
Talvez estejam essses indignados com tal tipo de comportamento com alguma razão. Excluindo-se moralismos artificiais e hipócritas, tal tipo de conduta sofre dos mesmos males de qualquer tipo de ação cuja prática social se deve à massificação: aqueles que banalizam o beijo - e, consequentemente, o amor- como algo ridiculamente caricato. Contudo,o beijo é objeto de larga reflexão através dos tempos. Talvez o primeiro pensador de importância a tecer algumas palavras para essa prática milenar, Platão dizia que o beijo é mais que um gesto banal: é uma forma fisica que as almas encontram de trocar suas essências, valores, ideias, conhecimento. Em Roma, os casais demonstravam seu compromisso mútuo beijando-se em público, uma única vez. Na idade das trevas, os senhores feudais beijavam seus vassalos, como símbolo de união comum contra a os inimigos que tanto aterrorizavam a sociedade da época; na corte de Luís XIV, o fato de um homem beijar uma dama era motivo suficiente para o casamento, se não, para alguns dias de prisão da Bastilha; do império brasileiro aos anos 1920, era comum que namorados e noivos só trocassem beijos em cenários reservados, íntimos.


O beijo é uma expressão humana de sumo valor, demonstrativa de algo grau de intimidade e paixão, expressão da natureza humana e, como tal deve ser contida e guiada pela razão rumo à uma finalidade. Convencionou-se estabelecer que essa finalidade, antigamente, era o namoro sério; hoje, não há finalidade alguma, a não ser charpuscar tão nobre ação com "ficadas'' sem sentido: muitos deixam o cavalo dos desejos vencer e perdem-se na floresta da falta de sentido, ou então acabam por se encher de coragem e a tudo querem dominar, sexualmente, como tiranos cegos, deixando o segundo cavalo predominar, tendo o corpo claheio como posses, meros objetos de fetiches estéreis; incapazes são os discípulos do "ficar'' de manter um relacionamento dito "sério'' com outra pessoa por muito tempo, dado seu vazio sentimental e ausência de auto-controle. Ficar é coisa de quem não se domina, diria, ou não possui o grau devido de maturidade, que afrouxa as rédeas do pensamento e deixa o cavalo manco e torto do desejo conduzir a carruagem da alma à uma floresta escura. Não é a sensação de prazer que o beijo traz que deve dominar o ser humano, sendo um fim em si, mas sua utilização como expressão de um sentimento mais elevado que o simples prazer; porque o prazer por si é fugaz e efêmero, trôpego diante das marés sentimentais, enquanto o amor expressado por via do prazer é uma fortaleza que nem a morte pode expugnar, que a tudo supera, a tudo suporta e a tudo perdoa.
Mesmo escritas há mais de dois mil anos, as palavras de Platão permanecem atuais: o equilíbrio é a chave da alma, que pode estabilizar-se para alcançar a felicidade e, finalmente, contemplar as virtudes imutáveis e imortais do amor; este, como a justiça, também é um equilíbrio de almas e corpos. E nada melhor para se alcançar essa contemplação do equilíbrio amoroso, do que a relação amorosa com uma outra pessoa, sem máscaras, sem estereótipos, sem tolas encenações vulgarizadas que procuram, como a raposa que busca as uvas na Fábula de Esopo, atingir um ideal muito superior de amor e que, não o atingindo, passam a desprezá-lo como uma ficção não-preferível às relações instáveis e superficiais de hoje. Equilíbrio e moderação, são as palavras universalmente válidas, para que grandes e sinceros amores sejam vividos.
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