Há seis anos tive que me mudar para o Recife, vindo do interior. Até então, diante do turbilhão de "coisas'' novas, fui apresentado ao "brega''.
O que seria "brega''? Mais que um "ritmo'', é uma manifestação cultural que vem evoluindo há décadas. Conheci mais de perto, por ironia, quando fui internado em um hospital para tratamento por alguns meses - atrás desse hospital havia uma comunidade onde os "sons'' eram ouvidos quase todos os dias.
O primeiro que ouvi foi esse "hit'' da Banda Nova Reação:
Difícil explicar. Talvez a falta de "boas'' opções musicais tenha me feito sentir falta dessa música, quando tive alta e voltei para casa. Na verdade, procurei por muito tempo pela música na internet e fui apresentado ao mundo dos ritmos contagiantes, letras que evocavam tristes paixões passadas e danças "do joelho para cima''.
E aí já era. O brega me pegou de jeito, entrou no sangue e na alma - e, sim, uma festa nunca é boa sem um bom brega. Eu era conhecido, especialmente, por ter um celular munido de uma playlist "impecável'' e tão apropriada para qualquer festa quanto um o zelador do seu prédio para qualquer conserto doméstico.
Bem, depois de muitos sarra-sarras, calouradas e breguinhas de periferia, eu meio que já ouvia brega todos os dias. Geralmente era o meio se sentir na pele o que estava lá dentro, e quem já passou deve perceber que esses sentimentos se referem às paixões mal-resolvidas e bem resolvidas. E aí veio outro sucesso que me marcou:
A música fala em superar um velho amor com um novo. Quem nunca?
Mas, como tudo na vida, veio a renovação. Era a época dos mega-sucessos de bandas como Kitara, Musa do Calypso, Torpedo e, fechando a excelente geração, Banda Sedutora. A pegada dessas bandas foi bolar sequências épicas e arranjos que te contagiavam com o sentimento das músicas, muito voltado para as coisas do coração; um grande amigo disse que era a "guitarra libidinosa'' o diferencial. Sim, quando mais bêbado você tivesse, mais força a música tinha sobre você.
E os dramas do coração continuam, principalmente quando a separação até ocorria, mas o amor nunca acabava:
O que seria do novo brega sem os famosos "MCs''? Sabe, a maioria deles é de garotos pobres, que explodiram com algum sucesso grudento e coreográfico. O mais famoso - e pioneiro - é o MC Sheldon, cuja vida atribulada inspira muitos garotos da periferia e embala os bailes de brega nos morros ainda hoje. Quem não lembra do verão de 2013, quando o rapaz dos Coelhos (bairro do Recife) estourou de vez celebrando "olha o verão hein?''?
Na esteira de Sheldon, vieram os MCs Boco (que fazia dupla com Sheldon), Metal e Cego e, mais recentemente, a estrela do momento, MC Troia, o popular "Troinha'', diretamente do Alto José do Pinho.
O balanço do MC Troia vem conquistando o mundo (literalmente!). Pessoalmente, eu penso que houve meio que uma trajetória de decadência do brega, onde aquelas músicas mais profundas e sentimentais foram substituídas, paulatinamente, por produções mais voltadas às coreografias e alusões sexuais - e um pouco "grosseiras''. Essa tendência sexualizante, justiça seja feita no entanto, já é antiga, como a famosa música "Milkshake'' - polêmica na época em que foi lançada - estourou lá nos anos 2000:
É, você pode ser promíscuo sem apelar à safadeza rasteira (mas quem disse que isso é sempre bom?). Quando se joga essa música no finalzinho de uma festa, esteja pronto para ter ótimas lembranças. Aliás, falando em lembranças, como falar em brega sem falar "nele''? Temos um astro ao redor do qual todos os sucessos do brega orbitam, o pioneiro que inaugurou letras, ritmos, danças e buscou inspiração na música do Caribe e a fundiu com as tradições daqui. Claro, foi Kelvis Duran!
Impossível achar quem tenha mais de 25 anos e não tenha pelo menos uma história com essa música. Só a abertura já dá vontade de dançar, os primeiros 50 segundos já fazem subir aquela vontade de tomar uma cachacinha e o final... bem, só escutando!
Pra fechar qualquer festa, havia a música perfeita, por que a maioria delas acabava lá pelas cinco da manhã e voar em pensamento nessa época era mais comum do que hoje!
Ah, e para fechar, é verdade que Kelvis Duran foi o precursor de como o brega é hoje, mas se houve um "precursor do precursor'' foi Reginaldo Rossi. Sim, o cara arrebentava, bicho. Cantou o Recife como ninguém, mas sua limitação mais óbvia era que suas músicas praticamente se reduziam aos aspectos ruins das relações amorosas rompidas...
É, as vezes em que eu cantei "Em plena lua de mel'' ou "leviana'' imaginando a cara da figura objeto do recalque, dor de cotovelo ou simples saudades mal-resolvidas não estão no gibi. E metade do Recife também!
Quando olho para trás e percebo o quanto eu vivi em músicas de brega, penso o quanto valeu a pena. O brega é a expressão cultural de um povo sofrido, mas que sabe se divertir, e cujas vivências e desilusões estão nos acordes. A vida é curta e temos que curtir no embalo de um brega enquanto temos tempo, sejam as alegrias ou as tristezas, por que logo será novamente a hora de levantar cedo para garantir o pão de cada dia.
E ajuda muito quando o motorista do ônibus deixa tocar aquele breguinha, não é?
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