sexta-feira, 15 de junho de 2018

A condução coercitiva sob as barbas do Supremo: estancando a sangria


Ver a Polícia Federal, de manhãzinha, "convidando'' alguns figurões a prestar depoimento (de forma forçada) vai deixar de ser uma rotina. Triste fim para fenômenos do partido justiceiro, como o "japonês'' e o "hipster'' da "federal'', que perderão, para sempre, seus 10 segundos de fama.

Nunca vi com bons olhos a "condução coercitiva'', principalmente a do acusado/investigado. Ora, se o sujeito não é obrigado a produzir provas contra ele mesmo, por que é obrigado a prestar depoimento, metido no xadrez de uma viatura como se fosse culpado? Razão jurídica (dentro de uma ótica democrática, garantista), mesmo, não há; na verdade, a "condução coercitiva'' dos tempos pós-lava jato não é a que está no Código de Processo Penal, mas uma "mutação'' que surgiu das necessidades práticas e fins da operação.

A primeira razão é uma exigência da operacionalidade policial. Em operações anteriores contra crimes envolvendo desvio de verbas públicas, os policiais geralmente acabavam sem provas, por que, assim que o inquérito (a investigação, em termos coloquiais) era aberto, os investigados corriam para destruir todas as provas e combinar versões - as que sobravam era oriundas de algum meio ilegal (como alguma escuta obtida sem autorização judicial).

A equipe da PF de Curitiba, depois de uns minicursos nos states, inventiu uma espécie de "blietzkrieg''' policial: a abertura do inquérito coincidia com a detenção dos principais alvos para serem ouvidos, de maneira forçada, ao mesmo tempo em que se realizavam buscas e apreensões em casas, apartamentos e empresas.
Daí, muitos contratempos eram vencidos: as provas não eram destruídas, os investigados eram pegos de surpresa e acabavam "soltando'' algo ou entrando em contradição, os investigados não tinham como saber o que cada um dizia (antes, bastava combinar as versões; mas, e se todo mundo fosse ouvido ao mesmo tempo, de surpresa? Será que o parceiro de lavagem de dinheiro não iria te entregar primeiro?).

Além da razão operacional, vinha a estratégica. Ninguém se engane em acreditar que as autoridades policiais formam suas convicções depois de investigar tudo; na prática, as conclusões vem antes (os policiais sabem - ou pelo menos teorizam - quem está roubando e onde se está roubando, quem poderiam ser os chefes etc., e partem em busca de provas pra comprovar a "tese''). Como as peças de um tabuleiro jogado em conjunto com juízes e procuradores, cada "fase'' operacional, cada condução coercitiva, era desenhada para atacar os flancos abertos do "inimigo'' - o "mecanismo''.

Escolher quem constranger e quem ameaçar com prisão é fundamental para a maior sacada da lava-jato: tentar destruir o "sistema'' da corrupção por dentro, de forma autofágica, de baixo para cima e de cima para baixo, fazendo seus componentes se destruírem - vendo o parceiro conduzido coercitivamente, os possíveis alvos de operações futuras, superiores ou não na hierarquia das organizações criminosas combatidas, já partem em busca da delação, enquanto que o ritmo de conduzidos é tão frenético que não permite que se tome qualquer reação...

A razão psicológica era quase tão importante quanto a operacional e a estratégica. O investigado conduzido era quase tratado como um preso - ou, no mínimo, um muito provável candidato à uma futura prisão. O despreparo no depoimento (quem consegue raciocinar bem depois de ser tirado da cama às 6 da matina?), o medo de falar alguma porcaria, a insegurança por uma futura prisão, o receio de ter a cabeça entregue pelo parceiro conduzido na sala ao lado ou mesmo de ser entregue pelos próprios chefes deixa qualquer um em estado de desespero. E assim nasce um delator.
Apesar de tudo isso, há, juridicamente, outra razão para o sucesso das coercitivas: nosso ordenamento jurídico simplesmente não tinha nenhum expediente que pudesse ser usado em tais fins, nas investigações policiais. Veda-se a "prisão para averiguações'' e, em que pese se autorize a prisão temporária (geralmente para o réu não destruir provas), seu prazo é muito curto, não contempla necessariamente a ouvida do preso e suas hipóteses são muito específicas, geralmente quando já existem elementos probatórios fortes contra o investigado; imprópria, portanto, quando não se tem, justamente, provas...

A coercitiva, assim, sofreu uma mutação. A necessidade de recusa à uma intimação anterior foi discretamente riscada do código de processo penal - na verdade, já vi (não pela TV, mas na minha prática penal) delegados "autorizarem'' a coercitiva do investigado por telefone, sem intimação anterior... - e, como todo abuso jurídico, foi justificada como "opção menos lesiva ao réu'': ora, é melhor (para o "réu'', que ainda não o é por ainda não existir nem denúncia) obrigar o sujeito a ir depor do que prendê-lo temporariamente para isso. Dos dois abusos, o menos ruim, pelo menos.

Na verdade, se transformou a condução coercitiva em meio de detenção cautelar, uma verdadeira "prisão para averiguações'', no que se chega à grande motivação das coercitivas: a política. Mostrar na TV que o dono da Odebrecht, o presidente de algum grande partido ou outro poderoso foram enfiados dentro de uma viatura e constrangidos a depor, enquanto policiais recolhiam malotes e mais malotes de "provas'', foi a principal peça publicitária que garantiu que a conquista e manutenção da hegemonia na opinião pública por parte da operação policial. São quase peças de propaganda em tempo real, que caíram no gosto do povo, para difundir o que eu sempre disse ser um projeto de poder.

Mas não se enganem com a expressão. Não quero dizer que policiais, juízes e procuradores querem "tomar'' o poder ou o governo, mas sim que essas corporações possuem uma "agenda política'' para o país e para si próprias. Ela passa sim pelo combate à corrupção, mas também deixa clara suas marcas ideológicas made in EUA e abarca, na visão de alguns grupos, até mesmo interesses meramente classistas (procuradores e juízes lutam com unhas e dentes por reajustes salariais, manutenção de auxílios inconstitucionais e uma ou outra regalia). Nada disso é claro como se fosse uma "cartilha'' - esses interesses, inspirações e objetivos partem de grupos diferentes dentro desses grupos, se misturam, se conflitam ou se fundem.

Independente do fato de agredir ou não a ordem jurídica (sempre acreditei que sim), o fim das conduções coercitivas deixa as operações policiais em andamento pernetas. Vão ter que se virar com o que já possuem (que não é pouca coisa). Ao lado do desmonte das equipes policiais, restrições orçamentárias e cansaço da opinião pública, estamos perto de ver o fim da lava jato.

Esquisito é, só agora e depois de várias vezes confrontado com a (i)legalidade das conduções (os ministros, inclusive muitos dos que votaram pela inconstitucionalidade do instituto, costumavam chancelar tudo que os policiais faziam nessa seara) o STF tenha riscado o instituto do mapa jurídico. É hora de voltar à "normalidade''.

Será o tal do "grande acordo nacional''?

segunda-feira, 11 de junho de 2018

A abelha que se foi num bater de asas




Das colinas de Efraim
Uma flor surgiu para mim
Entre Ramá e Betel
Tuas palavras deliciavam como mel

Senhora de simples juízos
Tão prática nas suas certezas
Viajante de sonhos, para onde vai tua estrada?
Eu estarei lá, no fim da tua volta ao mundo

Santa sabedoria, prudente amiga
Dize-a que o mais complexo é uma linha reta
Apontando do meu para o seio dessa augusta
E nem Sísero nos vencerá nessa briga

Abelhas trazem a vida
E o teu sorriso, ressureição
Mas o conselho do meu coração
É, para sempre, lamentar tua despedida.