sábado, 12 de outubro de 2013

Análise de perfil - Eduardo Campos


Praticamente desconhecido das massas, embora seu nome esteja na boca e na mente de todos os políticos e jornalistas do país nos últimos dias, o homem mais poderoso de Pernambuco é uma personalidade enigmática, fascinante e, por isso mesmo, perturbadora. Embora alguns, ainda apegados aos velhos esquemas metodológicos do objetivismo materialista, digam que é empobrecedor, para uma análise política, o exame de elementos psicológicos e subjetivos das grandes personalidades da política, aqui consideramos que o próprio mundo é uma colcha de retalhos formado por extensões e assimilações de consciências individuais e coletivas. O "Eu'' de Eduardo Campos constrói parte da realidade regional e nacional, e, mais que isso, as impressões que essa subjetividade tão complexa deixam nas mentes das pessoas são uma peça fundamental na compreensão do novo fenômeno político do século XXI no Brasil: a ascensão do pragmatismo maquiavelista.

Para a análise do homem político, moral e psíquico por trás de seus olhos de bichano, farei uso de sua última entrevista, concedida à Revista Época.


"ÉPOCA – O professor ganha mal no Brasil?Campos – Ganha mal. Acumulou-se a gestão malfeita no passado, e muitos lugares ficaram condenados a remunerar mal. Se houver diálogo com os professores, e se houver disposição, construiremos uma travessia de resgate de autoestima, fundamental para o resultado no aprendizado. Se o professorado ficar deprimido, não haverá resultado.'' 

Diante de muitos trechos importantes, este em especial me chamou atenção pela superficialidade extrema. De primeiro, a pergunta tinha uma resposta óbvia e tão pronta em si mesma que Campos sequer forçou muito a mente para mudar o raciocínio já presente no questionário: "ganha mal...'' revela a pouca capacidade do governador em ir além do que lhe foi dado e construir respostas e raciocínios mais inovadores. Isso casa perfeitamente com a ideia que me salta à cabeça quando ouço Eduardo falar em público, onde o homem aparentemente decorou um discurso e se esforça, visivelmente, para não ir muito além dele. Esse não é um problema só de Eduardo, mas de muitas pessoas, que tiveram uma educação baseada no velho método jesuíta-positivista de "decorar'' verdades essencialistas presentes nos livros do saber, o que muitas vezes macula e atrofia a capacidade crítica e discursiva; o problema dos pragmáticos é que eles são pouco críticos, pois a cegueira em seguir metas e preservar alianças mata qualquer questionamento que possam ter. Outra característica negativa, presente dessa vez em 99% dos gestores públicos do país, é jogar a culpa dos problemas do presente nos administradores do passado (no caso, o "administrador passado'', Jarbas, é um aliado de Campos hoje...): quando perguntando do problema, Eduardo sabe que, em seu Estado, os professores ainda ganham o pior salário do país. 

A saída é a mais óbvia para um político, ou seja, por a culpa em outro político. Lavando as mãos, diz que a "herança maldita'' impede os aumentos salariais dos educadores... depois, fala em diálogo, algo que pouco cumpriu em sua gestão. Não realizou concursos estaduais para educadores e pouco mais fez que adotar um sistema de bonificação para "premiar'' o mérito dos educadores mais competentes, e tem o sangue-frio o bastante para dizer que a solução para a educação passa por algo que não fez quando teve a chance. E, claro, um grand finale emotivo, tal como o cordialismo brasileiro exige: a crônica do "professor deprimido'', que deve ter sua auto-estima recuperada. Para o eleitor miúdo, uma declaração assim desce bem, mas os mais instruídos torcem o nariz para emotivismos. Como elevar a estima dos educadores? Salários mais altos? Equipamentos? Salas menores? Eduardo a isso ignora e, contrariando seu característico pragmatismo, deixa de apresentar metas claras para a Educação. E não apresenta por que não tem, e quem não tem projeto a apresentar em determinada área apela para a emoção, com o fim de disfarçar o próprio despreparo ou indiferença para com a área omitida...

Enfim, pouco crítico, utilizando-se de artifícios emotivistas para disfarçar sua indiferença quanto à educação, relativamente "preso'' a um discurso pronto e "dado''. Um homem que quer cumprir metas, mas não se questiona ou tem capacidade pra raciocinar além do que foi "dado'' pelo senso-comum pouco pode fazer para transformar um país.



"ÉPOCA – O senhor usa o sistema de saúde pública?
Campos – Já tive experiência de ser atendido em emergência. Já como governador, tive um processo alérgico, estava próximo de um hospital público, e fui lá. Mas tenho seguro-saúde, o mesmo há 20 anos.''


A pergunta foi um ataque frontal do entrevistador, que deve ter dados sobre o caos da saúde pública em Pernambuco. Eduardo mais uma vez foi astuto: como obviamente tem dinheiro suficiente para ter um ótimo plano de saúde (por que só um excelente plano de saúde dura 20 anos no Brasil, sem ser fechado por ordem judicial ou cair em descrédito), optou por dizer como que "olha, eu tenho um Plano de saúde f$#%&@$o, mas o sistema público funciona bem o suficiente pra atender até pessoas como eu, que não precisam, quando necessário. Eu fui e estou vivo; quanto mais quem precisa!''. O argumento reverso foi relativamente bem posto, mas traz suas incoerências. Ora, sabemos que as emergências de hospitais públicos são super-lotadas. Imagine agora que, em meio a centenas de pessoas que chegaram há horas, o governador é trazido em uma maca, em processo alérgico. O que você acha que aconteceu? Que ele esperou, como qualquer cidadão, ou foi prontamente atendido, para indignação dos pobres que ali esperavam horas, em lenta agonia? Isso só denuncia, ainda mais, a imensa desigualdade social que separa Eduardo, milionário, do povo que ele diz representar, miserável.





"ÉPOCA – Qual sua opinião sobre as privatizações, no governo FHC e no governo Dilma? Como trataria a questão?
Campos – Não tenho preconceito com iniciativa privada, nem com Parcerias Público-Privadas, concessões. Não temos no orçamento fiscal brasileiro a capacidade de alavancar os investimentos, como a realidade exige. Temos de chamar a parceria da iniciativa privada. E ela não fará por filantropia uma rodovia, um porto, um aeroporto, uma linha de metrô. Fará para ganhar dinheiro. Precisamos garantir um ambiente que passe confiança e nos ajude a ter investimentos em áreas que melhorem a qualidade de vida e a produtividade da economia.''


Campos aqui se anima mais um pouco. Aqui, critica seus adversários petistas, ao afirmar que "não tem preconceito'' com o empresariado. A verdade é que político algum tem; afinal, alguém tende financiar as campanhas, não é?  Pelo menos, dá a entender, Campos não tem medo de dizer que quer proporcionar doces lucros aos empresários, e, de quebra, resolver os problemas de investimento do país, que estão alarmantes (o governo investe 7% do que arrecada... convenhamos, o PT atualmente é o maior "aliado'' de Campos!). Se apresenta o neto de Arraes aqui como o fiador de um novo pacto entre a poderosa e assustada iniciativa privada e o Estado brasileiro, resolvendo os problemas de hostilidade mútua e, por sua vez, toda solução se baseia na "confiança''. Mais emotivismo? Não exatamente. Um empresário não "confia'' no governo por este ser de direita (FHC adorava praticar calotagens até com seus queridos bancos...), mas por este estar disposto a tudo para honrar os pactos celebrados. Em suma, ele confia no governo se este lhe proporcionar grandes e continuados lucros, de maneira estável. E é isso que Eduardo oferece, ainda mais com um plus para os empresários: "vamos chamar vocês a investirem, mas vamos arcar com boa parte, para vocês terem estradas, portos e aeroportos pra diminuir seus custos, e abrir duas torneiras de dinheiro ao mesmo tempo''. Eduardo é o homem de confiança dos empresários, apesar de ser nominalmente socialista. Sem preconceitos, que se dane as ideologias e a coerência, vamos lucrar!



"ÉPOCA – O Brasil sofre com a armadilha de crescimento baixo. Da nossa riqueza, 40% vão para a máquina estatal. O que fazer?
Campos – O fundamental é desenhar o caminho estratégico. Teremos uma caminhada de uma década. Nessa caminhada, ajustaremos distorções que existem e compatibilizaremos as políticas fiscais e econômicas, num caminho em que passaremos confiança aos agentes econômicos. Há no Brasil mais uma crise de confiança do que uma crise econômica. Os fundamentos econômicos poderiam estar melhores? Sim, mas já estiveram piores. O importante é passar para a sociedade com clareza que há um projeto discutido, de longo prazo, que juntará boas ideias e boas pessoas. Isso conquista a primeira batalha: a batalha da confiança.''


Veja que Eduardo não fala exatamente em como resolverá o problema dos "voos da galinha'' do rendimento do PIB brasileiro. Estratégia, planejamento, longo prazo, fundamentos: tudo isso fortalece a palavra-chave do discurso eduardista. "Confiança''. Todavia, não se trata de confiança dos agentes econômicos no desempenho do PIB brasileiro, mas de confiança no próprio Eduardo. Sabemos muito bem que os 20 mil rentistas que vivem dos R$ 650 bilhões anuais que o governo paga religiosamente para "rolar a dívida pública'' confiam demais no Tesouro e que as empreiteiras e super-empresas sabem que podem obter empréstimos do BNDES na hora que quiserem. Esses confiam muito na economia e sabem que o governo atual fará o que for necessário para manter a os preços estabilizados. O que Campos quer dizer é que ele também é capaz disso, e capaz de propiciar estabilidade regada a aumento do PIB - e, consequentemente, mais lucros. Eduardo não apresenta um projeto, o que seria essencial pra "iniciar a discussão'', mas apenas aponta para a necessidade de debate. Um debate, ressalte-se, restrito a ele e os agentes econômicos, os que devem apresentar suas demandas para "sentir confiança'' na economia. Compatibilizar a política fiscal e econômica é algo tão vazio quanto querer compatibilizar farofa com porco assado, ou queijo com goiabada, por que uma coisa combina sempre com a outra. A política fiscal tem reflexos na econômica, invariavelmente. A batalha da confiança é arrebanhar os empresários que apoiam o atual governo para as hostes eduardistas.



 "ÉPOCA – Aborto?
Campos – A legislação que está aí é a que o Brasil pode ter neste momento.''


Nesse ponto, Eduardo foi curto e grosso. Mas, como toda lâmina de dois gumes, corta dos dois lados. Agrada aos conservadores, demonstrando que as disposições do Código Penal de hoje bastam (aborto como exceção, nos casos previstos em lei, e como crime, em regra), e dá esperança aos feministas, pois se "a lei atual é a que o país pode ter'', no futuro "pode ter outra''. A resposta em apenas uma frase denuncia o desprezo que Campos sente da temática, já que é um homem interessado em apresentar-se como um gestor responsável e confiável, um homem dos empresários e para eles, características aos quais o fato de ser abortista ou não simplesmente é irrelevante. Na verdade, quanto aos direitos das ditas minorias, Eduardo adota o discurso conservador, mas eficientista: "não tenho tempo pra discutir essas questões; tenho de gerir negócios vultosos, orçamentos trilionários, gerar lucros e riqueza. Deixa esse negócio de aborto como está.''



"ÉPOCA – Descriminalização das drogas leves, como a maconha?
Campos – Não é o caso ainda no Brasil, neste momento.''


É impressionante como o discurso de Eduardo é palatável e espelhante ao homem-médio.O brasileiro tende a ser moderado em política: nem radical de um lado, nem do outro, mas se alguém ofertar uma mistura de tudo é mais fácil se identificar. Contudo, na maior parte dos assuntos, o brasileiro é conservador. Tem medo - ou preguiça- de pensar em outras alternativas, e termina "empurrando com a barriga'', e deixa tudo exatamente como está, por pior que esteja. Por mais que existam 6 milhões de dependentes de drogas no país, que alimentam vários impérios do narcotráfico, o melhor a fazer é deixar que a doença continue a se desenvolver. Eduardo quer se aproximar do homem-comum que, ao ler sua declaração, se identificaria de pronto, e encerrar de vez o assunto, com vistas a ir para "questões mais pragmáticas''. Trata-se de um discurso que aparenta desprezar ideologias, quando na realidade reafirma uma delas: a conservadora, moralmente falando. Contudo, com mostras de "seu pensamento de longo prazo'', Campos fala em "neste momento'', indicando que em outro momento pode ser necessário liberar drogas leves. Necessário como? E para que? Para os planos eleitorais de Campos, é claro...



"ÉPOCA – Por quê?
Campos – Porque vivemos uma epidemia do crack. Precisamos romper essa epidemia com outros mecanismos para abrir um debate dessa natureza.''



Confesso que, à uma rápida leitura, é fácil aceitar o que Eduardo diz. Afinal, é tudo droga, não é? E a maconha é a porta do crack. Não temos dados suficientes para concluir tal ideia - embora seja a que eu especialmente me inclino-, de forma que optar por ela é uma questão mais ideológica que científica, mas é o que Campos quer dizer. A epidemia do crack é real, embora seus motivos sejam desconhecidos totalmente: há um sem-número de fatores envolvidos. O pior de tudo é falar em "outros mecanismos''. Mais vagueza é impossível: o cidadão comum, já concordando automaticamente com Eduardo, imagina o que quiser em "outros mecanismos''. Uns pensam em internação compulsória, mais combate ao tráfico, campanhas nas escolas, tudo. Ou seja, é uma casca vazia onde se pode por qualquer conteúdo. E como o cidadão já concorda com Campos, pensa que o "seu'' mecanismo de contenção das drogas está automaticamente sendo considerado pelo governador em sua expressão "outros mecanismos''. Brincar com as palavras e fazer adeptos acriticamente, eis duas coisas nas quais Campos é mestre. E ainda se fala em debate, como se fosse necessário diante da opinião já vencedora de Campos!


"ÉPOCA – Neste ano o povo brasileiro foi às ruas por não se sentir representado pelos políticos. Qual sua resposta a esse cidadão?
Campos – Foram para a rua para melhorar o Brasil. Ninguém sai à rua para piorar. A primeira das mudanças precisa ser na política. Se não mudar a política, não mudará o Brasil. A primeira resposta concreta é dada desde sábado. A gente oferece um caminho diferente, fora dos arranjos tradicionais, para colocar em debate. Isso animará enormemente a juventude, os militantes sociais, os que se preocupam com o futuro do Brasil, os que querem justiça social. Isso animará quem estava desanimado com a política. Qual o resultado? Teremos de esperar 2014 para ver o resultado.''


Essa foi especial. Eduardo não sofreu, em termos de popularidade, com as jornadas de protesto de junho último, apesar de 100 mil pessoas forem às ruas contra "tudo que está aí'', e em vários protestos seguidos a Polícia Militar de Pernambuco ter massacrado os manifestantes (em três das vezes, estive presente e pude conferir a barbárie com a qual os nobres policiais trataram estudantes desarmados, em cenas que pareciam vir do sombrio túnel do tempo de 1968...). O que é curioso é associar a construção de uma aliança eminentemente politiqueira aos movimentos de protesto de massa, como se fossem frutos destes, "uma resposta'' aos anseios populares para "melhorar o Brasil e sua política''. Faz parte da estratégia para captar os votos de Marina, muito popular entre os 5 milhões que marcharam pelas ruas do país nos protestos de junho, e uma manobra, que se reconheça, brilhante e ao mesmo tempo problemática de Campos. Brilhante, por que os desinformados podem crer na aliança Rede-PSB como uma reforma da política dentro da política; problemática, por que a incoerência de se casar o pragmatismo político com o movimento mudancista popular pode resultar em um divórcio pré-gerado, ou automático. Eduardo costuma fazer pactos políticos independentemente de qualquer orientação ideológica, tal como demonstrou ao coligar o PSB, em alguns Estados e Municípios, até mesmo com o DEM. Como este homem pode representar a "renovação'' da política? 

Eduardo não é uma renovação. É uma rearranjo, uma mistura entre todos os "políticos'' que governaram o país desde o século XIX: um bacharel (formado em economia pela UFPE); de família de políticos- uma oligarquia "de esquerda''- ou seja, um oligarca; tecnocrata (seus gabinetes de governo e equipe são de técnicos especializados, que cumprem metas); populista (acostumado a "dourar a pílula'', apresentando-se como grande gestor próximo do povo); demagogo e, essencialmente, um perfeito seguidor da Realpolitik. Ele pouco se lixa para as velhas ideologias. Quer gerar lucros para garantir o apoio dos empresários e pouco importa no que acredita. Ele quer, contudo, se apresentar como o meio-termo, a terceira via, entre o petismo e o tucanato, e até mesmo a síntese entre ambos, mantendo o assistencialismo e a mão-forte do petismo, mas com pitadas de neoliberalismo gerencialista. Uma combinação nunca antes testada nacionalmente e que ressuscita os postulados de Gibbens.

Se dará certo ou não, que se responda com as palavras do analisado desta postagem: "temos de esperar 2014 para ver o resultado''.

Nenhum comentário:

Postar um comentário