segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A renúncia de Bento XVI: uma nova esperança


A renúncia de Sua Santidade surpreendeu o mundo. Mas, já há alguns anos, esse gesto se fazia necessário, e o próprio Papa justificou o porque. O mundo atual, marcado pelas rápidas mudanças, exige um Papa dinâmico, jovem, um verdadeiro guerreiro, para dar combate à destruição da moral, ao materialismo e ao relativismo filosófico-espiritual, sem, contudo, perder o contato com outras religiões. 

A história ensinou que a renúncia de um Papa só se deu, até hoje, por meio da coerção. Em 1415, Gregório XII renunciou à cátedra de Pedro pela ameaça das armas, quando a Igreja vivia os derradeiros momentos do Grande Cisma do Ocidente, onde três papas, por quase 40 anos, brigaram pelo comando da Igreja, manipulados pelo Reino da França e Sacro-império, que os usavam para travar sua disputa pelo poder na geopolítica europeia da época. O fim dessa luta, que só foi possível pela renúncia de Gregório, foi a forja de um frágil equilíbrio no continente, já que os dois reinos estavam dilacerados pela guerra e necessitavam de uma autoridade moral forte que pudese coibir os abusos da época: a da Igreja.
O declínio de Bento XVI, contudo, é um gesto corajoso, sublime, de um homem que, humildemente, anuncia que não pode mais carregar o manto de chumbo da batina de Pedro, demonstrando assim toda sua capacidade de liderança e estratégia. Apesar de conservador, Sua Santidade, acima disso, é um filósofo: sempre aberto a questionamentos, a partir de uma metodologia racional, no melhor estilo tomista. Soube dar novo relevo a certas questões morais, como a do uso das camisinhas (que, a depender do contexto, pode ser um ato edificador da moral ou não), e puniu com rigor os padres supostamente pedófilos. O que esperar a seguir? Existem dois tipos de expectativa.

Os mais místicos ficaram assombrados com a renúncia de Bento XVI. Isso porque, segundo as profecias de São Malaquias (que não costumam errar!) sobre os papas (onde cada um teria um lema, que, historicamente, realmente coincidem com as características pessoais dos pontíficies que desiganam), o próximo pontífice será o último a reinar na Igreja. "Pedro, o romano'', seria seu nome. Roma, e a Igreja, seriam destruídas, após uma grande perseguição, que culminaria com a segunda vinda de Cristo. Superstição, com a devida vênia àqueles que nelas creem.

O mais realistas esperam um papa carismático, mais próximo da América Latina e dos demais continentes subdesenvolvidos ( a África é o lugar onde o catolicismo mais cresce), capaz de efetuar viagens aos quatro cantos do globo; a expectativa, na área política, é como será a posição do Vaticano em relação à atual desagregação da União Europeia. Uma união política no velho continente poderia tanto difundir a fé católica, embasando uma possível reconcialiação com as Igrejas protestantes (a Anglicana se mostra propícia a isso, pelo menos) quanto relegá-la ao passado como símbolo retrógrado da anterior divisão da Europa. Teria uma tendência em apoiar posturas sociais mais progressivas, sem, contudo, fazer muitas concessões na seara moral. Mas a porta do diálogo estaria aberta.

De toda forma, a luta pelo poder, no Vaticano, já começou desde 2005. Os conservadores estão ganhando, mas a época atual exige ao menos um papa moderado, se não da ala progressista; os brasileiros não tem muita chance, porque são idosos demais (75-79 anos), a exceção de D. Odilo Scherer, que mesmo assim não é lá muito carismático. Lhe falta personalidade para envergar o pálio branco. Como a renúncia não era esperada, o jogo muda completamente. 

É muito cedo para afirmar que a renúncia de Bento XVI é uma derrota para os conservadores.

Esperemos que, seja quem for o novo Papa, possam-se realizar as urgentes reformas que a instituição necessita, descentralizando-a mais, instituindo uma transparêcia maior, recuperando o diálogo perdido com os mais pobres, abrindo mão da riqueza e da pompa, além da aliança com certos setores políticos ultraconservadores. Que a Igreja deixe a "hierarquia'', o sagrado poder, para o passado, quando era realmente necessária, e retome o sentido da "hierodulia'', o sagrado serviço (Boff pode ter muitos defeitos e falhas teóricas, mas essa sua constatação é muito válida); e que mantenha uma base moral sólida, uma luz neste mundo dominado pelas trevas do relativismo, onde a dignidade humana é cada vez mais pisoteada. Como Bento XVI corajosamente fez, a Igreja, em uníssono, precisa condenar o atual capitalismo e trabalhar para sua superação. Mais uma vez, como em 1415, o mundo está numa guerra, mas dessa vez, na seara moral, onde uns poucos (a mídia, os detentores do capital e os novos políticos) tentam destruir quaisquer verdades absolutas e universais para impor, no lugar delas, os dogmas do relativismo, que apenas legitimam o domínio de um sistema opressor e a falta de compromissos morais que dele resultam (ora, eu lucro com o trabalho alheio, mas não tenho nenhuma responsabilidade pelos outros...): a renúncia de Sua Santidade, como no Grande Cisma do Ocidente, pode ser o primeiro passo para a paz espiritual tão arduamente desejada pelas bilhões de almas, que anseiam pelo pastoreio sereno, mas ardente, de um novo sucessor de Pedro, humilde, afetuoso, sensível as demandas do povo, que caminhe entre eles não como o maior de todos, mas como o servo de todos.

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