"Recordo-me que um certo filósofo falava no poder quase que cabalístico das palavras; o velho Heráclito. Palavras podem conduzir as consciências dos leitores rumo à viagens incríveis, reflexões inesquecíveis, sensações poderosas, situações irrepetíveis. Contudo, há pelo menos um elemento, um sentimento, uma força cuja mágica das palavras pouco pode alcançar: seria como descrever o que é o vento e como sabemos que, apesar de não o vermos, ele existe e tem tanto o potencial de nos refrescar numa tarde quente quanto de arrasar cidades inteiras.
Pois nada melhor que o vento para descrever o amor, seja o que se entender por essa velha palavra latina, amore. O vento é uma força da natureza que que a tudo pode envolver, que está aqui e ali, geralmente suave e acalentador, mas por vezes forte e destrutivo. E, como toda força, tem uma direção definida, e atravessa tudo no caminho, de maneira lenta ou arrebatadora, para chegar a esse destino. Assim é o afetado pelo milenar mal do amor.
No fundo, talvez exista algo mais em comum entre o vento e amor. O fato de que ambos só podem ser considerados existentes quando uma vez sentidos à flor da pele; para saber-se o que é, só sentindo. Isso significa que o amor será somente uma fábula infantil para aquele que nunca sentiu-o percorrer todos os rincões de seu corpo, amolecer suas pernas, revirar seu intestino, fazer ribombar seu peito, arder seus olhos e levá-los às lágrimas... e, ainda como o vento, o amor age esculpindo na pessoa que toma um novo ser. Um novo ser, que sentirá algo novo.
Outro filósofo, Nietzsche, dizia que o sentimento, a paixão, a vontade, é aquilo que mais se aproxima de uma "essência'' humana. Um sentimento, dizia, voltado para a construção e destruição de padrões morais, políticos e culturais; com o amor, o eterno retorno ao nada, com a sempre triunfal ascensão da destruição criativa sobre tudo, sofre uma parada brusca. O amor apenas destrói o que havia antes e edifica, em seu lugar, algo que comunga da perenidade dos sentimentos e crenças sempre presentes em quaisquer sociedades humanas. O que se destrói é uma velha pessoa para que uma nova tome lugar no trono dos imortais, posto na assembleia daqueles que, um dia, amaram com todo seu ser a um semelhante. O caminho da imortalidade da alma é a comunhão com princípios e valores elevados, e no topo da hierarquia dos valores, está o amor. Ele é o fim da existência do homem e, por que não dizer, a porta estreita que, tal como um anel, conduz o ser amante à própria fonte do amor: Deus.

E as palavras... para os apaixonados, são cabalísticas. Entretanto, muito cuidado com as palavras: a paixão não descreve o amor. Não há sinômia necessária entre um e outro. A paixão é uma emoção longa e continuada, quase uma obsessão de cunho quase sempre erótico que, como uma chama de fogueira, tende a se extinguir quando cessa o desejo. O amor, por sua vez, não cessa nem com a morte ou a velhice. Voltando-se ao ponto de partida: as palavras apaixonadas estão dentre aqueles que possuem maior potencial cabalístico. A magia de se ouvir um "eu te amo'' sincero pode mover montanhas mais facilmente que o "fogo!'' proferido por um general que ordena um bombardeio sobre uma cadeira de montanhas. A magia que existe nas palavras de amor são como que a própria extensão da alma apaixonada que busca adentrar à alma amada através de seus ouvidos...
Por fim, mágica maior não pode existir no amor que não sua unidade. E uma unidade, contudo, que tal como o branco é a mistura de todas as cores do arco-íris, pressupõe uma reunião entre várias dimensões do amor. Lewis, famoso escritor, elencou quatro tipos de amores, que, como degraus de uma escada, vão dos mais comuns e menos puros aos mais elevados: dizia ele que a afeição (familiar), a amizade, o Eros (amor de cunho sexual/marital) e a caridade (amor divino e incondicional) são várias dimensões de um mesmo sentimento que tem como fonte e finalidade Deus. Se o amor conduz à caridade, ao espelhamento do amor divino, é um amor real que opera mudanças positivas naquele que ama; quando se distorce em egoísmo, endeusando-se, torna-se a negação do amor, como comumente ocorre com Eros. Arrisco-me a dizer que, em relação ao último, só há chance de ter-se amor real se o Eros for a união entre todos os outros amores. Só assim se tornará independente da reciprocidade, pois a amizade traz o companheirismo, a afeição a profunda ligação dos parentes e a caridade a incondicionalidade elevada própria do amor divino.

José Luís Barreto
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