No meio das sombras que crescem atualmente do ponto de vista ideológico, espiritual e político, um tipo particular de patologia psicossocial vem crescendo, contaminando um sem-número de vítimas numa onda de pseudo-racionalidade, falsa auto-ajuda egocêntrica e obsessão com a quebra de regras por meio de um apelativo chamado à "liberdade'' a custo zero.
Não gostaria de iniciar falando sobre as consequências nefastas que pensadores niilistas, existencialistas e pós-existencialistas tiveram sobre, principalmente, as juventudes dos últimos 50 anos. Basta dizer que a "condenação à liberdade'' e a radical redução da realidade/moral/consciência ao indivíduo e seus vícios e desejos foi o rompimento do ovo da serpente dessa "onda''.
"Onda'' multicolorida, obviamente líquida e de baixa densidade. Multicolorida, porque mistura um pouquinho de tudo o que é "moderno, pós-moderno, transgressor''; líquida, porque se adapta a qualquer loucura que o indivíduo defenda e a transforma em bandeira inatacável; de baixa densidade, porque se baseia em aforismos, enunciados prontos do senso comum progressista e frases e ideias de golpe feito, com o fim de impressionar e doutrinar pela enxurrada de compartilhamentos a la modinha.
Nesse cenário, pessoas tristes e desiludidas são facilmente atraídas pelo discurso do egoísmo libertário. Se você não teve uma infância boa, como as crianças da TV tiveram, a válvula de escape perfeita é rejeitar tudo o que te ensinaram, bem como noções básicas de moralidade e comprometimento, para ligar o botão do "foda-se'' para tudo e para todos. Afinal, você é uma criatura "em evolução'' e as coisas, valores e até pessoas que não acompanharem sua evolução (a satisfação dos seus desejos) estão prontamente disponíveis para serem atiradas na lata de lixo mais próxima.
É, você não pode sofrer por ninguém que seja obstáculo ao seu "autoconhecimento'' e a sua busca por iluminação no lugar mais escuro de todos, dentro de si mesmo. Lá estão seus desejos inconscientes e conscientes, e aí de quem te disser "ei, vai com calma!''. Acima de tudo, o seu próprio nariz.
O problema é que as pessoas que pensam assim, jogando tudo para o alto em busca de uma "evolução'' e de uma liberdade ilusórias, encontram de tudo, menos liberdade e, decididamente, evolução.
Fugindo do lugar comum: você não caiu do céu! Para que você esteja aqui, hoje, lendo esse texto (ou não), centenas ou milhares de pessoas, desde seus ancestrais mais remotos aos mais recentes, bem como amigos ou simplesmente pessoas caridosas, trabalharam de alguma forma, se sacrificaram e sonharam com algo melhor para você. E elas fizeram isso acreditando em valores básicos como solidariedade, amor e sacrifício pelo próximo.
Até mesmo os erros delas, as vezes, te ajudaram. Ter um pai alcoólatra me ensinou a importância de moderar os excessos e de não convir para que ninguém caia nesse vício abominável. O trauma não fez uma ferida, mas uma cicatriz que me deixou mais forte. E aí é que está a grande falha do "preciso evoluir de forma livre e desapegar de tudo'': é tudo uma grande desculpa para fugir dos desafios e problemas que a vida nos apresenta, manifestando imenso medo e covardia em enfrentar as barreiras que se apresentam.
Tem problemas? Todos tem. Tire o melhor deles. A fuga só vai te impedir de ser verdadeiramente grande.
Não gosta da sua mãe? Trabalhe, saia de casa e dê o dedo para ela, que te criou, te alimentou e cuidou de você nas suas doenças. Detesta seu trabalho? Chegue atrasado, "seja mais você'', deixe a carga de trabalho se acumular nos ombros dos seus colegas. Acha merece alguém "melhor'' no seu coração? Jogue fora quem te impede de ser livre para ser usado como um objeto por gente escrota, e parta dois corações, o seu e o de quem já te amou. Cara, deixa de ser covarde: jogue com as cartas que Deus te deu! Cuide das pessoas que Ele pôs na sua vida! Quer evoluir rápido ou evoluir da forma certa?
Eu entendo o vislumbre que a promessa de realização pessoal e independência total que a ideologia do "desapego-de-tudo-e-eu-sou-mais-eu'' provoca. Pessoas de baixa autoestima preferem se iludir com a falsa meta de que, ao jogar tudo para o alto e viveram para si mesmas, sem qualquer limite moral, ético ou qualquer responsabilidade com as pessoas próximas, finalmente se realizarão. Esse vai ser justamente o momento que vão perceber que falharam miseravelmente.
Sem querer entrar em qualquer argumento religioso, mas uma metáfora, nesse sentido, cai bem: ninguém chega ao céu sozinho. Cada pessoa, cada valor, cada coisa que entra no seu caminho cumpre uma finalidade na sua verdadeira evolução, a única que importa: a de aprender que a felicidade está fora, e não dentro, de nós. São as pessoas, são as ideias, são os valores, que fazem a vida fazer sentido, que dão gosto às nossas ações, que dão um caráter finalístico à nossa existência. Sim, você não evolui por evoluir, nem evolui para si mesmo; você evolui para ser útil para alguém, poxa! Ao irradiar felicidade e amor, você recebe muito mais de volta!
Vem cá: tu consomes vários litros de água e vários quilos de comida por semana. Respiras dez mil litros de oxigênio por dia. Pra acender uma lâmpada, acionas uma indústria geradora enorme e complexa, que somente existe graças a séculos de trabalho de gênios como Galileu, Newton, Tesla e Edison. É sério que você acha que não deve cooperar, nem um pouquinho, com tudo o que te cerca? Não escolha agir como o reizinho do primeiro mundo visitado pelo Pequeno Príncipe. A única coisa que vai conseguir é, se conseguir algum sucesso, olhar para os lados e não ver nada além do vazio que existe dentro de você mesmo.
Não fugir dos problemas é um primeiro passo. A maturidade, mais do que fazer suas próprias escolhas, é fazê-las de forma responsável. Esqueça a balela de autoconhecimento, iluminação, frases de Clarice Lispector ou de Osho (quem?); a paz interior não se alcança mandando o mundo se lascar e viver em um estado semi-sonâmbulo. Sair descartando "quem te incomoda'', rasgar valores e ideias que fazem sua consciência pesar (por que não mentir? Por que não trair? Por que não falar mal de um amigo para conseguir o emprego dele?), jogar tudo para o alto por que é mais confortável não vai fazer a dor passar. Enfrentar o problema e resolvê-lo sem machucar as pessoas ou rasgar noções elementares de ética e moral, sim.
Não é fácil optar por respeitar o que herdamos nem a vida que temos. Isso não se significa, jamais, conformismo. Significa que você vai sim subir, mudar, se transformar, mas conservando um núcleo duro que realmente faz de você, você: a imensa e rica herança de valores, vivências, pessoas e sentimentos que você recebeu e viveu. Cultivar o sucesso a partir delas, como os grandes conquistadores e líderes do mundo fizeram, deve ser a sua meta - e não se livrar de tudo para viver uma vida alienada, iludida e desenfreada.
Sabe de uma coisa? Escutar os outros e respeitar o que herdamos tem um sentido muito lógico. Dois acertam onde um erram, sabe? Trabalho coletivo vence um individual. Ninguém basta a si mesmo! Seus pais e avós te deixaram um "know-how'' (que tal um arquivo?) de experiências e valores. Eles viveram mais que você, acertaram e erraram mais. Calçai as sandálias da humildade, pegue a construção de onde eles pararam e, com as mesmas massa e tijolos, continue. O que você acha que te atrasa te fortalece: não seja um pequeno ditador para impor ao mundo seu tempo e suas crenças de momento. Você não vai fazer o mundo girar mais rápido. Ah, mas se souber como usar o tempo do mundo para navegar pelas correntes da vida... o quão longe pode ir! E, quer saber, quando chegar à uma linda praia de água cristalina, não vai estar sozinho lá.
Enfim, liberdade é, dentre todos os caminhos, escolher o certo. O que define o caminho certo? Acredite, você vai saber. Na hora certa, as coisas vão se encaixar, sem que você precise atirar ninguém ou nada importante na lata do lixo; as cargas essenciais te tornam forte. Viva sem pressa. Pare de achar que precisa vencer para aparecer. Como liberdade é responder pelos próprios atos, vencer é chegar ao fim da vida tendo feito algo de útil para o mundo e para quem amamos e, assim, para nós mesmos.
A luz vem de fora.
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