O desconhecido sempre atormentou aqueles que nele pensaram. Talvez vivamos a ilusão de que conhecemos algo, quando, na verdade, estamos continuamente em uma peregrinação por vivências, situações e casos cujas origens, fins e constituições ignoramos - até o "cotidiano'' se torna um desafio diante do inefável e inevitável característica da imprevisibilidade que marca nossas vidas. Isso se mostra quando verificamos que, após alguma experiência de vida, olhamos para trás e nos impressionamos com a quantidade de sonhos, planos e aspirações que criamos e alimentamos sufocadas, abandonadas ou violentamente cortadas, e tudo isso por que desconhecemos algo que nos é essencial - o futuro!
E em que pese ser impossível prever o futuro, temos uma vantagem sobre o resto do reino animal, oriunda da nossa própria razão. Ora, é o que chamamos de "troca de experiências''. O primeiro ser humano que descobriu que a carne cozida era muito mais palatável e deglutível do que a crua transmitiu essa experiência até nossos dias e, em que pese alguns poucos conservarem o gosto por carne crua (sushi!), a humanidade viveu melhor com churrascos, carne cozida ou "guizados''. A comparação com carne talvez soe estranha, mas convenhamos: mesmo coisas desconhecidas (e veja que só soubemos o que era a "carne'', quais suas funções biológicas precisas nos corpos dos animais de que nos alimentamos e suas implicações milênios depois da separação entre o "cru e o cozido'') podem ser desvendadas quando alguém que já viveu situações parecidas descobriu formas de superação dos problemas que surgiram. É assim quando você mesmo responde à inquietante pergunta "o que vou ser quando crescer'' com a resposta "quero cursar direito e ser um advogado(a), juiz(a), promotor(a)'' e sempre busca outros "relatos'' sobre quem adotou, em algum momento, a mesma resposta...
Admitamos então que o direito nos é, enquanto jovens secundaristas frescos cuja maior preocupação é o Enem, algo desconhecido. O desconhecido se torna ainda mais distante e misterioso quando uma multiplicidade de relatos sobre ele vela ou disfarça sua verdadeira face; e, convenhamos, quem não forma uma "ideia'' do que é o direito e o que significa dele viver? Assistimos os filmes ou seriados (a maioria, norte-americanos) e nos impressionamos com as roupas, a esperteza e, talvez, o poder e o status que personagens saídos das mentes de roteiristas profissionais demonstram. E aí o desconhecido direito se torna ainda mais desconhecido quando sobre ele descobrimos a primeira verdade: o mundo jurídico não é nada do que pintam por aí nas séries do Netflix ou no cinema.
E se as representações culturais (com o gravame de que partem de uma cultura diferente da nossa, a brasileira) tornam ainda pior saber o que é o direito e como se vive em seu mundo, os relatos que coletamos e os fragmentos, da mídia e de "histórias'' de familiares e amigos, são ainda mais confusos, embora mais críveis do que o glamour de Hollywood. Nesse sentido, longe de mim estabelecer um relato definitivo e preciso sobre o mundo jurídico; trata-se apenas de compartilhar uma experiência nesse misterioso plano que mistura etéreo e carne bruta, ideal e lama, brilho e sombra. É só trocando experiências que chegamos mais próximos do "verdadeiro'' mundo do direito.
Sem arrodear muito mais, vamos mergulhar um pouco nos cinco anos do curso de direito, vivido por alguém que galgou-os em uma situação muito semelhante aos futuros universitários que emergirão do Enem: quase que completamente ignorante quanto ao mundo que iria adentrar, ou duplamente ignorante por estar mal informado sobre ele!
- Prelúdio: o vestibular
Não, a história não começa com o primeiro dia de aula, mas muito antes. Veja que a maior preocupação de quem deseja ingressar no direito é garantir o próprio ingresso, ou seja, a aprovação no vestibular. Para isso, se recomenda alguns passos: de início, se requer foco. Ou seja, concentre-se em somente uma opção de curso (o direito), abrindo mão de empreitadas quase impossíveis, como tentar direito e medicina ao mesmo tempo! Ora, se você quer o direito, exclua todo o resto.
Mas não faça essa escolha por pura ambição pessoal ou pensando "no dinheiro''. Lembre-se que é grande a chance de que, uma vez jurista, você o seja pela vida toda. Imagine passar a vida toda fazendo algo que você detesta! Acredite, é insuportável. Então, esteja certo de que, ao menos, a ideia de escrever muito, falar em público (relaxe se você é tímido ou tímida, isso não vai te impedir de falar bem em público), ler e defender/acusar/julgar algo ou alguém te atraem um pouco que seja.
Em segundo, se planeje. Perceba que é intuitivo que o estudante de direito deve ler muitos textos e, por obviedade, ter boa técnica de interpretação textual, raciocínio lógico e boa escrita. Esses devem ser seus pontos fortes a serem trabalhados, mas não esqueça de uma velha máxima: quem lê muito e está bem informado vê sua escrita fluir muito mais facilmente do que aquele que lê pouco e ignora o mundo ao redor. Basicamente, por exemplo, se você não tiver uma opinião sobre o impeachment da presidente Dilma, a guerra na Síria, a crise refugiados na Europa e o combate à corrupção no Brasil suas chances de fracassar são grandes.
Então, antes dos manuais, estágios e vídeo-aulas... leia! Leia muito! Essa maravilhosa ferramenta chamada internet dispensa qualquer desculpa sobre falta de acesso à informação. Pelo menos uma vez por dia visite um site de notícias, leia colunas de opinião em jornais, se atente sobre os assuntos do momento e, mais importante, forme ou construa uma opinião sobre os temas que ler. Tudo o que você ler vai ser sua munição por muitos anos para produzir textos - dentre eles, redigir petições iniciais, recursos etc.
Não esqueça de escrever. Escolha, de início, assuntos que você goste. Depois, passe para os temas do momento. Tente produzir um texto a cada três dias, ou um por semana, e conte com o auxílio de alguém para corrigi-lo - como nós mesmos escrevemos, somos contraindicados para corrigir nossa própria produção (sim, seu cérebro te engana e te faz crer que você não cometeu erros gramaticais, de coerência e de coesão, mas, na verdade, é muito alta a chance de que seu texto esteja cheio delas...).
Além de ler e escrever, o que é um bom estudante de direito sem conhecimentos de história e geografia, se não um produto defeituoso? Lembre que o direito é uma manifestação social que evolui com a história e é um espelho de cada momento sócio-histórico, bem como das condições econômicas e até geográficas de onde uma sociedade se situa. Alguma leitura de Filosofia e Sociologia também é fundamental - e mais na frente vou esclarecer por que a carência destas duas disciplinas explica parte do péssimo desempenho da maioria dos estudantes de direito do país.
Em resumo, antes de pensar em entrar em uma Faculdade de Direito, se prepare adequadamente para tal. De nada adianta entrar por sorte ou em alguma instituição que não exige vestibular ou o faz de forma frouxa e não estar à altura do que o curso exige, embora, como vamos ver, se trate de uma experiência aparentemente fácil iniciar e concluir o curso de direito sem saber absolutamente nada de direito!
Ainda nas preliminares: para onde vou?
Essa pergunta atormenta os estudantes e é usada como motivo de distinção hierárquica em alguns círculos sociais. O pré-vestibulando que diz "só quero cursar se for na federal'' é visto com respeito e um pouco de inveja pelo aparente esnobismo. Mas, apesar dessa declaração soar ignóbil (e muitas vezes parte de autênticos indivíduos antissociais...), é mais ou menos por aí: se for para cursar direito, tente as melhores instituições. Essa é a primeira grande regra que você não pode esquecer, nunca, jamais, em qualquer fase da vida: sempre busque os melhores meios para te levar além.
Dito isto, é notório que as instituições de ensino superior públicas (não só as federais) tem as melhores indicações e referências, mas com o Enem o leque de escolhas se expandiu muito. Existem excelentes instituições privadas que podem ser acessadas via Prouni ou FIES, como os cursos das universidades católicas, a famosa FGV (a Fundação Getúlio Vargas, que talvez seja a mais avançada instituição do país) e outras. Mas, a princípio, busque a melhor que puder.
Todavia, cuidado para não alimentar expectativas de que, uma vez aluno de uma universidade federal, você viverá em uma Harvard University. Longe disso! E aqui começa a primeira "queda na real'': as universidades públicas do Brasil, principalmente em cursos na área de ciências humanas, sempre foram e estão sucateadas (embora, justiça seja feita, a situação tenha melhorado bastante na última década) e tem inumeráveis problemas. E os cursos de Direito não estão em patamar melhor.
Resumidamente, os problemas são de estrutura. As bibliotecas são pequenas, a maior parte dos livros está desatualizada, bolsas de pesquisa são raras, os professores são escassos e estão constantemente ausentes. Você poderia me perguntar que, se realmente a realidade das universidades públicas é assim, como elas conseguem permanecer no topo da qualidade do ensino jurídico. A resposta é muito clara. É por sua causa!
O destaque das universidades públicas são seus alunos. Como é gratuita e o processo seletivo é rigoroso e altamente competitivo, acabam-se selecionando os alunos mais estudiosos e dedicados que, mesmo diante das péssimas condições estruturais do curso, guinam ao autodidatismo e conseguem elevar o padrão de qualidade das instituições. Ou seja, é o próprio aluno que estuda, pesquisa, explora bibliografias e constrói seu conhecimento. Ser da federal, assim, não adianta se você não tiver a propensão de sentar em uma cadeira por seis horas ou mais e estudar.
Sim, foque nas melhores instituições. Mas só a aprovação no vestibular não adianta; somente dizer que é um aluno "federal'', muito menos; ou você estuda de forma condigna aos seus colegas, ou vai ficar para trás.
O primeiro capítulo da novela: filosofando - vão te dizer que isso não serve pra nada!
A sensação de finalmente sentar em um banco de universidade para assistir à primeira aula de Introdução ao estudo do direito vai te acompanhar pelo resto da vida. No meu caso, cheguei atrasado, perdi a primeira chamada e, ao olhar meus colegas de sala tão concentrados e já com canetas e cadernos em pleno trabalho, quase tive certeza de que estava no lugar errado - no sentido de ter escolhido o curso errado.
Não se espante. Durante todo o curso, você vai se imaginar, naqueles lances doces de história pessoal alternativa, escolhendo outro curso ou abandonando o direito, o que é raro de acontecer no primeiro período, mas é comum nos terceiros e quartos (vou falar sobre a "crise do meio do curso'' mais adiante).
Bem, deixando elucubrações a parte, tome nota da estrutura básica do curso. Veja, de início você estudará as chamadas "cadeiras'' (isso por que, no passado, os professores universitários mais importantes eram os "catedráticos'', tendo direito a um assento diferencial chamado "cátedra'', uma cadeira de espaldar alto e elevada do chão que é herança da Igreja Católica, que fundou as primeiras universidades do Ocidente; a cadeira aproximava mais o padre de Deus e o distanciava do povo. Até hoje, a cadeira ou trono onde os bispos e o papa se sentam são chamados de "cátedra'', de onde, elevados diante dos olhos dos fiéis, proclamam regras morais. Você verá que muitos professores universitários de hoje, em que pese não temerem o sagrado ou o profano, levam essa história de "eu sou superior a vocês'' muito a sério!) ou disciplinas propedêuticas, ou seja, iniciais. Elas tem uma razão de ser.
Veja, o direito é um fruto social. Daí ser óbvio que o estudo da sociologia é essencial, principalmente por que, nos dias de hoje, juízes e tribunais tomam decisões e produzem normas jurídicas que são embasados na análise social dos fatos do que no próprio direito. Quer um exemplo? Recentemente o STF decidiu que é possível a prisão provisória de um condenado que aguarda o julgamento de recurso perante o STF ou o STJ. Essa decisão contraria diretamente a Constituição, que assegura a todos o direito de ser preso apenas quando a sentença condenatória transitar em julgado, ou seja, quando recursos não forem mais possíveis. Parece uma loucura clara, não é? Seria, mas o STF decidiu com base na sociologia do crime: ora, como os recursos perante o STF e o STJ demoram anos para serem julgados, levando a impunidade de criminosos, a regra jurídica da vedação à prisão antes da sentença transitar em julgado é ineficiente perante essa configuração dos fatos, e assim, para evitar a impunidade, pode ser desconsiderada. E qual o fundamento disso? Os inúmeros casos de condenados que se livraram das garras da justiça pagando bons advogados que recorriam eternamente das decisões condenatórias... veja que o fundamento foi a impunidade, não uma norma de direito.
Já o estudo da filosofia e da economia dispensa comentários. O direito é, de certa forma, o produto mais acabado de correntes de pensamento filosóficas que tem suas raízes em Platão e alcançam o auge no chamado iluminismo. Podemos dizer que tudo o que vamos estudar na faculdade de direito - os ramos do direito, normas, regras, institutos, instituições - são fruto do colossal esforço dos filósofos iluministas para classificar em rótulos, esquemas lógicos e fórmulas tudo que puderem, inclusive as manifestações jurídicas da sociedade. Sim, antes dos iluministas ninguém pensava que o "direito constitucional'' é diferente do "direito civil'', ou que uma norma jurídica se diferenciava de uma norma moral e por aí vai. Desnecessário dizer que desconhecer tudo isso vai nos levar, fatalmente, a confundir as fronteiras entre moral e direito, ou entre direito e outro ramo do saber, e aí corremos o risco de nos tornar juízes, promotores ou advogados que aplicam não o direito, mas suas convicções morais ou religiosas, como cada vez mais se torna comum (é, tudo isso por que não estudaram Filosofia, tá vendo?).
Quanto à economia, pense o seguinte: o direito surgiu pela primeira vez na história, possivelmente, para regular alguma transação comercial ou patrimonial entre duas pessoas. Se você observar direitinho, o direito que temos hoje tem suas raízes no direito civil romano, cujos principais institutos eram relacionados à economia, como a determinação de quem poderia ter bens, quem poderia negociar bens e quem poderia praticar atos de fruição e disposição de tais bens. Daí surgiram os direitos reais, obrigacionais, de personalidade e, para tutelá-los, procedimentos judiciais e estatais, que demandam impostos para serem mantidos, que eram instituídos por leis e assim por diante... apesar de distantes da velha Roma, muito do direito orbita a economia. Por isso que falam tanto em "reformas'' tributárias, políticas, previdenciárias e trabalhistas como forma de "alavancar'' a economia! Além do mais, direito está muito ligado à economia: quando esta se expande, como vimos na última década, as oportunidades, seja a partir de concursos públicos ou na área privada, também aumentam. Quando a economia vai mal, o setor jurídico em geral padece, embora muitos lucrem (como advogados que lidam com falências, por exemplo...). O mais importante é saber interpretar os sinais da economia para fazer uma escolha profissional bem sucedida, como montar um escritório com determinadas características ou com outras, ou enveredar pelos concursos. Isso é crucial para sua vida como jurista.
Decore esses nomes...
A joia da coroa do primeiro período será a famosa cadeira de Introdução ao estudo do direito. Basicamente, é uma apresentação geral da história, teorias dominantes e dominadas e das principais regras do direito. Sim, você já percebeu ou vai perceber que essa cadeira varia muito de conteúdo conforme o professor. Geralmente a abordagem é mais filosófica, onde se estudam os chamados "filósofos do direito'', que se preocupam com questões metacientíficas ou epistemológicas, gnoseológicas, axiológicas e teleológicas - sabe, eles procuram responder às perguntas clássicas da filosofia, por exemplo "como discernir um conhecimento verdadeiro do falso saber? Quais são os requisitos de um conhecimento válido? O que é e o que não é direito? Existe um direito válido e superior a qualquer outro direito? Existe uma finalidade para o direito? Justiça é direito?''. Por óbvio, quando vamos estudar direito "pra valer'' (leis, doutrinas e decisões judiciais) não questionamos se aquilo "é'' direito, muito menos os métodos que usamos, embora possamos utilizar alguns métodos melhores que outros. É a filosofia do direito que responde a essas respostas, nos fornecendo os métodos para obter o conhecimento jurídico válido e aceito pela comunidade jurídica. Por outro lado, IED vai te proporcionar o acesso ao que podemos chamar de "regras universais'' do direito, ou seja, aquelas normas que raramente mudam com o passar das décadas e até dos séculos; são os conflitos entre normas jurídicas, problemas de validade, vigência e eficácia, que estão entre as questões mais controversas do mundo jurídico por que, como dizia meu saudoso professor de IED, "são regras que disciplinam as outras regras jurídicas, ou seja, são meta-regras'', e uma quantidade relevante de celeumas jurídicas se decide por elas (ora, se a norma que embasa seu direito não está mais vigente ou caducou tenho péssimas notícias para você...). Sim, um estudante que ignora tais saberes será o que chamamos de um "devorador'' de livros e teses prontas e possivelmente jamais ousará ou conseguirá "criar'' ou "produzir'' conhecimento jurídico. Será um mero reprodutor - e quem reflete a luz brilha menos de que quem a produz!
Os três poderes do Brasil, reunidos para bolar alguma maldade jurídica a mais para você estudar
Além de IED, é comum que você seja apresentado à alguma cadeira de Teoria do Estado. Essa também tem um ar mais filosófico, onde se estudam os famosos filósofos contratualistas (olha aí a "economia'' aparecendo de novo...), o conceito de Estado e, de certa forma, uma espécie de introdução ao direito constitucional. Se aprende sobre como o Estado funciona, a partir de seus tipos, regimes políticos, regimes de governo, formas de governo, partidos políticos, eleições. Por que tanta atenção com o Estado? Bem, se você parar para pensar, o Estado é o maior produtor de direito que temos - alguns dizem que o único legítimo. Quando um juiz profere uma sentença, não é fulano de tal quem ordena, mas o Estado como um todo; quando um presidente baixa uma medida provisória reformando do dia para a noite a grade curricular das escolas, saia de baixo que a canetada vem com a força da lei; quando deputados aprovam aumento dos próprios salários, prepare o bolso, que você terá que pagar, afinal, é a lei. Boa parte do direito é reflexo de articulações partidárias, movimentos políticos, efeitos colaterais eleitorais - e operacionalizado através do Legislativo, Judiciário e Executivo, ou através da divisão entre a União e os Estados-membros no Estado federal, e desconhecer como eles funcionam é uma imensa omissão na sua formação enquanto jurista. Assim, saber como o Estado funciona (ou deveria funcionar) nos auxilia a combater ilegalidades do próprio Estado (e, acredite, ele é o maior violador da lei!) e pensar saídas para que ele "funcione'' melhor.
Apresentada a importância das cadeiras do primeiro período (bem, de fato, IED e Teoria política são as que merecem mais sua atenção), vamos à prática. Prepare-se que lá vem bomba. De início, o grande volume de informações vai te pegar desprevenido. Você não vai conhecer ou reconhecer nem metade dos "nomes'' dos autores que vai ler, não entenderá de primeira nem de segunda as intrincadas teorias (principalmente as de Economia) e vai se embanar todo(a) tentando dar conta da matéria seguidamente acumulada e não estudada. Quando priorizar uma cadeira, a outra vai acumular, e aí vai ser um salve-se quem puder. Mas relaxe, tome uma água, respire fundo e preste atenção no caminho entre as pedras!
De início, se planeje desde a primeira aula. Organização é a chave do sucesso, mas só falar é fácil! Tem que ser pra valer. Pegue um papelzinho (ou uma planilha do Excel) e liste os conteúdos que tem que estudar no semestre (sim, seu primeiro ato como bom estudante: consiga o conteúdo programático das disciplinas!), divida seus horários livres por matéria, faça um horário de estudos e estabeleça metas. Por exemplo, em uma semana me dou a meta de estudar norma jurídica, Estado unitário, Aristóteles e receita marginal. Vai ser difícil no começo, mas, com pelo menos duas semanas, estudar em horários corretos e bater metas semanais vai se tornar um hábito. E esse é seu primeiro desafio no primeiro período (e guarde muito, muito bem essas palavras): tornar a prática do estudo contínuo um hábito. E quando vou saber que virou um hábito, cara? Vais saber quando, em alguma intempérie da vida, fores impedido de estudar um belo dia e te pegares com aquela sensação de que "poxa, não pude estudar hoje... me sinto mal!'' como quando você tem o costume de correr todas as manhãs e um dia não corre. Você sente falta. De verdade!
Não é só estudar, porém. É como e o por onde estudar. E aí entramos em um terreno pantanoso, já que método de estudo é uma coisa muito pessoal, mas temos alguns "jeitos'' mais adequados de estudar Direito. Muitos estudam apenas por "manuais'', como o da professora Maria Helena Diniz (que certamente merece um lugar no livro dos recordes como autora que mais cita outros autores) ou o famoso "Lições preliminares de direito'', de Miguel Reale, famosos pela sua escrita objetiva e leve. De fato, os manuais são muito indicados pelos próprios professores com quem você terá aula, mas não esqueça de algo que seu instinto deve ter te alertado: eles não são suficientes. Mas longe disso! São apenas leituras iniciais. Na verdade, o que você tem que fazer é, além de ler os manuais, procurar livros mais especializados e muita gente acaba jogando a toalha por que acha que vai ler demais e não terá tempo pra matar tanta matéria... por isso, fique firme no ringue, por que esse é outro mito. Não, você não precisa ler os manuais da primeira à última página! Segunda regra de ouro: selecione o que você vai ler, principalmente pelo conteúdo programático da cadeira. Ora, se estou estudando ordenamento jurídico, eu vou ler o capítulo do manual sobre esse assunto e procurar uma literatura correlata, como um pequeno livro de Norberto Bobbio com esse título. Leia, grife (se puder) os principais pontos, anote o que achar importante e no fim do estudo tente produzir um pequeno resumo, nem que seja por "pontos'' que sintetizem as ideias chave. É muito comum que, além disso, os professores passem textos que possam te ajudar - e que as vezes atrapalham mais do que ajudam, por isso só os leia se estiverem dentro do conteúdo ou se o próprio professor frisar sua importância.
Depois de fazer um horário de estudo, estipular e vencer metas, ler e selecionar obras e produzir um pequeno resumo, cuidado para, uma vez feita a prova, não cometer um erro muito comum: "perder'' aquilo que você estudou. Eu mesmo conservava meus cadernos de períodos passados por pouco tempo, perdendo-os ou estudando de maneira tão desordenada e fragmentada que, anos depois, ficava difícil entender alguma coisa e eu era obrigado a estudar tudo de novo! Então cuide dos seus resumos e anotações como tesouros preciosos. Deixe-os bem guardados, os elabore de maneira organizada e inteligível e nunca esqueça que a função de tudo isso é sintetizar o conhecimento para que você o revise de maneira simples e rápida no futuro. O que você vai fazer é resumir, com suas palavras, as ideias que estudar, para usar no futuro e evitar ter que estudar os mesmos conteúdos várias vezes, perdendo seu precioso tempo com o "re''estudo!
Passada a parte "técnica'', vamos à subjetiva. Veja, possivelmente você vai entrar na faculdade jovem, cheio de desejos e expectativas, e vai quebrar a cara quando perceber que os sonhos não são tão fáceis assim de se alcançar e que ainda há muito esforço pela frente. Portanto, não tenha medo se o curso não é aquilo que você imaginou. Também não se espante se duvidar da sua vocação para o mundo do direito, nem se entristeça se não entender algum conteúdo: persista, tente entender, mude de livro, pergunte, estude junto com os coleguinhas, peça ajuda. Se o desânimo bater e a tentação de fazer "tudo da forma fácil'' se apresentar, resista. Sim, você pode passar os dias farrando ou nas redes sociais e, na hora da prova, filar, ou, nos trabalhos, se escorar em algum colega de grupo, mas isso vai te trazer sérias consequências no futuro. Tudo o que você não estudar no primeiro período, ou pelo menos uma boa parte, vai ser matéria acumulada para o futuro, e é por isso que o curso tem cinco anos, para que você divida entre esses longos anos as matérias que precisa estudar. Ah, IED não vai te garantir um bom concurso? E quem disse? Por acaso não sabes que os melhores concursos (para juiz, promotor ou procurador) sempre trazem questões de filosofia do direito, ou de aplicação das "meta-regras''? Veja, o conjunto de conhecimentos que você vai apreciar no primeiro período vai te dar uma racionalidade jurídica que permite avaliar questões em concursos mesmo que você não saiba a "letra'' da lei. Ou seja, você vai saber que aquela alternativa está errada por que ela contraria a "lógica'' jurídica.
Além da persistência, não se espante se a decepção com o curso te imprimir fortes desejos de abandoná-lo. Se o desejo for forte e você sentir que nada daquilo é o que você quer fazer na sua vida, então meu conselho é que tente esperar o que puder para ao menos cursar o segundo período da faculdade, que tem um perfil mais "técnico'' e menos filosófico. Se ainda assim você "não curtir'' nem minimamente a ideia do curso, então bata asas. O que importa é se sentir realizado ou ao menos ter essa expectativa. Mas se seu problema é a tensão, a pressão e o nervosismo (e isso acontece bastante nos cursos de direito) de forma que você até se sente depressivo(a) por ter que estudar tanta matéria, não se espante: isso mostra que você se cobra demais, é perfeccionista e precisa de auxílio; não tente vencer a sensação de desespero diante dos estudos sozinho(a). Procure os amigos, peça ajuda, converse com seus pais, fale com um aluno mais velho e tente se organizar, mas acima de tudo lembre que estresse acadêmico algum vale a sua saúde e seu bem estar. Durma bem, se alimente bem, estude o que puder e, por favor, não se espante com eventuais "notas'' baixas. Passamos do momento em que uma nota representa alguma coisa na sua vida. Agora, importa apenas o que você estuda, e sempre evite estar se comparando aos colegas no que diz respeito às notas - isso é coisa de menino pequeno, sim!
Ah, tem outra questão. Direito é conhecido por ser um curso mais fácil - em tese! - que os demais, mas não é. É muito complexo, como você mesmo descobrirá, mas tem facilidades que os outros não possuem. Por isso, vença outro problema típico do estudante de direito: a preguiça. Não é por que os resumos abundam por aí que você vai deixar de estudar. Pense bem: ora, direito é um conhecimento complexo, tão complexo quanto engenharia ou economia. Você já ouviu falar de algum estudante de engenharia ou medicina estudando por "resumos'', livros esquematizados ou "manuais descomplicados''? Não, né? Então tente fazer a mesma coisa estudando o direito. Estude pra valer, sem preguiça, sem optar pelo material "mais fácil'', por que a consequência é que esse conhecimento fácil vá pelo ralo depois da prova e não te agregue em nada.
Ah, tem outra questão. Direito é conhecido por ser um curso mais fácil - em tese! - que os demais, mas não é. É muito complexo, como você mesmo descobrirá, mas tem facilidades que os outros não possuem. Por isso, vença outro problema típico do estudante de direito: a preguiça. Não é por que os resumos abundam por aí que você vai deixar de estudar. Pense bem: ora, direito é um conhecimento complexo, tão complexo quanto engenharia ou economia. Você já ouviu falar de algum estudante de engenharia ou medicina estudando por "resumos'', livros esquematizados ou "manuais descomplicados''? Não, né? Então tente fazer a mesma coisa estudando o direito. Estude pra valer, sem preguiça, sem optar pelo material "mais fácil'', por que a consequência é que esse conhecimento fácil vá pelo ralo depois da prova e não te agregue em nada.
No fim do primeiro período, achamos que sabemos alguma coisa de direito. Já nos aventuramos a dar pareceres, a socorrer parentes que nos procuram com aquele pedido clássico ("tu pode dar uma olhada no meu processo?''), a discorrer em textões ou textinhos sobre os temas jurídicos da moda e até a dar uma olhada naquele terno/blaser expostos naquela loja chique do shopping. Mas pare um pouco agora. Não, você ainda não é um jurista! Está muito longe! Calce as sandálias da humildade... por que o curso de direito, do primeiro para o segundo período, muda completamente, e continua mais ou menos assim até o fim.
É sobre essa mudança radical de paradigmas que vamos tratar no próximo texto. Este aqui foi a "ilusão'', onde apresentamos todas as expectativas ilusórias do universitário de direito e tentamos "quebrá-las''. Infelizmente, elas se reconstroem em períodos posteriores, mas a experiência negativa da desilusão pode levar a um mal crescente e de efeitos devastadores: a crise da metade do curso.
E ela será nosso próximo tema!
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