem como uma das peças centrais em um engenhoso quebra-cabeça montado pelo governo pra gerar um crescimento econômico de curto prazo, mais um "voo da galinha'' que conhecemos tão bem. Nisso, a limitação dos gastos públicos, a liberação do FGTS, a reforma da previdência e o "pacote'' de privatizações só terão sentido em um país onde se possa terceirizar tudo: ora, os cidadãos vão ser obrigados a trabalhar mais para se aposentar e vão usar o dinheiro do FGTS para novas rodadas de consumo, gerando assim demanda por serviços e bens, e assim por empregos para que alguém os produza - o um custo menor. O empresário livra sua barra com o dinheiro extra, diminui suas dívidas e pode pensar em crescer - terceirizando toda a parafernália trabalhista.
O x da questão é que, no médio prazo, a renda do consumidor-trabalhador vai cair (terceirizados ganham em média 30% que os demais funcionários) ao ponto em que o consumo vai se reduzir (e o principal motor da nossa economia é o mercado interno, e não as exportações, que tornam o modelo da terceirização exitoso essencialmente em países ditatoriais e que controlam sua moeda com mão de ferro - vulgo China) e a crise vai recomeçar novamente. O sucateamento dos serviços prestados pelo Estado - que agora poderão em boa parte ser terceirizados - só vai piorar ainda mais a vida do povo comum. Para a geração que virá, será mais difícil ter acesso a saúde e educação de qualidade (sabe aquele projeto dos planos de saúde "populares'' do governo?) e, por consequência, vai ser praticamente improvável ascender socialmente. Trabalhando até os 65 anos, sem saúde, sem assistência, sem acesso pleno aos direitos trabalhistas, o futuro do Brasil é um verdadeiro inferno - para a maioria, por que os grandes grupos que monopolizam os planos de saúde, a construção civil e os bens de consumo vão permanecer faturando alto. São os destinatários de todo esse "esforço'' de "salvação''.
Mais do que um atentato à Constituição, o que ocorreu hoje na Câmara dos deputados foi mais uma pá de terra no túmulo da democracia. Já sabíamos que nossos "representantes'' são meros traficantes de influência a serviço de seus doadores/corruptores, e aprovar leis sem um mínimo de discussão ou debater, a toque de caixa, era comum desde que Santo Eduardo Cunha resolveu escancarar a lógica do salve-se quem puder. A derrota real é saber que "os dois lados'' (bem simbolizados por famosos alimentos) vão se alternar entre a omissão e o protesto isolado; que o "cansaço'' de quase três anos de guerra civil de opiniões e operações policiais diárias vai impedir qualquer manifestação maior de indignação popular; que o sucesso efêmero que virá da economia vai embasar uma possível "anistia geral'' para a quadrilha suprapartidária que quer extinguir não só a justiça do trabalho, mas a própria ideia milenar de "justiça'' em todos os aspectos da vida social do país. A morte dessa senhora, já em estado terminal, vai vir pelo cansaço, pela aceitação de que o que "sempre foi assim'' vai "permanecer assim''.
"Dividir para imperar''. Ou terceirizar. Pelo menos eles leram Maquiavel. O pagamento do custo da crise, que deveria ser dos setores mais se beneficiaram do que a causou (industriais, governo e bancos, beneficiados pelas políticas malucas que levaram Dilma à lona), mas o "corte na carne'' ficou mesmo para o trabalhador.
terça-feira, 7 de março de 2017
UMA REVOLUÇÃO DE "SEGUNDA CLASSE''
Nordestino é subestimado até nas suas revoluções. Com exceção de Chico Pinheiro no Bom dia Brasil, poucos na grande mídia nacional lembraram que já foram 200 anos da única revolta colonial que alcançou o poder em nossa história. Poucos são os trabalhos acadêmicos publicados sobre ela (e isso até por aqui!). Além da bela bandeira de Pernambuco e de algumas ruas e avenidas (restritas geralmente ao Recife e região), quase não restam menções ou homenagens.
O mais triste é lembrar que, ao lado da revolução de 1817, figuram várias outras mais locais e restritas. A guerra dos Mascates já vem virando nota de rodapé nos livros. A praieira se reduz a um "reflexo'', em terras pernambucanas, da "primavera dos povos'' europeia. Da Confederação só se costuma destacar a coragem de Frei Caneca. Outras, menos "pops'', como a Conjuração do pai-nosso, a Conspiração dos Suass(ç)unas e a "Cabanada'' (um curioso "mix'' que visava restaurar o "opressor'' Pedro I e acabar com a escravidão) são desconhecidas até mesmo por parte relevante dos pernambucanos.
Se existe motivação para esse "esquecimento'' da tradição libertária do nordeste (e de Pernambuco em especial) é porque, talvez, as revoltas sulistas, geralmente glorificadas (como no caso daquela "comandada'' por um alferes alcoólatra abandonado por todos os seus "companheiros''), servem ao espírito de grandeza e sentimento de superioridade dos que se acham melhores que o resto do país. Me arriscaria a dizer que não foram revoluções "tão revolucionárias assim''; talvez nem mesmo tão intensas quanto uma revolta onde até mesmo se pensou em libertar Napoleão Bonaparte para comandar as tropas da liberdade...
Esse sentimento e essa emoção, o desejo por levantar a cabeça e rugir, feito leão coroado, contra as barbaridades e privilégios de uma elite exploradora e corrupta que suga todos os escassos recursos da região mais pobre do país para seu bel-prazer nunca devem ser esquecidos. Daí a importância de lembrar os que em 1817 disseram "não'' à tirania da Corte mais atrasada da Europa. Não muito diferente daquela que está instalada no Planalto Central atualmente, sugando 70% dos recursos públicos, onde não existe nobreza de nome mas os privilégios são até superiores aos da antiga Família Real...
Enquanto a Corte de Brasília saqueia o nosso bolso, uma última lição de 1817. Mesmo derrotados, os últimos soldados da revolução permaneceram no Recife para entregar o Cofre Público às autoridades portuguesas. Quando perguntados o motivo de simplesmente não terem fugido com a grana (pública), o grupo respondeu: "porque nós vamos entrar para a História como revolucionários, não como ladrões”
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