sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Diários de um (ex-)estudante de direito: a adaptação


Dando continuidade ao nosso pequeno diário (a falta de um nome melhor) sobre a vida, as opções e as angústias de um estudante de direito (bem, vamos desconsiderar aquela polêmica sobre "direito com D'' e "direito com d'', ok?), vamos falar sobre o que acontece depois que as o primeiro período acaba e mergulhamos, segundo vamos pensar, no mar tranquilo das férias...

Bem, nós estudantes de direito temos uma péssima concepção sobre as férias. Para nós, são um convite a não fazer nada e quebrar totalmente o ritmo de estudos a que nos acostumamos. Isso acontece por que, como nós deixamos toda a matéria acumulada para estudar "de véspera'', acabamos nos submetendo a um ritmo de estudos insuportável e desgastante, como um atleta destreinado que tem apenas uma semana (ou menos!) para se preparar para uma Olimpíada.

Então a primeira dica é: tenha férias produtivas. Não aguenta mais estudar? Pare por uma semana, mas pegue bons livros para ler. Você já deve ter escutado que muita gente indica ler, antes de iniciar o curso, clássicos da literatura que tem "a ver'' com Direito; bem, é hora de finalmente lê-los! Se delicie com "O processo'', "O Caso dos exploradores de cavernas'', "Crime e castigo'' e tantos outros. Não esqueça, também, uma regra primordial: faça, na maior parte do seu tempo, atividades produtivas. Sim, evite passar horas na internet, redes sociais ou catando besteiras por aí; se exercite, leia, se informe, estude, faça questões, tenha experiências que te agreguem em algo e não façam escoar o seu tempo precioso pelo ralo.


Mais uma das polêmicas classificações ou divisões do direito!

Mas, enfim, as aulas sempre voltam, e de imediato, ao entrar no segundo período e próximos, você nota que o jogo mudou. As cadeiras filosóficas vão escasseando até sumir de vez, e cada vez mais normas, leis, princípios e códigos vão fazendo parte da sua vida. Essa transição é apreciada por muitos, que finalmente vão estudar "coisas mais práticas'' em um curso que consideravam "muito abstrato''. Contudo, essas cadeiras jurídicas iniciais continuam com um pé em conteúdos "mais abstratos'', como os conceitos jurídicos básicos de cada ramo do direito, que, basicamente, podem se resumir em um "tripé'': o ramo jurídico do direito privado, onde lidamos com a personalidade civil, o conceito de obrigações, contratos, direitos reais e de sucessões, bem como a dinâmica empresarial; o ramo do direito público, com as concepções de constituição, poder constituinte, direitos fundamentais, direitos políticos e sociais, organização do Estado, Administração Pública e direito tributário, além do direito penal e do trabalho (há controvérsias sobre se direito trabalhista é de natureza pública ou não...) e, finalmente, o ramo processual, que se subdivide em processo civil e processo penal, além de ramificações como processo do trabalho.

É muita coisa, não é? Por isso que cada ramo desses e seus sub-ramos são divididos em cadeiras numeradas. Assim, possivelmente você terá que pagar de sete a oito cadeiras de Direito Civil, quatro de Direito Constitucional, cinco de empresarial e assim por diante!

Dito isto, vamos dar uma quebra na ordem cronológica e lançar pequenas notas explicativas:


Apesar do que dizem, evite "decorar''!


Ah, com certeza já te disseram que depois do segundo período, o curso se resume a "decorar'' leis e códigos. E se você acha um saco essa onda de decorar, parabéns! Por que um bom estudante de direito NUNCA vai se limitar a decorar qualquer "dispositivo legal''. Quem decora raramente é capaz de aplicar, e, diga-se de passagem, sua função, quando sair da Faculdade, será aplicar regrinhas que estão lá para qualquer um ler, mas que poucos conseguem interpretar, adaptar e aplicar a casos concretos complexos.

Então nunca se esqueça: tente ENTENDER e não DECORAR. Sabe, um dos primeiros conceitos que você vai aprender é o de personalidade jurídica, quando estiver iniciando os estudos em Direito Civil. Você pode se limitar ao que diz o art. 2º (ou será o 1º?) do Código Civil sobre a personalidade, ou então estudar os conceitos de Pontes de Miranda, as teorias natalistas e conceptistas e entender o que é, como começa e o que faz cessar a personalidade jurídica, e principalmente os efeitos disso tudo. Assim, se o código mudar (e nesse ano o código de processo civil de 1973 morreu e um novo veio à luz...) você vai ter os conceitos básicos bem delineados na cachola - e esse conhecimento, se bem fixado por um estudo responsável e organizado, vai te acompanhar pelo resto da vida. Na verdade, se você estudar mal esses conceitos iniciais, terá imensas dificuldades lá na frente...

É só assim que decorar funciona...

Não decore, mas não deixe de ler códigos e leis

Sim, o fato de não ter que decorar não te exime de ter que ler a legislação. Um dos grandes males do estudante de direito é que ele simplesmente não lê os diplomas legais que deve. Está estudando direitos fundamentais? Estude as gerações de direitos, a diferença entre direitos e garantias, os remédios constitucionais... e LEIA o art. 5º da Constituição Federal! Sabe, você não precisa decorar o que cada inciso ou parágrafo da lei diz, mas ao menos "saber onde está'' o dispositivo para o caso de precisar dele.

Um livro ruim vale por menos dois

Eis um tema espinhoso. Escolher um autor para estudar é algo muito pessoal; é como escolher um perfume ou um prato no restaurante. Mas convenhamos, ninguém quer comer aquele pastel da barraquinha na esquina da Faculdade, com aparência de ser mais antigo que a última vez que você fez uma compra maior que R$ 100... então existem livros e autores que você pode liminarmente descartar da sua lista de estudos!

Sim, um autor ruim não é aquele que tem linguagem difícil/confusa/ininteligível. É aquele que até pode parecer descolado e super fácil de entender, mas cuja leitura rasa e pouco complexa vai te fazer esquecer rapidamente o que supostamente aprendeu. São os tipos de livros chamados de "esquematizados'' ou "descomplicados'' que podem te dar uma ajuda e tanto em vésperas de provas - principalmente se você estuda para concursos - mas não fixam um conhecimento com raízes em você. "Personalidade jurídica'', assim, é uma "aptidão'' para exercer "direitos e deveres'', e só. Mas como assim, produção? O que raios é "aptidão''? O que é um "direito''? E se eu só tiver deveres (supostamente), tenho personalidade também?

Escolha bem suas fontes de estudo. Eu recomendo que você sempre ande em duas frentes: pegue um livro de um autor clássico e de um novo autor. Por exemplo, em Direito civil, pegue Caio Mário ou Orlando Gomes e algum autor da nova geração (como Carlos Roberto Gonçalves - mas os livros pra valer, não o esquematizado!). Mas não se prenda. Experimente sempre novos autores, e se achar que um autor bom em um assunto (como Caio Mário em "Obrigações'') é ruim em outro tema (Sílvio Venosa, em direitos personalidade, obrigações e algumas cositas más...), não tenha medo de fazer uma substituição.


Sim, mas e as aulas?

Anote o que vou lhe dizer: pelo menos a metade (talvez mais!) das aulas que você assistirá na faculdade serão pouco produtivas. Tudo bem, sempre é bom sentar na frente e prestar atenção no que o professor diz, mas a cada dia esse exercício vai ficando mais hercúleo. É quase uma tortura sentar em uma cadeira por quatro horas, as vezes mais, enquanto os professores se revesam em passar slides monocromáticos com trechos de código copiados, recitados quase como se estivéssemos em um culto religioso. É, você deve ter percebido que esse tipo de aula te agrega muito pouco em conhecimento.

Bem, esse tipo de coisa acontece por que, nos mestrados e doutorados de direito, simplesmente não se tem qualquer noção de pedagogia ou prática pedagógica, que muitas vezes se resume a uma ou duas aulas sob supervisão do professor orientador - sempre se seguindo a lógica "slideira''. Assim, os professores formados vão para as salas de aula sem saber como dar aula - e acabam reproduzindo as aulas que assistiram na faculdade. Aulas que vão te fazer sentir perder tempo com elas!

Esse tipo de professor - "mas ele só sabe ler o código!'' - é o tipo dominante. Então, como lidar? Só tem um jeito de tentar tornar esse tipo de aula produtivo: é estudando sozinho(a). Pegue o conteúdo da cadeira, pesquise bons livros e mãos à obra. Claro, uma conversa de fim de aula com o professor (perguntando indicações de livros, esclarecendo dúvidas etc.) também pode ajudar e, se tem uma coisa que você precisa aprender desde já, é que nenhum professor é tão ruim que não tenha nada a te ensinar. Se mostre sempre interessado e, principalmente, tenha respeito com o professor dentro da sala de aula, não saindo quando ele entra e só voltando para a chamada, ou conversando durante a aula, ou navegando na internet. Se você acha a aula do professor um saco, faça o que está ali para fazer - abra um livro e estude!


Não arranje encrenca - a vaidade é o ponto G dos acadêmicos do direito!


Não, não é a parte sexológica desse artigo (mas ela virá, aguardem!). Sabe, você pode estudar, estudar e estudar e vai que você tem sorte e se torna um Einstein (ou um Kelsen, ou um Pontes de Miranda...) do direito. Você acha que as portas vão se abrir e você vai ficar famoso? Claro que não!

Não adianta ser um gênio ou um cara esforçado se você não tem bons contatos, nem os cultiva enquanto ainda está na faculdade. Portanto, evite brigas, estresses e problemas, principalmente com os professores. Isso não quer dizer que não se deva combater injustiças (sabe, o fato do direito não ser uma ciência "exata - e quem disse que é uma ciência? - traz muitos problemas na hora de corrigir as provas...), mas sempre tente a via diplomática, visando à conciliação e o acordo - que, por sinal, é a tendência do futuro do direito. Respeite docentes e colegas, se abstenha de piadinhas e de qualquer forma de desrespeito. Rolou algum estresse? Conversando a gente se entende.

Por isso que, toda vez que você discute com algum(a) professor(a) - principalmente sobre "notas''- cuidado para não atingir a vaidade dele(a). Apesar de parecer muito calculista, a máxima "cuidado como você trata as pessoas hoje, por que pode precisar delas no futuro'' é uma infeliz verdade no direito: um dia, quando você for advogado, vai desejar que seu professor juiz te receba com festa na vara para despachar aquele processo que você precisa tanto, do que mandar dizer ao servidor pra te barrar a entrada dizendo que "o juiz não se encontra''!

Tudo tem limites, no entanto. Se a injustiça que você ou alguém sofreu é do tipo irremediável, ou o professor se mostra irredutível, não tenha medo em ir até o fim para sanar o erro. Lembre que seu dever como estudante e futuro profissional é defender ou aplicar direitos, e a omissão não pode ser confundida com diplomacia!

Entendi... mas é só isso? E as festas? 

Direito tem fama de ser o curso que mais reúne gente baladeira por metro quadrado do ensino superior brasileiro. E não é pra menos. Todo mês advogados, juízes e promotores inventam solenidades regadas a muito whisky, "coff break'' ou, nos eventos mais simplórios, à velha dupla dinâmica bolacha cream cracker/cafezinho. Na faculdade, a raiz de tantas confraternizações futuras serão as calouradas, noitadas, carnavais, festas de prédio - ou tudo isso misturado.

Toda essa badalação tem razão de ser. Direito é um curso social, ora pois! E o homem é um animal social. Precisa estar entre seus semelhantes para que seu destino flua, e no direito isso atinge o ponto máximo. São nessas festas que os futuros sócios formam os vínculos que sustentarão uma exitosa parceria profissional, onde casais se conhecem, onde se joga conversa a fora, onde se conhece pessoas de uma maneira mais impessoal.

O fato dessas festas serem legais pra se conhecer gente nova e fortalecer futuros contatos profissionais não as tornam, contudo, indispensáveis. Você pode muito bem fazer tudo isso na calma do seu lar ou na tranquilidade da sala de aula - conversas no espaço entre uma aula e outra relaxam e fazem as vezes de point pra você que não gosta de sair.
Mas, convenhamos... se você é jovem, tente aproveitar esse aspecto da faculdade. Você pode ter sucesso e tal lá na frente sacrificando tudo isso, mas em algum momento vai sentir falta de nunca ter feito nada disso. Sério, não mata ninguém (pelo contrário). Saia, se divirta, seja jovem!

Eu sou acostumado com notaço no meu boletim. Se tirar nota baixa, o que faço?

Lembra quando eu falei de vaidade? Muita gente, em Direito, acredita que notas altas são como carícias sensuais. Outras pensam que as provas e seus resultados são como competições esportivas, onde se selecionam "os melhores''. De outra banda, há um fenômeno preocupante, entre os futuros juristas, de surtos de depressão e melancolia justamente por causa das notas - eu diria que até mesmo uma "epidemia'', causada tanto pela cobrança dos próprios estudantes sobre si mesmos, a intensa competição que marca os profissionais do direito e o sentimento de baixa auto-estima logicamente subproduto de um curso onde se cultua, acima de tudo, a vaidade. 

Então, aqui vai um alerta: poucas vezes, no futuro, as pessoas vão sequer lembrar das suas notas, ou elas serão necessárias para alguma coisa. Além de algumas oportunidades de intercâmbio, uns poucos cursos de mestrado (para quem as notas são apenas quesitos classificatórios, diga-se) e algumas vagas de monitoria, ninguém, além de você mesmo, vai te cobrar boas notas. Na verdade, como os métodos avaliativos em direito são absolutamente falhos (geralmente, questões fechadas copiadas de concurso, questões abertas inventadas de última hora ou curiosos sincretismos que confundem até mesmo o professor) ter notas altas ou baixas é quase irrelevante e muito pouco útil para mensurar a sua capacidade.

Então, pode doer, mas lá vai: notas altas ou baixas vão dizer muito pouco sobre seu aprendizado. Dedique-se em um esforço maior nos primeiros períodos do curso, e, depois do quarto ou quinto período, vai ser relativamente fácil "manjar'' das técnicas para aprender assuntos em pouco tempo e fazer provas com tranquilidade. Portanto, não se inquiete: você vai pegar a manha das provas na prática. Dê mais valor ao estudo do que a prova em si, mas consulta às provas anteriores, resuminhos camaradas e gravar a aula do professor para revisão posterior bem que ajudam.

Sobre "fila'': cuidado. Conheço colegas que levaram a faculdade assim, do início ao fim, e hoje precisam estudar o que deviam ter estudado em cinco anos em um. E não é brincadeira! Tente jamais ser o receptador da fila (se você for o cara ou a garota que resolve tudo para depois passar as respostas, o questionamento é mais ético mesmo). Faça sua prova e encare a nota que vier, já que o importante é o aprendizado. As vezes uma nota baixa nos ensina e gera mais benefício do que o mais cristalino "10''!

Trabalhando em grupo: como sobreviver

É muito comum que seus professores, com preguiça ou visando "dinamizar'' a aula, façam uma prova e complementem com um trabalhinho, geralmente individual (favor, evitar copiar e colar da internet! Hoje existem aplicativos que indicam facilmente o plágio, e sua nota pode zerar facilmente...) mas também em grupo. E aí começa a bronca, por que os trabalhos de faculdade não são como no colégio.


De início: universitários são, em regra, irresponsáveis. Então não se surpreenda se, faltando poucas horas para a entrega do trabalho, ninguém se movimentou - e até vai ter gente que esqueceu. O que fazer? Simplesmente assuma o comando. Reúna os coleguinhas, divida o tema do trabalho em tópicos para eles, sobre resultados e organize a versão final para ser entregue - também divida as falas e controle o tempo das apresentações de cada um. Com alguém organizando, o trabalho "anda'' e termina bem-feito com relativo pouco esforço por parte de cada um.

A bronca mesmo é quando lidamos com o choque de fazer um trabalho de nível acadêmico, em grande contraste com os trabalhinhos feitos no ensino médio. Bem, a diferença inicial é que produções de nível universitário são mais específicas, ou seja, você raramente irá falar sobre coisas como "Idade média'' ou "Proteínas''. Para efeitos comparativos, no máximo, seu âmbito de estudo será sobre coisas como "Efeitos e causas do feudalismo italiano do século XV sobre o comércio de artes sacras'' ou "Potenciais usos do líquen panamenho para doenças degenerativas''. Ou seja, se prepare para raramente falar sobre "direito civil'', mas sim sobre "direitos da personalidade no caso X''. 

A outra diferença, esta sim essencial, é  método que se cobra de você nesses trabalhos. O professor vai exigir não só o uso correto das famosas regras da ABNT (o tipo de fonte a ser usada, espaçamento, forma de referenciação, uso de citações, estrutura do trabalho em capa, contracapa, sumário etc.) mas também o desenvolvimento de um método de análise ou síntese do tema trabalhado. Em essência, você começava introduzindo o tema, bem como exaltando a importância social do seu trabalho, suas repercussões e o método físico (pesquisas de opinião, consulta bibliográfica - de longe o mais comum - fórmulas estatísticas etc.) que você usou para chegar às conclusões - que, saliente-se, você NÃO deve enuncia na introdução! Por isso, geralmente deixamos a introdução a ser feita por último, depois de toda a pesquisa, como uma espécie de "apresentação'' do trabalho. Sabe aqueles resumos nos versos das capas de DVDs? Pois bem, a introdução é um pouco como eles.

O passo seguinte é o desenvolvimento. Aqui, você tem uma certa liberdade, maior que no colégio, para discorrer sobre o tema usando as ideias que você quiser. Mas cuidado: ideias que não são suas devem ser referenciadas adequadamente (chamados de "citações'', onde, no rodapé ou ao lado da citação, você indica o nome do autor citado, sua obra e página específica) sob pena de serem vistas como plágio. Em direito, é muito comum que se inicie trabalhos com a apresentação de um caso concreto, por onde você vai analisando as repercussões jurídicas até chegar à formação de conclusões, sejam elas abstratas ou mais genéricas. Você também pode começar explicando quais são os principais conceitos envolvidos no tema, para enfim chegar à uma síntese final. Aristóteles chamava o primeiro método de "indução'' e o segundo de "dedução''. O legal mesmo é intercalar esses dois, mostrando como situações concretas podem gerar conclusões abstratas ou concretas, e situações ideais, o inverso. Exemplo: se seu trabalho é sobre impostos sobre o consumo (como o ICMS, ISS etc.) você pode começar falando dos famosos casos de guerra fiscal entre os Estados (que baixam o ICMS indiscriminadamente para atrair indústrias e investimentos) e a partir daí conceituar os referidos impostos, e até mesmo dar sua opinião sobre os limites da discricionariedade dos Estados em aumentar ou reduzir esses impostos. 

O diferencial está justamente na sua "opinião'', seguindo o conselho do seu professor de ensino médio: na conclusão, você deve dar sua "opinião''. Ora, não é uma simples "opinião'', mas uma posição, na qual, depois de toda a análise feita, e embasado em tais e tais doutrinas, você defende um ponto de vista - ou até cria um. Por exemplo, a partir da análise do confronto entre a Constituição e Tratados internacionais assinados pelo Brasil sobre a pena de morte (admitida, entre nós, em tempo de guerra, e rejeitada pelos demais países), você pode simplesmente defender um ou outro, ou admitir uma posição totalmente nova. Mas a simples tomada de posição é essencial. Sem ela, sua atividade futura como jurista - que é assumir uma posição, seja como juiz, promotor ou advogado - fica seriamente comprometida. Os trabalhos serão seus primeiros "treinamentos'' para fazer futuras petições e pareceres: aproveite-os!

E, enfim... a crise do meio do curso (ou antes!)

Respire. Se você passou os olhos por esse texto e parou aqui, então senta, toma um chá e vamos conversar, de (ex-)estudante para estudante. 

Você sente que não deveria ter escolhido esse curso?
Você escolheu o curso por que "foi o que deu'' ou "foi o melhor que consegui''?
Você não tem ânimo de assistir às aulas, ou mesmo de segurar um livro?
Você sente uma atração muito maior por outros cursos?
Você não consegue se imaginar como advogado(a), juiz(a) ou qualquer outra profissão jurídica?
Você ODEIA o direito?

Parabéns, você não está só! Na verdade, pouquíssimos estudantes de direito, advogados ou juízes de sucesso teriam respondido "não'' a todas essas perguntas. Quase todo mundo já se fez esses questionamentos, e ter mais de três deles desperta atenção e liga o sinal amarelo. Mas como passar por isso?

Veja, possivelmente você é jovem (deve ter menos de 20 anos, ou pouco mais que isso). Sua personalidade, ainda que duvide, ainda está formando seus últimos pedaços, bem como suas aptidões e preferências. Você pode começar odiando direito, e depois pode amá-lo. O inverso também. Mas, de todo jeito, só tem uma coisa a fazer: já que você entrou no curso, passou do primeiro período e do segundo, tenha paciência para dobrar o quinto período ao menos. É a partir dele, e dos estágios da vida, que você verá como o direito é de verdade, longe da TV e das "presunções'' que você fizer!

Ou seja, continue estudando e busque sempre saber como as regrinhas que você analisa se concretizam. Vá aos fóruns, veja audiências, assista a um júri (até se você odeia direito vai se impressionar), assista à uma sessão da câmara de vereadores ou assembleia legislativa. Mas nunca, nunca, tome uma decisão precipitada de abandonar o curso ante ao primeiro sinal de crise. O apoio das pessoas próximas também é essencial, portanto não tente "levar tudo sozinho'' e busque apoio quando precisar. 

Lembre-se que o direito te oferece um leque tão grande de caminhos a seguir que, mesmo que você goste de ciências exatas (o extremo oposto da "ciência jurídica'') você pode achar um ramo do direito que te sirva (já ouviu falar em direito financeiro? E tributário?). Gosta de ser professor? Por que não de direito? Se amarra em história? Que tal se especializar em história do direito?

Nos últimos tempos, como geralmente entramos no curso cheio de expectativas e sonhos de sucesso, podemos ter algum grau de decepção com as pessoas, com o direito, com os professores. Mas não desista, dê a volta por cima, professores ruins vão ficar para trás, inimizades também, e com um pouco de calma e planejamento você pode conseguir o que quiser.

Então o caminho é ter paciência e ir descobrindo o direito do dia-a-dia. Mas se não der mesmo para você, se aquilo for realmente insuportável, não tenha medo em pular fora, depois de uma decisão paciente e bem tomada. Não pense no dinheiro, mas em realizar um sonho. Afinal, não tem nada pior do que ter que fazer algo que você detesta pelo resto da vida!



Bem amigos, aqui encerramos a "segunda fase'' do curso de direito. Se tudo der certo, você vai estar adaptado ao curso até o quinto ou sexto período, depois de vencer a crise do meio do curso (ou em alguns casos crise do terceiro período!), familiarizado com os amigos, professores e o próprio "ritual'' de ir à aula todo dia. Muitas coisas ainda vão ocorrer, mas depois do meio do curso, temos que nos preparar para deixar a faculdade! Afinal, é apenas um treinamento para a vida jurídica... depois de vencer os desafios iniciais, você precisa correr para planejar sua vida fora da zona de conforto da Academia. Na próxima, vamos falar de quando saímos ao "mundo'' do direito pela primeira vez: o primeiro estágio, congressos, preparação para a OAB, produção da "monografia'' e, claro, o tão temido futuro!!

Feliz ano novo!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"DAQUELES QUE ADQUIRIRAM UM PRINCIPADO ATRAVÉS DO CRIME'': UMA ANÁLISE "MAQUIAVÉLICA'' DO GOVERNO TEMER



O famoso ditado "você é aquilo que come'' poderia ser "você é aquilo que lê''. Michel Temer, atual presidente da República, é um [presumível] leitor voraz dos clássicos. Certamente, entre um cálice de vinho (ou um pote de sorvete) e outro, o presidente deve ter lido Nicolau Maquiavel, ou até mesmo se aconselhado com ele todas as noites. O Primeiro mandatário do país, de certa forma, seguiu à risca o “”manual de instruções’’ do filósofo florentino e logrou sentar-se no posto máximo do país, especialmente inspirado pelo capítulo VIII de "O Príncipe'': "daqueles que adquiriram um principado através do crime''.

Em relação à sua subida ao poder, o jogo foi montando com a especial maestria de, mediante o surgimento de situações difíceis – como uma mega-operação policial que desvendou um dos maiores escândalos de corrupção da história – manejar-se dificuldades em interesse próprio, levando ao limite a qualidade maquiavélica da “virtú’’. Sabe quando um rio enche demais e devasta tudo? Pois bem: uma pessoa sem imaginação poderia apenas temer (trocadilhá-lo-ei) a destruição causada pela enchente, mas um verdadeiro Príncipe veria o potencial na força das águas para irrigar solos pobres para transformar a vida de seus governados e, consequentemente, cair nas graças do povo. Bastaria construir um dique para canalizar o rio; bastaria, em uma palavra, “virtú’’, a arte de lidar com o “inesperado’’ e dele tirar proveito. Maquiavel até personifica esse “inesperado’’ sob a forma da deusa Fortuna, uma bela mulher temperamental e ciumenta, ansiosa por ser conquistada por quem mereça tais feitos.

O maremoto da operação Lava-jato, junto à enorme crise econômica, assim, é a premissa básica no jogo complexo montado pelo Príncipe que hoje se assenta no Palácio do Planalto. Temer previu, antes de qualquer um, o triste fim que se desenhava para o governo Dilma, e articulou uma poderosa base de apoio entre os ratos que temiam mortalmente serem afogados na inundação da gestão que ia, rapidamente, à pique. Ofereceu –se para construir uma barragem contra uma operação policial e, ao mesmo tempo, garantir que os financiadores de campanhas eleitorais continuassem a encher os bolsos com recursos públicos.

Essas “barreiras’’ contra o maremoto da “crise’’ foram essencialmente construídas pelos aliados de Temer. Romero Jucá, o inescrupuloso condottieri (antigo mercenário italiano, que vendia seus serviços para o príncipe que pagava mais), foi o responsável por articular um grande “pacto’’ contra a operação Lava-jato. Ao seu tenente-general, Meireles, ministro da Fazenda, foi dada a missão de estabilização da economia. E, nesses dois pontos, Temer e seus súditos próximos tentaram aplicar mais duas lições de Maquiavel.

O velho florentino havia predito que, em caso de “tomada’’ do poder por “meios não usuais’’ (leia-se fora da lei ou mediante uso da força), seria normal que “crueldades’’ fossem cometidas. Daí se falar em “daqueles que adquiriram o principado por meio de um crime’’: Michel Temer articulou quadrilhas políticas dispersas e propôs o maior, mais elaborado e descarado esquema de tráfico de influência (seria um crime?) da nossa história. Os indícios, claríssimos, deste grande delito perpetrado diariamente em escala nacional vai desde a articulação para aprovar o impeachment da presidente anterior, à nomeação e troca constante de ministros, além de vazamentos ilegais de delações que comprometem o chefe da oposição (o ex-presidente Lula). Deu certo? O tempo dirá. Mas pode-se dizer que Temer não teve escrúpulos em sacrificar alguns dos seus maiores aliados, como Eduardo Cunha, para permanecer no poder durante tal processo. Vem entregando seus anéis, dedos e até braços para conservar sua preciosa cabeça de intelectual latinista.

Além do “crime’’ em si, Temer e sua equipe lançaram um verdadeiro pacote de crueldades. A primeira grande maldade começou com a própria Petrobras, pivô de todos os escândalos até então, quando o presidente e sua equipe endossaram a quebra do monopólio da estatal sobre o pré-sal, operando-se a venda (via eufemística “concessão’’), à preço de banana, dos principais poços de petróleo. O governo, em seguida, lançou um insuspeito “programa de concessões’’ que ainda não saiu do papel e, por último, resolveu mandar ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição que limitava o reajuste dos gastos públicos à inflação, reindexando a economia. Além da reforma da previdência iminente, o governo ainda articulou nos bastidores em prol da “desfiguração’’, na calada da noite, do projeto “dez medidas contra a corrupção’’ – que, convenhamos, é mais perigoso por si do que as manobras do sr. Temer!

As crueldades foram pensadas para serem aplicadas, seguindo o conselho maquiavélico, o mais rápido o possível. O ensinamento é de que todos os males devem ser aplicados de uma só vez para logo serem esquecidos, pois, se estendidos no tempo, podem alimentar uma constante revolta contra o soberano e uma verdadeira crise de confiança.

É justamente aí que falha, em uma análise “maquiavélica’’, o governo Temer. O prazo das “maldades’’ está se estendendo tempo demais, e a população alimenta uma grande revolta contra uma gestão de quem se suspeita até o último homem; já são praticamente oito longos meses de “medidas impopulares’’, com uma terrível previsão de agravamento logo adiante, acrescidos de frequentes escândalos e seis ministros derrubados. Maquiavel diz que crueldades que não são feitas a um só tempo, ou seja, rapidamente, são “mal empregadas’’ se acabam prolongando-se por muito tempo (e o que dizer de uma Emenda constitucional que dura 20 longos anos congelando investimentos em qualquer área?).

Por outro lado, sendo sustentado por um acordo entre elites políticas, Temer tentou seguir outro conselho de Maquiavel, embora direcionado àqueles que chegaram ao poder pelo favor dos grandes (leia-se: dos ricos) e não aos que tomaram o poder através de um crime. Diz o florentino que, uma vez alçado ao poder pela vontade dos ricos, o príncipe deve buscar, em primeiro lugar, o apoio do povo, manipulando-o contra as elites, equilibrando um jogo de classes onde essas últimas desejam oprimir o povo, que por sua vez deseja não ser oprimido. Maquiavel diz ser “mais fácil’’ satisfazer os desejos do povo em não ser oprimido, acrescido do fato de que, se os homens recebem o bem de quem esperavam o mal, tenderão a amá-lo muito mais do que se o próprio príncipe fosse um campeão popular. Por outro lado, o poder exercido através das elites deixa o príncipe em situação de constante tensão, pois será sempre apenas mais um dentre iguais, que poderão facilmente derrubá-lo. Foi a partir daí que Temer procurou “conceder’’ aumentos no valor do Bolsa-família, anunciou a redução do preço da gasolina e até lançou alguns “novos programas sociais’’. Buscou o equilíbrio entre os grandes e os pobres.

Por outro lado, sabendo ser muito difícil conquistar o apoio do povo, teve que voltar atrás de muitas das “benesses’’ concedidas. Não demorou a iniciar uma “caça às bruxas’’ entre os beneficiários do Bolsa Família, cancelando o benefício, sumariamente, de centenas de milhares de famílias; permitiu novos aumentos para o preço da gasolina e, paulatinamente, capitaneou um trem da alegria pelo aumento dos salários da elite do funcionalismo público.
A traição de Temer às próprias promessas atingem em cheio o mandamento maquiavélico de “o príncipe deve agir de maneira constante e previsível’’. Tanto a população como até os “grandes’’ começam a não sentir a mínima segurança nas ações e nos planos do governo, que anuncia medidas e recua, quase que instantaneamente, após reações negativas. Foi assim com a extinção/recriação relâmpago do Ministério da Cultura, as “garantias’’ de que os ex-ministros Jucá e Geddel ficariam em seus cargos para logo depois caírem e o anúncio do “veto integral’’ ao projeto de lei de renegociação das dívidas dos Estados, para logo em seguida se decidir por um “veto apenas parcial’’. Conclusão do próprio Maquiavel: se o príncipe age de maneira inconstante e imprevisível, o destino e o acaso, e não o governante, é que levarão o crédito por eventuais benesses aos súditos, mas somente o príncipe é que será culpado pelos infortúnios.

À parte, a outra conclusão mais clara é que, longe de opor limites à enchente que varre o país, o Governo Temer vem apenas tentando dela fugir; sua proposta real não é uma barragem segura contra as águas, mas um simples bote salva-vidas para seus privilegiados ocupantes. Alguns aliados do “príncipe’’, dentre eles o senador Ronaldo Caiado (DEM), já entenderam essa lógica e compreenderam que falta, justamente, a virtú verdadeira ao presidente Temer. Mas, ora, se o presidente seguiu as regras maquiavélicas, como pode lhe faltar exatamente essa qualidade tão especial?

Maquiavel, no final do capítulo VIII, explica brilhantemente essa ideia. Ora, a virtú é a outra face da moeda da glória. Ninguém pode tirar proveito do imprevisível e do destino, nem domar a deusa ciumenta e temperamental da Fortuna, sem uma chama de ‘merecimento’, sem glória. A “glória’’ é uma imagem idealizada deôntica, ou seja: é como nós, enquanto sociedade, imaginamos qual a forma ideal, legítima e desejável do agir do governante; é “glorioso’’ aquele príncipe que age conforme essa ideia. A glória é uma aparência assemelhada com uma ideia. Se um príncipe sobe ao poder por meios não “gloriosos’’, como, por exemplo, por intermédio de um crime, terá construído, talvez para sempre, uma imagem negativa para si. Uma lição máxima de Maquiavel é que a glória não existe sem reconhecimento e, mesmo que Temer consiga “salvar’’ o Brasil e a elite política inescrupulosa da qual faz parte, jamais terá reconhecimento como um grande homem. Jamais obterá a “glória’’.








Acima, Temer constrangido diante dos líderes do BRICS. Que tipo de príncipe se sente um inferior dentre seus iguais?

A virtú de Michel Temer, assim, é uma virtú falseada, improvisada, criada como embuste para ludibriar aliados políticos, parte da imprensa e as forças econômicas, visto que é desprovida tanto de reconhecimento quanto de glória. Além do mais, o governo falhou em equilibrar-se entre pobres e ricos, aplicou “crueldades’’ em excesso e por longo tempo, e, longe de ter detido as enchentes da economia e da lava-jato, parece determinado a escapar delas. Temer é como os antigos tiranos gregos, que, a revelia de seu sucesso ou fracasso pessoal, entram para a história exatamente pelo que são – mesquinhos, sedentos de poder, conquistadores de um poder ou de uma posição para os quais não estavam legitimados, sempre lembrados pela sua origem (um pintor fracassado, um ex-seminarista ensandecido, um político comandante de uma quadrilha institucionalizada...) e não pelos seus “feitos’’.




Michel Temer e seu governo nada mais são que um plano de fuga

É claro que, sabendo de tais considerações maquiavélicas, o presidente deve passar suas noites em claro. Afinal, se, como Maquiavel ensina, um príncipe se vale tanto das virtudes racionais quanto dos instintos animais (de acordo com as circunstâncias), como a força de um leão ou a astúcia de uma raposa, Temer vem sendo uma raposa quando necessitava ser um leão, e sendo um leão quando precisava ser um homem; e, quando necessita ser um líder, nada mais é que um covarde. Um proto-príncipe, um pseudo-governante, desesperado e ignóbil, tão ciente de sua ilegitimidade e de todo o constrangimento que isso provoca em si e nos outros que age como se nem fosse presidente da República, mas um gângster encurralado que deve sua impunidade a uma espécie de torpor e conivência dos poderosos.

Michel Temer é o príncipe que jamais dará certo. O príncipe sem virtú, que não deve à Fortuna sua posição, mas ao crime. E o crime, pelo menos para Maquiavel, não compensa.