A América Latina vive um momento histórico. Lá estava eu, cujas maiores preocupações se traduziam em bases de cálculo de impostos e fatos geradores, quando soube da morte do maior opositor dos EUA abaixo do trópico de câncer. Justo no dia em que a morte de Stalin, outrora ícone das esquerdas dos anos 40 e 50, completou 60 anos.
Os governos populistas da América perderam seu referencial. A própria Venezuela já entrou em crise, sendo necessário que os comandantes do Exército aparecessem na Tv para firmar lealdade ao incarismático vice-presidente de Chávez, que já lançou uma tese conspiracionista que cheira a uma justificativa para um possível Golpe de Estado. De toda forma, é a chance histórica para a oposição ao bolivarianismo reassumir o poder, e provavelmente o fará. Cuba, que em muito dependia do petroleo barato enviado pela Venezuela, pode entrar em crise e, finalmente, ver seu regime socialista ser posto abaixo. O Brasil? Pouco ou nada mudará, a não ser que o novo governo da Venezuela suba alíquotas sobre os produtos que exportamos para lá, derrubando nossa balança comercial superavitária com o país.
A Venezuela mudou, para melhor, é inegável, no governo do "comandante''. Milhões saíram da pobreza, a taxa de desemprego do país é uma das menores do continente, a educação e saúde avançaram como nunca. Massas populares excluídas sentiram-se pela primeira vez no poder, embora de forma ingênua, exercendo-o por meio de um líder paternalista, idolatrado, carismático. Trata-se do mesmo processo vivido pelo Brasil, com Getúlio Vargas, com a ressalva de que a obra do último foi muito mais importante que a do chefe supremo da Venezuela. A política econômica, baseada em estatizações forçadas, mudou o modelo de consumo e o padrão social, mas não o modelo de produção: trata-se de um Estado que financia-se com receitas originárias de seu próprio patrimônio (as receitas da exploração do petroleo), dominando uma série de áreas básicas da economia com os recursos decorrentes. No entanto, essa política estatista afastou investimentos do país resultou na desindustrialização, e o governo tentou aliviar o aumento de preços decorrente com importações: o resultado foi um aumento vertiginoso do endividamento público, do déficit nas contas externas e demais efeitos, que foram combatidos pelo governo com o congelamento de preços e manipulação do câmbio. A inflação, a corrupção, a ineficiência foram os resultados da adoção do que se proclamou aos quatro ventos de "socialismo do século XXI'', mas, paradoxalmente, o país viveu sua maior transformação social. Certamente, o povo não aceitará ser comandado como um capacho pelas elites norte-americanizadas, como era antes.
Os governos populistas da América perderam seu referencial. A própria Venezuela já entrou em crise, sendo necessário que os comandantes do Exército aparecessem na Tv para firmar lealdade ao incarismático vice-presidente de Chávez, que já lançou uma tese conspiracionista que cheira a uma justificativa para um possível Golpe de Estado. De toda forma, é a chance histórica para a oposição ao bolivarianismo reassumir o poder, e provavelmente o fará. Cuba, que em muito dependia do petroleo barato enviado pela Venezuela, pode entrar em crise e, finalmente, ver seu regime socialista ser posto abaixo. O Brasil? Pouco ou nada mudará, a não ser que o novo governo da Venezuela suba alíquotas sobre os produtos que exportamos para lá, derrubando nossa balança comercial superavitária com o país.
A Venezuela mudou, para melhor, é inegável, no governo do "comandante''. Milhões saíram da pobreza, a taxa de desemprego do país é uma das menores do continente, a educação e saúde avançaram como nunca. Massas populares excluídas sentiram-se pela primeira vez no poder, embora de forma ingênua, exercendo-o por meio de um líder paternalista, idolatrado, carismático. Trata-se do mesmo processo vivido pelo Brasil, com Getúlio Vargas, com a ressalva de que a obra do último foi muito mais importante que a do chefe supremo da Venezuela. A política econômica, baseada em estatizações forçadas, mudou o modelo de consumo e o padrão social, mas não o modelo de produção: trata-se de um Estado que financia-se com receitas originárias de seu próprio patrimônio (as receitas da exploração do petroleo), dominando uma série de áreas básicas da economia com os recursos decorrentes. No entanto, essa política estatista afastou investimentos do país resultou na desindustrialização, e o governo tentou aliviar o aumento de preços decorrente com importações: o resultado foi um aumento vertiginoso do endividamento público, do déficit nas contas externas e demais efeitos, que foram combatidos pelo governo com o congelamento de preços e manipulação do câmbio. A inflação, a corrupção, a ineficiência foram os resultados da adoção do que se proclamou aos quatro ventos de "socialismo do século XXI'', mas, paradoxalmente, o país viveu sua maior transformação social. Certamente, o povo não aceitará ser comandado como um capacho pelas elites norte-americanizadas, como era antes.
O avanço das conquistas sociais foi acompanhado da polarização entre a mídia corporativa, que apoiou a oposição anti-Chávez, e o avanço da regulação do governo sobre o setor. A Globovision venezuelana, gigante do setor, perdeu inúmeros nichos do poderoso império que controlava. A legislação regulatória da mídia, acusada de ditatorial e mitigadora da liberdade de expressão serviu de ponto de pressão para que o Estado aumentasse sua participação na mídia. Contudo, em que pese as acusações, o fato é que, dos jornalistas perseguidos ou assassinados, poucos (menos de 5) são venezuelanos. Já no Brasil, um país aparentemente beneficiado pela "liberdade'' da (grande) imprensa, dezenas de jornalistas morrem, em circunstâncias misteriosas (dados da "liberal'' organização Repórteres sem fronteiras).
Apesar de Chávez ter sido eleito quatro vezes para o cargo de presidente, o processo eleitoral venezuelano sempre foi limpo, aprovado por todos os países observadores. As reformas políticas, com a divisão do país em distritos descentralizados, onde ocorre uma maior aproximação do povo e seus representantes também mudou, para sempre, a cultura política do país. A Constituição venezuelana, promulgada no governo chavista, traz uma série de mecanismos de participação direta popular, com plebiscitos, referendos e consultas populares frequentes e sobre variados temas. Se Chávez governou como ditador, não me parece ter sido verdade: há alguns anos, ele tentou alterar a Constituição, via decreto, para aumentar seus poderes e possibilitar um número ilimitado de reeleições. O povo rejeitou, e ele resignou-se, o que não impediu que, como todo político, buscasse fortalecer seu próprio poder.
A Venezuela, que passou incómule ao furacão dos golpes militares dos anos 60-70, está em uma nova ebulição. Uma coisa é certa: Chávez se tornará um mito. Será lembrado por séculos como um heroi, mesmo que seus partidários percam o poder nos próximos meses. Se é difícil presenciar o nascimento de um líder, imagine a geração de um mito!
Porque, em que pese sua gestão frágil na economia, Chávez personificou como ninguém o sentimento anti-imperialista na América latina, dirigido contra a maior superpotência da terra, os EUA; um ódio histórico, diga-se. Em antológicos momentos, que culminaram com uma tentativa fracassada de Golpe de Estado contra Chávez, em 2002, apoiada pelos norte-americanos (único país a reconhecer o efêmero governo golpista), Chavez desafiou a hegemonia do xerife do mundo ao se rebelar contra os ditames de Washington. Ele foi o primeiro dos presidentes latino-americanos a dar o pontapé inicial na "virada à esquerda'' efetuada pelo sub-continente, que viu pela primeira vez grupos mais ligados aos setores populares chegarem ao poder. Sua aliança com Cuba e o Mercosul fortaleceram, de certa forma, a América Latina perante o mundo: o continente antes visto como pária deu saltos de desenvolvimento, e se transformou no verdadeiro motor do mundo econômico, ao lado da China, durante a crise econômica de 2008.
Em um momento só comparável ao suicídio de Getúlio Vargas, pode-se dizer que, pelas próximas décadas, a política venezuelana se dividirá entre aqueles que se proclamarem sucessores do bolivarianismo e aqueles que lhe cerrarem oposição. Mitos só nascem quando homens morrem, e, mais que tudo, são símbolos de uma época, de toda uma forma de ver o mundo: a Venezuela viu seu espelho em Chávez. Um homem outrora pobre e sem importância que, meteoricamente, chegou ao poder. Agora que o espelho foi quebrado, esperemos que, da reconstrução de sua imagem histórica, a partir dos cacos deixados, do maior líder venezuelano no século, não subsista somente o ídolo ou o vilão, mas uma figura, mesmo distorcida, o mais próximo dos fatos o possível: um renovador, mas, como todo político, obcecado em permanecer no poder, responsável por vários erros históricos e, também, por inegáveis sucessos na área social e política. Será uma perda enorme para a política latino-americana, mas um tremendo ganho para o já extenso catálogo de herois mitológicos das esquerdas latinas. Que descanse em paz, no Olimpo de Guevara, Bolívar, Allende, Peron.