O que é a santidade? Há pouco tempo, pensava eu que "santidade'' era uma característica inatingível portada por homens e mulheres esculpidos em pedra que decoram as Igrejas. Pessoas que eram muito diferentes das quais se encontra habitualmente: modelos de perfeição moral, marcados pela dor e sofrimento em renegar ao mundo para servir a Deus. O sacrifício por eles feito, assim, me estranhava e até mesmo assustava; pareciam eles tão distantes de serem alcançados quanto as estrelas dos céus; totalmente inumanos, pois negavam, com suas renúncias, ao que me parecia mais natural ao ser humano.
Essa mácula de tristeza, seriedade, pudor e abstracionismo, descobri, não passa de pura invenção ou estereotipação que é imposta pelo senso comum. A santidade não é algo que está além do homem, mas, sim, é intra omnes: ser santo é seguir a própria e verdadeira natureza humana. Não a fisiológica, mas a espiritual, a de amar sem medidas, tal como Deus, e por isso se entende doar todo seu ser em prol do próximo. E, longe de serem pessoas tristes e infelizes, os verdadeiros santos são poços eternos de alegria e felicidade, por que encontraram a fonte do amor na doação. O único sacrifício que fizeram foi o dos seus próprios interesses e vontades mesquinhas em prol dos demais seres vivos. Amaram, como Deus amou, até o fim de suas forças e, ao perder sua vida, acabaram por ganhar uma nova, eterna. A maioria desses santos, contudo, não são venerados nas Igrejas.


É nesse ponto da justiça que existe uma falsa dicotomia entre santos e pecadores, como se as duas esferas não pudessem se tocar. A verdade é que todo santo tem seus pecados e todo pecador suas santidades. Contudo, em determinado momento da vida, o santo escolheu superar seus pecados em nome de um bem maior, enquanto que o pecador foi incapaz disso, negando assim sua natureza e condenando a si mesmo à tristeza e morte. O inferno, assim é uma criação da humanidade, e está aqui, ao nosso redor, disfarçado de paraíso material. O custo de nossos prazeres consumeiristas é a miséria de mais da metade do mundo, fome, doenças alastradas, trabalho infantil, condições espúrias que aceitamos para ter um celular ou um carro da moda. O inferno é a destruição das vidas de tantas pessoas, seja pela pobreza seja pela depressão, por um sistema econômico e cultural corrupto, assassino auto-proclamado divino e inquestionável. É o "príncipe deste mundo'' que antes era o império romano e hoje é o capitalismo todo-poderoso, absolutizado; é com ele que não podemos coadunar. Não é possível servir a dois senhores, da mesma forma que não podemos alimentar o capitalismo consumeirista e suas terríveis consequências e ao mesmo tempo portar-nos como servos de Deus. Quantos mais pobres e famintos teremos que sacrificar nos altares dedicados aos novos césares?
Curioso é notar que esse sistema utiliza-se do cristianismo, muitas vezes, como ferramenta de consolo provisório, verdadeira ideologia de auto-ajuda que acaba por renegar a essência do próprio cristianismo. A auto-ajuda é um ode ao egoísmo: um monte de palavras escritas em um livro me ajudarão a ficar em paz, por pouco tempo; eu "me ajudo''. A salvação e a paz do cristianismo levam o homem além dele mesmo: é ao ajudar o próximo que evoluo, e é Deus, não eu mesmo, quem pode me conduzir nesse caminho. E esse é o caminho da santidade, e fora dele não há felicidade possível. Todas as outras formas de felicidade são degenerações desta em especial, por que invertem os polos básicos da felicidade oriunda da doação ao próximo: a pseudo-felicidade é uma forma de auto-adoração, de satisfação consigo mesmo, não com os outros ou com Deus. É uma auto-enganação.

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